Cada província do Afeganistão tem uma história e uma riqueza próprias. Assim particularmente a província de Balkh. O nome advém duma cidade antiga com o mesmo nome, Balkh, a antiga Bactria. Mas hoje o centro da província é Mazar-i-Sharif, a cidade mais importante do norte do Afeganistão, aprox meio milhão de habitantes e a 55 km da fronteira com o Uzbequistão, sendo portanto um nó comercial importantíssimo. A província consegue fazer fronteira de oeste para leste com o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Tajiquistão. A capital deste, Dushambe fica a 250 km em limha recta. A província é um triângulo de 16186 km2 e milhão e meio de habitantes. A população tem um ligeiro predomínio tajique mas com minorias pashtun, uzbeques e hazaras importantes. Se prolongarmos as arestas do triângulo para norte encontramos no mapa Bukhara, Samarcanda, Ferghana, as grandes cidades da Rota da Seda
Vamos apresentar doze coisas a saber sobre a província de Balkh:
1 - O monumento mais importante na província fica em Mazar-i-Sharif é é a Mesquita Azul, um enorme complexo cujo nome deriva dos azulejos que a cobrem. A sua construção é do século XV, com adições várias. É para as gentes do Afeganistão o mausoléu de Ali, o 4º califa e mártir. Os xiitas acreditam que o califa Ali está enterrado em Najaf, no Iraque. Passa pelo papel do califa Ali nos inícios do Islamismo o cisma entre os sunitas e os xiitas. A Mesquita Azul é um admirável exemplo da arquitectura islâmica clássica e faz de Mazar-i-Sharif um lugar de peregrinação. A Mesquita Azul vive rodeada de uma larga população de pombas brancas. Diz a lenda que qualquer pomba não completamente branca que se aproxime da mesquita perde qualquer laivo de cor na plumagem e fica só e apenas branca.
Em Abril de 2011, depois de um pastor evangelista Americano ter queimado publicamente um Alcorão, um protesto de alguns milhares de crentes em Mazar-i-Sharif, depois das preces de sexta-feira, invadiu a delegação das Nações Unidas e matou 11 pessoas. Assume-se que a delegação das Nações Unidas foi a primeira coisa estrangeira que encontraram pela frente.
2 - A cidade de Mashar-i-Sharif (o nome significa "túmulo de santo") está rodeada por um complexo de canais de irrigação onde "desagua" o rio Balkh, que nasce no Hindu Kush. Antes da construção destes canais desaguava no rio Amu Darya. A riqueza de Mazar-i-Sharif é não só comercial e de peregrinação mas também agrícola A cidade está a 357m de altitude, a mais baixa das grandes cidades do Afeganistão, virada em diálogo para as terras que se seguem para oeste e para norte.
3 - No início de Setembro calculava-se serem 1000 as pessoas à espera de evacuação de Mazar-i-Sharif para os Estados Unidos. Serão pessoas com nacionalidade americana e pessoas naturais do Afeganistão que colaboraram estreitamente com América nos 20 anos de presença na província de Balkh. Em Washington várias ONG's e person alidades públicas interrogavam-se da razão da demora em evacuar esta gente. O secretário Antony Blinken alegava ser difícil confirmar as credenciais das tais 1000 pessoas, pela simples razão que já não há pessoal americano em Mazar-i-Sharif para o fazer. Como resolver isto?
4 - Muito perto de Mazar-i-Sharif fica a cidade de Balkh, que dá o nome à província. Balkh é a antiga Bactria, cidade que na antiguidade deu em parte génese ao Reino Greco-Bactriano. A cidade é bastante anterior à conquista por Alexandre, o Grande, mas após a morte deste e as divisões acontecidas no que restava do seu império foi criado o que hoje se chama o Reino Greco-Bactriano, de que Balkh/Bactria foi uma das capitais. Balkh foi uma grande cidade durante o Reino Greco-Bactriano, o Inpério Kushan, a conquista árabe, etc. Era a "mãe das cidades". Gengis Khan arrasou-a por completo em 1221, uma história que se repete por toda a Ásia Central. Balkh demorou mais de um século a reerguer-se. As ruínas que são hoje Património da Humanidade certificado pela Unesco são na maioria do séc XV e depois, quando a cidade voltou a ganhar alguma proeminência. A capitalidade daquilo que se pode chamar o Turquestão do Afeganistão só passou porém para Mazar-i-Sharif em 1866.
5 - Na província de Balkh terá talvez nascido, mas com certeza ensinado e falecido Zoroastro (o Zaratustra de Nietzsche), o profeta que criou a religião persa por excelência, o Zoroastrismo. O Islão tornou o Zoroastrismo pouco mais do que residual no Irão e na Índia e praticamente inexistente no Afeganistão, existindo alguma diáspora da religião no Ocidente. Ideias como o Paraíso, o Inferno, a Ressurreição, a oposição do Bem e do Mal influenciaram as religiões subsequentes que por ali se criaram, o Judaísmo, o Cristianismo e, claro, o Islão.
6 - O poeta Rumi nasceu em 1207 na província de Balkh. O poeta persa mais conhecido da história, um best-seller ainda hoje, por exemplo, nos Estados Unidos, talvez um dos grandes poetas da História da Humanidade. Foi ao mesmo tempo um professor, um religioso, um místico, um filósofo. Quando novo fugiu com a família para o hoje Irão das tropas de Gengis Khan e não mais terá voltado a Balkh.
"O anjo salva-se pelo conhecimento, / o animal pela ignorância, / entre os dois o homem permanece em litígio."
7 - A província de Balkh foi governada pelo Canato uzbeque de Bukhara durante muitos anos até ter sido englobada no Afeganistão nascente no século XIX. Noa anos noventa do séc. XX a província de Balkh foi dominada por um General uzbeque do exército afegão, Abdul Rashid Dostum, que se revoltou em 92 e criou uma espécie de proto-estado (englobando Balkh e algumas provínicas próximas) que chegou a imprimir moeda e se manteve relativamente próspero e estável, isto enquanto a guerra civil devastava o resto do Afeganistão. A traição de um seu general em 1997 atraiu os talibã. Em 97-98 aconteceram as chamadas Batalhas de Mazar-i-Sharif, onde consoante quem vencia chacinava o opositor. Em 8 de Agosto de 98 os Talibã entraram em Mazar-i-Sharif e de cima das suas pickup atiraram em tudo o que mexia, matado milhares de pessoas, proibindo o enterro das vítimas durante seis dias para que os corpos ficassem em exposição ou fossem comidos pelos cães.
8 - Mazar-i-Sharif e Balkh, rodeadas pelos canais de irrigação onde morre o rio Balkh são uma excepção, indo os outros rios do norte do Afeganistão irrigar e morrer a oásis alheios, estrangeiros. Ou é a província de Balkh que não é bem Afeganistão?
9 - À morte de Alexandre o seu enorme império dividiu-se belicosamente entre os seus generais. A sua parte leste ficou para Seleuco, que formou o Império Selêucida. A Bactria, portanto a parte mais a oriente deste império, aproveitou a primeira crise para se separar do Império Selêucida e criar um reino que durou aprox uns dois séculos e que manteve nas terras do norte do Afeganistão, mais a norte ainda e parte da Índia/Paquistão a chama do helenismo, visível na (pouca) arte que resta. Foi a espaços um reino próspero e que mantinha relações com a Índia, os povos das estepes do norte e a própria China. A pegada grega ficou ainda a influenciar reinos e povos que vieram a seguir, mas o Reino Greco-Bactriano foi conquistado pelos Partos peri 150 AC. Curiosamente para lá do Hindu Kush e já fora do Afeganistão sobreviveram os chamados Reinos Indo-Gregos ainda mais um século, em guerras e guerrilhas que acabaram por determinar o seu fim. Estes pequenos reinos estavam nesta fase completamente separados da Grécia-mãe e eram por esta praticamente ignorados; a Grécia já tinha sido conquistada por Roma. A escrita ainda era grega e os deuses também, numa mistura com as culturas autóctones que deixou marca.
10 - O calendário do Afeganistão marca o início do ano no equinócio da primavera (este ano foi a 20 de Março). Este calendário é partilhado com o Irão e com outros países da zona. Será anterior ao Zoroastrismo mas esta religião consolidou o seu uso. O início do ano chama-se Nauruz e a sua maior festa no país inteiro acontece em Mazar-i-Sharif com o festival Gli Surkh (ou festival das flores vermelhas) que nas primeiras semanas após o Nauruz celebra a floração das tulipas, predominantemente, vermelhas que crescem nos campos e encostas que rodeiam Mazar-i-Sharif.
11 - O Nauruz tem um componente religioso importante, que em Mazar-i-Sharif acontece na Mesquita Azul, uma lógica de encontro familiar onde os mais novos visitam os mais velhos e se come pratos típicos da ocasião, e o Buzkashi. Vou fazer minhas as palavras de Tamim Ansary a descrever este famoso jogo onde uma data de cavaleiros disputam o cadáver de uma cabra de forma a chegar com ele a uns postes: " É um jogo num campo sem marcações, sem árbitro, sem equipas, sem faltas, cada jogador a lutar por si ou pelo dono das terras que trabalha ou pelo seu chefe de tribo."
12 - Entre 1998 e 2001 o Nauruz não foi celebrado em Mazar-i-Sharif.
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