Os ocidentais souberam da existência de Bamyan quando os talibã fizeram explodir os dois famosos budas erectos, esculpidos na rocha que domina o vale da cidade de Bamyan, a capital da província. Mas a província de Bamyan era e ainda é - e infelizmente continuará a ser - o paraíso turístico escondido do Afeganistão. A província tem meio milhão de habitantes a viver em 18029 km2 que se localizam na espinha dorsal montanhosa do Afeganistão, entre a corcova do Hindu Kush e um seu braço a norte, o Koh-i-Baba. A maioria da povoação é Hazara, Bamyan com mais de 100000 habitantes a capital cultural deste povo, sendo que os Hazaras sempre estiveram um pouco em contra-mão com o resto do Afeganistão, fosse na religião, fosse na relação com o governo vigente, etc. Para os Hazaras ser perseguido foi historicamente uma rotina que ainda se mantém.
Eis treze coisas sobre a província de Bamyan:
1 - Podemos começar por falar dos famosos budas. Construídos nos séc. VI-VII, simbolizam a importância da presença budista no vale de Bamyan, o Budismo a seguir o seu caminho a partir da Índia em direcção a terrenos mais a norte. A sua arte é Greco-Budista ou Gandhara, o fantástico resultado do encontro entre as artes Grega, chegada tão longe e a Indiana, vertente Budista. O vale de Bamyan foi centro de peregrinação e, ao ser isso, um nó de intersecção na Rota da Seda, mesmo ficando o vale de Bamyan a 2500m de altitude, entre Kabul e Balkh. Mesmo depois da conquista islâmica os budas continuaram a ser figuras populares e localmente veneradas. Eram os budas de pé mais altos do mundo, 55 e 38m de altura, virados os dois a sul, as suas figuras dominando o lindíssimo vale. Logo que Bamyan foi conquistada pelos talibã, em 1998, logo se percebeu que os budas estavam em perigo. O Mullah Omar decidiu finalmente a sua destruição em 2001, oficialmente por discordar das "ofertas milionárias que o ocidente fazia para reconstruir e preservar os budas, enquanto se recusava a ajudar as crianças afegãs." A destruição não foi fácil, e ter-se-á pedido ajuda a peritos da Al Qaeda em explosivos.
2 - O vale de Bamyan foi sempre o destino turístico preferido do país Afeganistão, em parte pela relativa proximidade da capital, mas não só. O número de visitantes estrangeiros nunca foi muito elevado primeiro por desconhecimento, depois pela instabilidade do país. Os naturais do país, habituados à dita cuja, mas sabendo que, nos 20 anos da presença americana, Bamyan era das províncias mais seguras, viajavam até aqui quer no verão quer inclusivé no inverno, praticando até alguns desportos de inverno!
3 - Um dos destinos mais procurados pelos turistas é o primeiro Parque Nacional do país, o Parque Nacional de Band-e-Amir. O postal fantástico deste parque, também muito rico ao nível da flora e da fauna, são seis lagos localizados a 2900m de altitude, separados por diques naturais de depósito mineral de carbonato de cálcio, um fenómeno único. Estes lagos são conhecidos como o "Grand Canyon do Afeganistão", embora não tenham nada a ver, e são a origem do rio Balkh, o rio que fertiliza as terras de Balkh e Mazar i Sharif. Na margem dos lagos há restaurantes e gaivotas para as pessoas passearem na água azul cristalina. Não serão estas gaivotas também imagens para destruir pelos talibã? Sobreviverão?
4 - Como comprovativo da paz vigente em Bamyan, a partir de 2015 disputou-se no vale da capital da província a "Maratona do Afeganistão", um evento desportivo aberto a homens e mulheres, afegãos e estrangeiros!
5 - Há restaurantes com o nome Bamyan na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos, na Europa. Desconheço se a população de Bamyan teve uma diáspora particularmente extensa e gastronómica, ou a razão está na infeliz popularidade que este nome hoje tem. Por equívoco há também um restaurante japonês com o nome Bamyan e que fica em Fernandópolis, São Paulo, Brasil.
6 - Os Hazaras são um povo aparentado com os uzbeques e os mongóis, portanto com uma aparência algo diferente do resto dos afegãos. Constituirão 1/10 da população do país e encontram-se sobretudo no centro montanhoso. Bamyan é a sua capital cultural. Os Hazaras tornaram-se xiitas nos séc XVI-XVII. Os problemas dos Hazaras começaram ou agravaram-se quando, na sequência da 2ª Guerra Anglo-Afegã, o rei Abdur Rhaman Khan quis tornar efectivo o seu domínio sobre largas partes do Afeganistão. As províncias de predomíno Hazara, conhecidas como o Hazarajat, revoltaram-se em três vagas, 1888-90, 1892 e 1893. O Rei transformou estas revoltas em guerras religiosas, aproveitando o preconceito contra o facto dos Hazaras serem xiitas. No fim destas três revoltas os Hazaras tinham perdido um parte muito importante da sua população, morta, escravizada, deslocada. Muitas terras dos Hazaras foram tomadas pelos Pashtun. O harém do rei ficou enriquecido com mulheres Hazara. Este é um genocídio de que não se fala. No século XX os Hazara foram, como outras minorias, estrategicamente protegidos pelo governo comunista. Isto provocou mais massacres por parte dos talibã. Os Hazaras fizeram parte da Aliança do Norte que derrotou os Talibã com as ajuda dos USA em 2001. O derrube dos Budas de Bamyan, imagens populares no folclore Hazara, foi uma humilhação mais. Nestes últimos 20 anos o Hazarajat de vez em quando foi sacudido por ataques suicidas do ISIS, visando civis Hazaras. Agora, em 2021, tudo voltou ao (mau) princípio. A cultura Hazara é no geral menos conservadora que a Pashtun e permite maior liberdade e expressão às mulheres. Na primeira metade do séc XX alguns clérigos sunitas diziam que matar um Hazara (xiita) era uma forma de entrar no céu.
7 - Muito perto de Bamyan existe o lago Band-e-Azhdahar, criado da mesma forma que os lagos de Band-e Amir e que fica num vale chamado o Vale do Dragão, por uma crista de rocha que o atravessa e desenha o dorso de um dragão enterrado. É um destino de fim-de-semana para as gentes de Bamyan. Este dragão, já agora, que aterrorizava aquelas terras, foi derrotado pelo Califa Ali, com a sua fiel espada Zulfiqar.
8 - Para norte de Ban-e-Amir fica a Reserva Natural do Vale de Ajar. Uma antiga reserva de caça dos reis do Afeganistão, sobrevive - mal - pela caça ilegal que persiste. Para oeste fica uma enorme formação natural, um arco de pedra com 64m de largo e que é a Ponte Natural de Hazarchishma
9 - Voltando ao vale de Bamyan, as estátuas dos Budas estavam rodeadas por centenas de cavernas onde viveram durante séculos monges budastas. Estas cavernas mais recentemente tiveram e ainda têm os usos mais díspares, entre os quais os de refúgio/residência de naturais de Bamyan. Algumas cavernas são hoje visitáveis, nomeadamente aquelas onde se descobriram pinturas murais contemporâneas dos Budas, as primeiras pinturas feitas a óleo documentadas no mundo.
10 - Pela província fora existem pequenas cidades e vilas, arruinadas ou não, com o seu pitoresco. A ruína de castelo mais imponente parece-me ser a do Forte das Quarenta Torres, Chehel Burj, semi-destruído como tudo o mais que foi semi-destruido por Gengis Khan no século XIII. A ruína com mais história é a de Shahr e Gholghola, no vale de Bamyan, o último castelo a resistir a Genghis Khan, conhecida hoje pela Cidade dos Gritos, pois não sobreviveu ninguém..
11- Bamyan tem a maior parte do seu território acima de 2000m de altitude. Não tem qualquer indústria e o comércio é escasso e os acesso difíceis. O famoso turismo é apenas algum e agora vai voltar a desaparecer.
12 - Existe uma equipa de cricket chamada os Band-e-Amir Dragons. No entanto a sua cidade-base é Ghazni, uma cidade Pahtun centenas de kms para o sul. O cricket veio para o Afeganistão com o retorno dos refugiados que se tinham instalado no Paquistão e que voltaram nos anos 90. Curiosamente foi o único desporto não completamente banido pelos Talibã.
13 - O Parque Nacional Band-e-Amir.é vigiado em grande parte por mulheres-polícia. É ou era.
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