sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A Tetralogia Napolitana de Elena Ferrante.




"E depois?". Esta pergunta é a chave de qualquer narrativa. Romance, novela, conto. Qualquer uma destas categorias, ou palavras, serve uma história que, linear ou densamente ramificada, vamos querer conhecer e que nos seja bem contada. Os tempos têm fornecido sucedâneos, daí as fotonovelas, as radionovelas, as telenovelas, onde a cada virar de esquina algo acontece, esperadamente inesperado. Os grandes romances da literatura universal contam também uma história, sem a qual não teriam nascido. Se medirmos o e-novela-do (perceberam?) da história pelo seu número de "cotovelos" / "curvas apertadas" por q100 páginas, possivelmente os que consideramos grandes romances têm um rácio relativamente baixo, com páginas e páginas de fantástica literatura a rodearem meia dúzia de eventos. A Guerra e Paz tem mesmo assim bastantes curvas, o Nouveaux Roman não, Paul  Auster sim. Na Tetralogia Napolitana de Elena Ferrante o rácio "cotovelos" / páginas é elevadíssimo. Está sempre muita coisa a acontecer. E quando não está pressentimos que na página a seguir ou quase vai acontecer algo muito importante e dramático. Há um frenesi, uma adrenalina vital de vida que não para de ser relatada e relatada e relatada. O texto é nervoso, ansioso, compulsivo, como é a relação-chave dos quatro livros, a relação entre a narradora, Elena Greco, e Raffaella Cerullo. Nas "Crónicas do Mal de Amor", que agrupam os três livros anteriores de Ferrante, o tempo é um pouco mais calmo e há mais "escrita". Aqui que Ferrante escreve bem percebemos em flashes, um, dois, três parágrafos, onde ela solta definições redondas sobre as emoções e os sentimentos que, aos pontapés, estão por ali a acontecer. Portanto, podemos chamar à Tetralogia Napolitana de Elena Ferrante um mega-romance-novela. Acabei de terminar o terceiro volume. Um vício. Mal posso esperar para começar o quarto. Eis o segredo do sucesso universal, do fénomeno. Ao qual presto homenagem.
É um livro sobre duas mulheres nascidas num bairro de Nápoles e que vivem as transformações italianas e ocidentais dos anos sessenta, setenta, oitenta. A escrita é cruamente feminina. O sexo, o corpo, o imaginário, o relacionamento que é sempre estranho com os homens, os filhos, as famílias. O resto por ali também aparece, uma Itália violenta, com terroristas, camorristas, o neo-fascismo, atentados, mortos, exploradores e explorados, Norte e Sul. Duas mulheres que aprendem a viver vivendo, devorando a vida mal a mesma lhes aparece pela frente. Ou desesperadas quando ela não vem. Que são duas caras de uma moeda. Que se amam e que se odeiam. Gémeas para a vida e rivais até à morte. "E depois?" Para a semana começo o quarto livro.



"Na manhã seguinte, pela primeira vez na minha vida, entrei num avião. Não sabia apertar o cinto, Nino ajudou-me. Que emocionante foi apertar-lhe a mão com força enquanto o ronco dos motores crescia, crescia, crescia, e o avião iniciava a sua corrida. Como foi comovente soltar-me da terra com um sacão e ver as casas transformarem-se em paralelepípedos e as ruas em risquinhas, e o campo reduzir-se a uma mancha verde, e o mar a inclinar-se como uma placa compacta, e as nuvens que se despenhavam em baixo, numa derrocada de rochas macias, e a angústia, a dor, a própria felicidade, que se tornavam parte de um movimento único, muito luminoso. Pareceu-me que voar submetia todas as coisas a um processo de simplificação, e suspirei, tentei abandonar-me. De vez em quando perguntava a Nino: estás contente? E ele fazia sinal que sim, e beijava-me. Por vezes tinha impressão que o chão, debaixo dos pés - a única superfície com que se podia contar - tremia."

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