Os cursos de Medicina são, desde tempos hoje já imemoriais, dos cursos mais difíceis para entrar. Por vergonha não vou dizer com que média entrei em Medicina em 1982. A nota mínima de entrada para FMUP nesse ano foi de dezasseis. Hoje entra-se em Medicina só com médias acima de dezanove. Em 1982 o aluno (uma aluna) com média de entrada mais elevada do país teve dezanove. Recebeu um prémio por isso. Hoje não entrava em Medicina.
O meu curso tinha pouco mais de cem alunos. Foi engrossando um pouco com o passar dos anos, saímos em 1988 praí uns cento e cinquenta. Os cursos agora são muito maiores. O país produz centenas e centenas de Mestres em Medicina (Licenciados era antes de Bolonha) todos os anos. Já vai uns anos que não dou aulas na FMUP. Quando dava ficava espantado com a dimensão das turmas das aulas práticas, que assim de aulas práticas tinham pouco ou nada. Acham que a questão de não abrir mais vagas é mania. Eu digo que é bom senso no que às dimensões das faculdades diz respeito. Agora mais ainda porque com o Covid o acesso aos doentes está muito curto. Voltando aos números, em 33 anos (licenciei-me em 88), inscreveram-se na Ordem mais de 40000 médicos. Eu sou o 32452, estão a increver-se neste ano os 73000 e tal.
Alunos que entram num curso com médias acima de dezanove só podem ser seres excepcionais. Só podem. Sei que alguns deles não pensam assim. Outros pensam. O erro é humano. Uma das razões para se escolher o Curso de Medicina, para além de uma putativa vocação, é a empregabilidade. Mas não uma empregabilidade qualquer.
Uma das aprendizagens que acontece assaz precocemente é a das especialidades a procurar e aquelas que é para evitar. Uma das que uma parte importante dos alunos de Medicina aprende a evitar é Medicina Geral e Familiar. Alguns deles não vão conseguir entrar para especialidade nenhuma e isto é uma coisa nova, uma invenção recente.
Outra coisa que se aprende rapidamente é a pensar que Hospital para lugar de futuro. E a periferia é um lugar a evitar. Definir periferia? Para além de Bragança, Guarda, Beja, pode ser também Setúbal, Santo Tirso, Penafiel. A periferia está ao virar da esquina. A especialidade é feita num lugar onde o médico vai muito provavelmente ficar. Uma especialidade termina-se aos trinta anos ou depois. as contratações extra que aconteceram com o Covid contrariaram um pouco este impulso endogâmico mas não, cada Hospital tenta sempre acabar por contratar no fim da especialidade "os seus". Quem não? Note-se que nem discuti a periferia extra que é o Algarve.
Mas quando se acaba uma especialidade há um outro caminho que agora está criado, e isto assumindo que o caminho tomado já não foi o internato na privada - que os há. O novo caminho, já adivinharam, é a Medicina Privada. E onde se localiza a Medicina Privada? Sobretudo no litoral também, embora a mancha se esteja a estender.
Hoje Portugal tem já dois Serviços de Saúde, o SNS (Serviço Nacional de Saúde) e o SVPS (Serviços Variados Privados de Saúde), cuja distribuição geográfica é mais ou menos similar. E é preciso médicos a preço cada vez mais baixo, digo "competitivo", para bem preencher estes dois S's. O governo compreendeu, o governo está a tentar.
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