sábado, 4 de setembro de 2021

Do Colonialismo - 3.





Comprei no início do ano o terceiro volume de memórias de Eugénio Lisboa, que retrata a sua vida em Moçambique de 1955 a 1976.

Moçambique viveu uma vida cultural brilhante, não só centrada em Lourenço Marques, nos últimos anos de colónia portuguesa. Os nomes Rui Knopfli, Reinaldo Ferreira, João Pedro Grabato Dias, Eugénio Lisboa, brancos, José Craveirinha, mulato, e muitos mais nomes hoje esquecidos. Craveirinha e Knopfli descobriram Luis Bernardo Honwana, negro, que aos 22 anos publica "Nós Matámos o Cão-Tinhoso" em 1964, ano do início da luta armada da Frelimo e que foi nesse mesmo ano preso.

Esta vida cultural acabou em 1975. Dos brancos acima mencionados, Reinaldo Ferreira morrera precocemente em 59, ficou um militante António Quadros em Moçambique até 84, os outros só aguentaram até 76. Knopfli foi para Londres, Lisboa para Paris. Como se a Metrópole lhes resultasse pequena. Craveirinha ficou e foi Prémio Camões em 1991.

O livro que comprei chama-se "Acta est Fabula - vol III". Vou saltar sobre a descrição dos dois anos pos-25 de Abril, em que a traumática transformação de Lourenço Marques em Maputo que Eugénio Lisboa descreve não é o assunto deste post. Moçambique perdeu muito com o acontecido. Poderia ter sido diferente? 

Eugénio Lisboa é um dos mais importantes intelectuais portugueses ainda vivos. Atrapalha-me a presença escassa do negro nos 19 anos escritos, entre 1955 e 1974. O autor reflecte nas suas visitas a Joanesburgo (onde havia óptimas livrarias...) sobre a brutalidade do apartheid mas não ignora que Lourenço Marques é não uma mas duas cidades, a "cidade do cimento" e a "cidade do caniço". Não ignora mas não me parece fazer a leitura completa. Ele e o grande amigo Knopfli sabem que aquilo não pode durar.

O Moçambique dessas décadas foi uma coisa muito bonita, mas como outras coisas muito bonitas, foi filho do pecado.

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