Ontem não consegui ir do trabalho
para casa. Precisava de ver a neve. Decidi pegar no carro ir até às Portas do Montemuro.
Eram três da tarde. Liguei o
navegador do Google Maps. Este (ou melhor esta) passou os primeiros quinze
minutos desorientada mas depois atinou quando já eu tinha decidido enveredar
pela A4. Seguimos até Penafiel e depois foi descer para Termas de S.Vicente e
Entre-os-Rios.
A divisão territorial portuguesa
está por fazer. Os distritos são uma invenção relativamente recente e sem sentido,
e mesmo as províncias “de sempre” são adaptações de noções vagas tradicionais a
um mapa desenhado no século XIX. A A4 é a auto-estrada do Vale do Sousa. Mas o
que é o Vale do Sousa?
O Norte e o Centro em Portugal têm uma dicotomia muito
marcada Litoral/Interior. Dicotomia económica, social, cultural e, para
começar, geográfica. O Vale do Sousa é a região mais atrasada do Litoral
Português. Era também, até à poucos anos, a região mais fértil - não no sentido agrícola mas reprodutivo - da Europa
Ocidental, à frente do Vale do Ave. As regiões portuguesas com nomes de rios
parasitam rios de valor, marcantes: Minho, Douro e (riba- e além-) Tejo. Alguém
alguma vez viu o Sousa? Conhecemos a foz dos cruzeiros no Douro. Encaixado em
ladeiras como todos os rios por cá, mal se vê sob as pontes que sucessivamente
lhe faltam ao respeito. O Vale do Sousa é geograficamente o corpo central dum
terreno rugoso, agreste, acidentado e martirizado por acácias, eucalipto,
indústria, pedreiras e gente que se chama Douro Litoral. Será Verde o vinho,
mas aqui não está a gentileza do Minho.
Cheguei a Penafiel, terra que
fica num alto, como diz o nome, vizualizei o hospital – também lá em cima –
onde amigos trabalham e sofrem acrise gripal, e derivei para a estrada que desce pelas Termas de
S.Vicente até ao simbólico ponto de Entre-os-Rios. As Termas estão a ser
recuperadas. Entre-os-Rios, depois do drama, foi sobrevoada por pontes,
viadutos, acessos e rotundas. Os mortos continuaram mortos, e a água dos dois
rios, Douro e Tâmega, continua por ali majestosamente a confluir em variável harmonia.
Passado o rio há que subir para Cinfães.
São mais de vinte quilómetros até
Cinfães. Que ao distrito de Viseu pertence mas da Beira não é. Cruza-se o Paiva e é logo a subir. Nestes vinte e
tal km estamos sempre a olhar para o poderoso rio que nos contraria lá em
baixo, a fazer o seu percurso em sentido oposto. Este sim é o rio que define,
estas terras são o que este rio dá e tira, este rio e os seus tributários. É
uma estrada portanto que requer cuidado e não permite grande disfrute do que se
quer ver. Progressivamente o desastre urbanístico e ambiental dos concelhos de
Valongo, Paredes e Penafiel cede o lugar a uma natureza mais coerente, a
socalcos mais vivos, a uma presença humana mais esparsa. O rio está umas
centenas de metros abaixo e, em frente, o mosteiro de Alpendurada. Recuperado
mas não sei bem para quê. À sua volta não há um verde que perdure, como se a envolvente tivesse sido bombardeada. No monte que sobrejaz uma enorme pedreira
dita a sua cicatriz. E continuamos a subir. Com paciência chegamos a Cinfães. Que se
desenha à volta da estrada que segue na encosta. Virada para o Douro. E a
adivinhar a serra para onde vamos. Pequena vila arranjada pelo (seu) poder
autárquico, tem umas que parecem ser estátuas de/à Cutileiro para celebrar o (seu) Carnaval. As estátuas estão ao correr
da rua que assim é a terra. A vista para o rio define Cinfães.
A rapariga brasileira do Google
Maps avisa-me de que em trinta minutos chegarei ao destino.
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