domingo, 9 de dezembro de 2018

O teu mais velho.

O prédio onde habito fica na urbanização do Foco. Antigamente os grandes condomínios chamavam-se urbanizações e não eram fechados, antes ofereciam às gentes do exterior um jardim central que hoje ainda é um dos espaços públicos mais bonitos da cidade do Porto. Entro para a garagem pelo topo sul onde há uma barreira que ora sobe ora desce. O meu apartamento fica no topo norte. Faço quase meio quilómetro subterrâneo para chegar ao lugar que, alugado, é meu.
Junto à dita barreira está sempre alguém, chamemos-lhe segurança. Que não é de empresa nenhuma mas sim um empregado do condomínio. Conheço-os, cumprimento-os. São dois irmãos, completamente diferentes um do outro. E depois há um terceiro que me parece não jogar com todo o baralho de cartas. Há ainda outro que só faz noites, que é mais moreno.
Contrataram agora um rapaz novo. Digo rapaz porque não terá trinta anos. As funções ali na barreira são escassas. A minha urbanização abunda em idosos.  Os problemas com as entradas, as saídas, os comandos, etc serão frequentes. Às vezes alguém carrega, alguém descarrega. E é só. O rapaz, branco de cara, cabelo um pouco encaracolado, barba feita, por ali está, sério, fumando um e outro cigarro. Nunca o vi sorrir. Cumprimenta-me desde o primeiro dia, vendo em mim talvez um aliado, ou um igual. Que vida mais triste. Sei que terá uma paga fixa ao fim de cada mês, e isso à superfície de toda a terra ou indo por todas as ruas desta cidade, nem toda a gente tem. Mas porque isto não é só, por pouco que seja, dinheiro, que vida triste!
O rapaz costuma pôr um pé sobre um pino que há ali, apoia o cotovelo na perna e fica assim a olhar. Parece interrogar a esfinge. Ou então senta-se na beira de um murete que fica ao lado e apenas olha, também. Nunca o vi falar com ninguém de fora, nunca notei que o procurassem nem lhe notei pressa para sair, ir embora, partir. Uma vez dirigiu-me a palavra e a sua voz era estranha, fendida, como se por falta de uso.
 
No olhar lembra-me o teu mais velho.

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