Tenho sorte. Tomei café com um bom amigo esta quinta-feira. Ele falou-me de uma conhecida em comum, médica, que cuidou bem do seu pai, fazendo-lhe o elogio adicional: "mas ela não era assim só com o meu pai, era assim com toda a gente!". Este elogio não é frequente. Ser bom médico com o "doente recomendado" fica bem, ser bom médico com todos é o indicado pela profissão abraçada. Conheço a minha médica de família desde muito nova, de recém-saída da faculdade. Cuida muito bem de mim. Sei que cuidará muito bem de toda a sua lista de utentes. E presencialmente se necessário.
Os Cuidados Primários vivem hoje em Portugal uma crise única e que não está em vias de solução. Muito do que vou escrever escrevo-o assumindo que se me enganar serei corrigido.
O grosso do seguimento dos doentes Covid está entregue aos médicos dos Centros de Saúde. A plataforma Trace-Covid obrigará ao contacto diário com os doente Covid bem como com os contactos em isolamento. Hoje há pouco mais de 30000 casos activos, que se adicionarmos os doentes em isolamento, para os aprox 600 Centros de Saúde, implicará aprox. 100 chamadas telefónicas por Centro de Saúde por dia. Nos tempos áureos de Janeiro terão sido 400 ou mais chamadas por dia. Isto e os medos de contágio, os distanciamentos, etc., literalmente fecharam grande parte dos Centros de Saúde aos seus utentes habituais. O contacto com estes passou a fazer-se preferencialmente pelos telemóveis ou pelos mails dos sobrinhos, filhos, netos dos utentes. Já perdi a conta aos meus doentes que me dizem - e não tenho razão para não acreditar - que já não vêem o seu Médico de Família há ano e meio. Sim que estes serviços parecem funcionar as mais das vezes bem e rapidamente, mas o contacto presencial, aquilo para que seis anos de curso e outros de formação pos-graduada andaram a preparar os profissionais, afinal perdeu-se algures no meio da bruma de uma pandemia, pelo menos em grande parte dos Centros de Saúde que conheço.
Os Centros de Saúde não são todos iguais. Existem modos de organização e de articulação com os cuidados hospitalares diferentes e também formas de remuneração diferentes. Isto é confuso. O número de utentes por médico de família subiu se não me engano há uns dez anos, no tempo da troika. Se afinal podemos controlar muitos destes utentes via mail ou telefonema não percebo como nos poderemos opor a uma subida adicional da lista de utentes por médico de Centro de Saúde, ainda mais quando a tutela - nomeadamente o Ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor - tem tão alta opinião sobre o que é preciso para se trabalhar num Centro de Saúde, Médico especialista de Medicina Geral e Familiar ou outra coisa qualquer... ou seja a disseminação do modelo USF tipo B com maiores vencimentos afinal pode-se atrasar, é só fornecer um telemóvel extra e alargar a banda da net e está a coisa resolvida.
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