domingo, 18 de novembro de 2018

Da Tourada.



Nunca entrei numa praça de touros. Não quero entrar. Considero a tourada um espectáculo onde algo de belo pode às vezes acontecer mas onde o sofrimento de um animal acontece sempre. Acho que com o tempo a tourada vai desaparecer e ainda bem. 

A tourada é herdeira directa a um tempo do circo romano e dos matadouros - porque o touro quase sempre morre no fim. O seu refinar criou uma linguagem e uma estética que foi cantada durante séculos. Pode ou não definir muito do que é "Ser Espanha", por ex., Ortega y Gasset achava que sim. A tauromaquia foi desenhada e pintada por Goya e Picasso, cantada por Machado e Lorca. Ditos estes não precisamos de Hemingway para nada. Em Portugal, por ex., António Osório. 
Manolete, Ordoñez, Dominguín, o toureio apeado criou heróis para o povo, a coragem e a vertigem logo ali. E depois cantaram-se os heróis. Sobre Ordoñez: "(...) Com a capa, toureando com verónicas, Antonio Ordoñez anula os melhores. Verónicas com um grande jogo de braços, suaves e espectaculares, lentas, magníficas, verónicas densas, dramáticas e profundas, carrregando a sorte, verónicas alegres, aladas e palpitantes com os pés juntos, meias verónicas amplas, fechadas com petulância sobre o corpo, como uma flor misteriosa. Com o capote, para adornar, é límpido, matemático, preciso. (...)".
O touro é um espelho do homem, o animal bravo por definição, que o homem quer vencer e mata. Porque todos os touros são de morte. Não houvesse o homem não havia o touro. Sempre vimos os animais em função de nós. O touro é o caso mais extremo, mais brutal. O toureio apeado teve também dias de glória em Portugal, vidé a rivalidade entre Manuel dos Santos e Diamantino Viseu. O toureio a cavalo, coisa mais nossa e mais de nobres e príncipes, não tem o perigo tão ali, e adiciona à crueldade ao touro aplicada o terrível adestramento de um cavalo para vencer o maior dos medos. No entanto, com Manuel dos Santos, Mestre João Núncio, cavaleiro Maior, foi uma das figuras do nosso século XX. A reforma agrária matou-o. Os forcados, já agora, são ou eram eram os criados ou mais simplesmente os homens do nobre que para mostrar valentia dominavam o touro no fim de uma lide onde este já sofreu muito. 

Sim, a tourada vai acabar por desaparecer, está na sua hora. Mas vai ser o tempo das gentes a decidir isso, e não um decreto. Fica este poema de Alberto Lacerda, bem mais autêntico e sentido do que a medalha que António Costa terá dado a um forcado há uns poucos de anos:

*

PEGA DE CARAS


Ó fila varonil de olhos pregados
No touro a distância pouca e monstra
Ó homens apostados em pegar
De caras pelos cornos Minotauro

Silêncio ansioso aço quebrado
Pelos gritos do primeiro forcado

Arranque súbito da fera frente a frente
Leve tremor de terra
Que pesa brutal
Sobre o forcado
Arremessado ao ar mas que não larga
Os dois cornos como dois troféus

Dos lados pendem farpas humanas
Que largam de repente o touro negro
Quieto por instantes 
Seguro pelo rabo
Por um forcado um só

*

(ou este ainda, sobre o touro)

*

TOURO PARADO NA ARENA


Resumo brutal 
Das forças sem pergunta nem resposta

Mancha solar 
De luto por si própria.

*


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