terça-feira, 11 de junho de 2024

Anuário Ilustrado do Ciclismo - 1949




A 13 de Março acontecia a 1ª corrida da 2ª edição do Challenge Desgranges Colombo (CDC), a Milano-Sanremo. Coppi arrancou no Capo Berta e ganhou destacado. O pelotão já era internacional, embora com claro predomínio italiano. Magni foi 3º, Bartalia 15º a 6 minutos. Mas o 6º foi o francês Fachleitner, o 8º o belga Sterckx, comparecendo outros belgas de renome, Keteleer, Claes e Schotte. O futuro treinador de Agostinho, De Gribaldy, foi 64º. Bernardo Ruiz foi um de dois espanhóis a completar a prova, terminando em 104º.

A 3/4 Marcel Kint, o Campeão Mundial de 38, conseguiu a sua última grande vitória ao vencer a Gent-Wevelgem num pelotão apenas belga, à frente de André Declercq que 3 semanas antes ganhara a Het Volk.


A 10/4 acontecia a 2ª corrida do CDC, a Volta à Flandres. E, surpresa das surpresas, a vitória pertence a Fiorenzo Magni, ganhando um sprint de uma dúzia e meia de corredores à frente de Valére Ollivier, Briek Schotte, Ernst Sterckx, Raymond Impanis, André Declercq... por esta ordem! Fiorenzo Magni declarou a posteriori que lhe parecia que "tinha nascido para correr a Volta à Flandres".

3 dias depois a Fléche Wallone era ganha por Rik van Steenbergen, com Coppi a ser 3º no sprint. Outra vez tínhamos um pelotão internacional, cortesia do  CDC, e por ex. Louison Bobet foi 9º a 3'. 

A 10/4 aconteceu a Paris-Roubaix. Fausto Coppi voltou a participar e o seu irmão, Serse Coppi, também. Serse era 4 anos mais novo e era seu gregário.  Fausto lançou o seu irmão para lhe oferecer a vitória. Mas um grupo de 3 corredores liderado pelo francês André Mahé, escapou e ultrapassou o grupo de Serse Coppi. Ao chegarem ao velódromo de Roubaix alguém da multidão indicou-lhes o caminho errado para entrarem no velódromo. Sprintaram, Mahé ganhou. Serse Coppi sprinotu no seu grupo a seguir "e também ganhou" e a confusão aconteceu quando a delegação italiana, liderada por Fausto, protestou o resultado. André Mahé ganhara mas tomando um caminho errado. Os franceses contra-apelaram e a UCI apenas decidiu em Novembro que a prova ia ter 2 ganhadores. 

Uma semana depois o francês Maurice Diot vencia a Paris-Bruxelas num pelotão sem italianos. E n o fim de semana a seguir a Liége-Bastogne-Liege, não contando para o CDC, era ganha pelo francês Camille Danguillaume, também num pelotão misto francês e belga.

Maio começou com três provas suiças, o A Travers Lausanne, que mudara de data e o Zurich Metzgete, ambos ganhos por uma nova promessa suiça, Fritz Schar. Depois aconteceu a Volta à Romandia que foi um duelo entre Bartali e Ferdi Kubler, superiorizando-se o italiano ao suiço.

A 14 de Maio nova prova do CDC, o Paris-Tours.. A vitória sorriu ao belga Albert Ramon, a vitória de uma vida. Dois anos depois Ramon seria atropelado numa quermesse ciclísitca e ficaria paraplégico.

A Volta à Bélgica foi ganha por Ernst Sterckx.

Este ano não ia acontecer Vuelta. A primeira das 2 grandes voltas, o Giro começou a 21/5. Para variar o pelotão era quase só italiano, com a excepção de uma dúzia de belgas, suiços e luxemburgueses. Mas italianos eram Coppi e Bartali, era preciso mais? Neste Giro, porém, o vencedor surpresa do ano anterior, Magni, não compareceu - por lesão? - estando a chefia da sua equipa entregue ao trepador Giordano Cottur. 


À 10ª etapa o camisola rosa era Adolfo Leoni, um sprinter e puncheur que ao longo das 19 etapas entre fugas e bónus amealhara 9 minutos de vantagem sobre Coppi e dez sobre Bartali, A etapa 11 englobava o Pordoi e nela Coppi ganhou 7 minutos a Leoni e Bartali. Leoni era primeiro mas com Coppi logo ali, Bartali a 10 minutos em 3º. A etapa 17 era "il tappone", englobando uma visita a França e ao Izoard. Eram 5 montanhas e Coppi passou em 1º em todas e chegou a Pinerolo com 12' de avanço sobre Bartali, 20' de avanço sobre o 3º corredor. Foram 192km de epopeia. Esta é considerada uma das etapas mais espantosas da história do ciclismo e existem romarias de fãs a reinterpretar o percurso. Na rádio ouvia-se a famosa frase. "Um homem sózinho ao comando, o seu maillot é branco e celeste, o seu nome Fausto Coppi!" Com os bónus Coppi colocara Bartali a mais de 23 minutos e Leoni a 27. O contra-relógio a seguir e onde Coppi jogou à defesa serviu para Leoni perder o 3º lugar para Cottur. O Giro de 48 fora vencido por 11 segundos, o de 49 por 23 minutos e 47 segundos..Os 1ªs estrangerios eram Fritz Schär em 14º, e Jean Goldschmit, luxemburguês, em 16º.

Goldschmit obviamente não participou na "sua" volta do Luxemburgo, vencida por Bim Diederich. Dias antes o francês Jacques Moujica, que fôra 3º no Paris-Roubaix e no Paris-Bruxelas, venceu o Bordéus-Paris. Era um corredor basco naturalizado francês e que viria a morrer num acidente de viação em 50. 

O Dauphiné-Liberé começou a 2/6, estando ainda o Giro a acontecer. A vitória sorriu a Lucien Lazarides, o irmão mais velho de Apo. sendo 2ª Robic e 3º Camellini, agora já naturalizado francês.

Aproximava-se o Tour.


Coppi e os irmãos Lazarides no Tour de 49

E o nº 1 iria pertencer à equipa italiana, pela vitória no ano anterior de Bartali. O treinador era Alfredo Binda, o lendário pentacampeão do Giro e tri-Campeão Mundial. E na equipa estava também Fausto Coppi. Fiorenzo Magni aparecia na "2ª equipa" italiana chamada dos "cadetes" embora ele aos 28 anos de cadete já não tivesse nada. Finalmente toda a fina-flor do ciclismo italiano corria o Tour. Quem para os defrontar? Os belgas confiavam em Impanis e Stan Ockers, para além de apresentarem Schotte (o improvável 2º do ano anterior) e Van Steenbergen. A equpa nacional francesa voltava a dar a primazia a Louison Bobet, contando ainda com Guy Lapébie (3º em 48), os irmãos Lazarides e os veteranos Tiesseire e Vietto. Robic após o descalabro em 48 fôra reenviado para uma das 4 equipas regionais. Havia ainda as equipas suiça (com Kubler), luxemburguesa (com Goldschmit, Kirchen e Diederich), neerlandesa (com Lambrichs) e uma equipa espanhola onde constavam Berrendero, Emilio Rodriguez, Langarica e Bernardo Ruiz. Lembro que não tinha havido Vuelta.


Saltemos para a 5ª etapa. Já tinham acontecido os fogos-de-artifício habituais e a amarela estava com um jovem francês de 23 anos, Jacques Marinelli. Ele e Fausto Coppi participam na fuga do dia. Num determinado momento os dois chocam e a bicicleta de Coppi fica em mau estado. Marinelli prossegue e ao fim do dia é ainda mais primeiro com 14' de avnço sobre o 2º. Coppi perde 19' e está a mais de 35' de Marinelli, a mais de 20' de Magni que é 2º na Geral, a 12' de Bartali que é 9º. Coppi acusa Binda de falta de apoio e só noite alta o convencem a não desistir e largar no dia seguinte. A etapa 7 é um contra-relógio plano de 92 km. Coppi é 1º, Kubler 2º, Van Steenbergen 3º. Marinelli mantém a amarela mas Kubler é agora 2ª a 8 minutos. Coppi está a 28'. Numa jogada de antecipação Fiorenzo Magni ganha a etapa 10 acompanhado por Impanis e Fachleitner e ao obter um avanço de 18' salta para a amarela. Era dia de descanso e depois os Pirinéus condensados numa só etapa. No pelotão já não havia espanhóis (Ruiz tinha avisado da sua/deles falta de preparação) nem neerlandeses. E da França Bobet e Lapébie já tinham desistido. Etapa que foi ganha por Robic acompanhado de Lucien Lazarides. Coppi chegou 3º devido a um furo, ganhando 3 minutos a Bartali e muitos mais à restante pandilha. Magni mantinha-se de amarelo mas com companhia próxima dos franceses Fachleitner e Marinelli, Kubler em 4º, 5º e 6º os belgas Dupont e Ockers, 8º e 9º Bartali e Coppi, Robic 10º. Após um dia de descanso parte-se de Cannes para Briançon via Izoard. Era a 1ª etapa dos Alpes. Coppi e Bartali atacam juntos e ganham isolados. Coppi deixa ganhar Bartali que faz 35 anos. Robic chega a 5 minutos, Apo Lazarides a 6', Marinelli a 9', Magni a 12'. Bartali está de amarelo, Coppi, Marinelli e Magni a pouco mais de 1 minuto. Na 2ª etapa alpina atacam juntos outra vez mas Bartali fura e Coppi tem autorização para seguir em frente. São 5 minutos ganhos a Bartali, 10 ao resto dos favoritos. Coppi vestia de amarelo. Os Alpes tinham "destruido" Magni, Fachleitner e Kubler, nomeadamente. A etapa 20 é um contra-relógio monstruoso de 137 km. Coppi ganha 7 minutos a Bartali que faz 2º, 8 minutos a Goldschmit e mais de 10' aos restantes. A etapa seguinte é a 21ª e acontece como uma chegada em pelotão a Paris, coisa oh tão moderna, com vitória de Rik Van Steenbergen. Coppi vencera Giro e Tour no mesmo ano. Bartali tinha sido 2º nas duas corridas. Fizera-se história. Uma palavra para o rapaz de 23 anos que foi 3º, Jacques Marinelli, que fez a corrida de uma vida ao entrar em quase todas as fugas, não se afundar na montanha e defender-se nos contra-relógios. Conseguiu assim ser o melhor francês imediatamente à frente de Robic. 54º e penúltimo encontramos o francês Custódio dos Reis, filho de emigrantes portugueses no Marrocos Francês e que em 46 e 47 correra pelo Sporting na Volta a Portugal. Custódio dos Reis viria a ter a sua maior vitória ganhando uma etapa no Tour de 50.

A Volta à Suíça este ano foi um negócio predominantemente caseiro e a vitória foi para Gottfried Weillenmann.


A 21 de Agosto o Campeonato do Mundo aconteceu em Copenhaga, num circuito predominantemente plano. A vitória sorriu a Rik Van Steenbergen que venceu num sprint a três Ferdi Kubler e Fausto Coppi. Schotte foi 4 a 3 minutos. Coppi foi curiosamente apenas 11º no GP das Nações, a vitória pertencendo a um especialista francês, Charles Coste. Mas Coppi não falhou no seu rendez-vous de final de época, a Lombardia, que venceu isolado após uma fuga de 56 km.

Em Setembro a Volta à Catalunha foi vencida pelo francês Émile Rol. Em 2º ficou o espanhol Miguel Poblet. No top dez constavam também Camellini, Cecchi, Alex Close, portanto um pelotão com valor.


No início de Novembro acontecia nas estradas de Bérgamo o primeiro Troféu Baracchi no formato que o tornaria célebre - 100km de contra-relógio em dupla - uma prova que se tornaria icónica durante décadas. Esta 1a edição em dupla seria ganha por Magni a fazer par com um rapaz de 22 anos incompletos, Adolfo Grosso.

O Challenge Desgranges-Colombo foi obviamente vencido por Fausto Coppi. Era um ano como nunca houvera algo igual. Em 2º ex-aqueo apareciam Bartali e Magni. Mas eu em 2º ligar poria Van Steenbergen, vencedor da Fléche Wallone, de 2 etapas no Tour e Campeão do Mundo.

Fausto Coppi fizera uma época única, marcada pela dupla Giro-Tour, mas como bom italiano fizera questão de ganhar a dupla Milão-Sanremo + Lombardia, a abertura e o fecho da época, fazendo pelo caminho pódios na Fléche Wallone e no Campeonato do Mundo e oferecendo ao irmão Serse um pódio no Paris-Roubaix que também poderia ter sido dele, senão mais. Nunca como neste ano se soube quem era o melhor ciclista do mundo, o Campioníssimo era Fausto Coppi.

terça-feira, 4 de junho de 2024

Anuário Ilustrado do Ciclismo - 1948.


A 14 de Março aconteceu a Het Volk e com uma novidade interessante: Fausto Coppi veio correr a Het Volk. E ganhou-a. Mas não. Para ganhar a prova recebeu uma roda para trocar duas vezes, uma delas dum não companheiro de equipa. Venceu um sprint num grupo reduzido mas pela troca foi despromovido para 2º. "A minha corrida mais difícil de sempre", disse. O vencedor afinal, Sylvain Grysolle, já tinha vencido no tempo da guerra uma Volta a Flandres e uma Flche Wallone. Mas ficou mais conhecido para a história por este episódio. Adiante.

Em 1948 quatro jornais desportivos criaram o Challenge Desgrange-Colombo (CDC), uma competição que agregava as melhores provas do ano segundo pontuações diferentes para decidir no fim do ano qual tinha sido o melhor ciclista. Isto era um antepassado dos rankings actuais da UCI. Desgranges vinha do criador do Tour, Colombo do criador do Giro. A Milano Sanremo ia ser a primeira prova do CDC, mais um incentivo para a integração das provas ciclistas na Europa ocidental. Mas o Het Volk  não constava na lista. Já agora a lista: Milâo-Sanremo, Paris-Roubaix, Paris-Bruxelas, Volta à Flandres, Flecha Valónia (isto de aportuguesar...), Paris-Tours, Volta à Itália, Volta à França, Volta à Lombardia. De notar a não adição da Liége-Bastogne-Liége.   

E a Milano-Sanremo a 19/3 acontece como previsto, Coppi estava isolado com mais 3 fugitivos e a 45km da chegada no Capo Mele arrancou para chegar a Sanremo com 5' de avanço. Graças ao CDC tivemos alguns franceses, o 1º em 9º lugar, belgas, o 1º o veterano Marcel Kint em 15º, suiços e até um espanhol na lista de chegada!


A 2ª prova do CDC era a Paris-Roubaix. Ganhou-a Rik van Steenbergen num sprint a dois com o francês Emile Idée. Vamos falar um pouco de Rik van Steenbergen, que na década seguinte iria ser conhecido como Rik I, para contrapor a Rik van Looy. Van Steenbergen mal correra estrada em 47 mas fizera inúmeros cirtérios. Rik van Steenbergen era um excelente corredor e uma máquina de ganhar dinheiro. E era na pista e nos critérios que se ganhava dinheiro. As corridas serviam para dar nome, ganhar cartaz. Portanto assim se pode analizar a carreira de van Steenbergen. Ele nunca correu muita estrada por ano, tinha mais que fazer, mas estrategicamente escolhia algumas provas para as ganhar e o seu nome continuar na ribalta. Foi assim até ao fim dos anos 50, sem falhar. Esta vitória no Paris-Roubaix não tinha nada a ver com o recém inventado CDC. Era para garantir mais contratos. Voltaremos portanto a falar dele mas efectivamente só de vez em quando.

A Paris-Bruxelas, apesar de ter sido incluida no CDC, chamou um pelotão sobretudo belga e foi ganha ao sprint num grupo numeroso por Lode Poels, Albert Sercu 2º. Idem a Volta à Flandres, vencida ao sprint num grupo reduzido por Briek Schotte, a correr melhor do que em 47. Já a Fléche Wallonne ganhou-a Fermo Camellini, a meses de se naturalizar francês, com 3' de avanço sobre Briek Schotte. Nestas 3 provas do CDC não era ainda muito visível uma grande internacionalização do pelotão que comparecia à partida.

 A 5/4 aconteceram duas provas, a Paris Tours e a Zurich Metzgete. A Paris Tours contava para o CDC e teve um pelotão bastante variado. Venceu Louis Caput, a sua maior vitória, sprintando num pequeno grupo. Briek Schotte foi 7ª à frente do 1º pelotão. Louis Caput, "P'tit Louis" era um ciclista francês muito querido no pelotão e iria trabalhar em 1969 com Jean de Gribaldy na Frimatic, a equipa de Agostinho. Em 1970 passou como director para a Mercier, a equipa de Poulidor, e foi o director desportivo de Poulidor até à sua retirada da competição em 77. A Zurich foi ganha por Gino Bartali contra uma chusma de corredores suiços, num sprint (!) em grupo alargado.

Louis Caput foi 3º no início de Maio na Liége-Bastogne-Liége, o vencedor um desconhecido Maurice Mollin. 

A 6 de Maio começou a 2ª Volta à Romandia. A estrela local Ferdi Kubler dominou a prova, vencendo a 1ª e a 3ª etapas. No pódio dois competentes luxemburgueses, Goldschmit e Mathias Clemens. O italiano Bresci foi 4º, o espanhoL Bernardo Ruiz foi 11º. A ele voltaremos.

A Gent-Wevelgem de 9/5 teve como vencedor um "Flandrien" de 2ª linha Valére Ollivier.

A 15 de Maio começou o Giro de Italia. Giordano Cottur ganhou a camisola rosa após uma fuga na 1ª etapa. Bartali e Coppi estavam confortáveis a 7' à espera das batalhas nas montanhas até que na 9ª etapa para Nápoles um grupo de escapados ganhou 13' ao pelotão. Neles constava Fiorenzo Magni. A camisola rosa tinha rodado para outro escapado, Vito Ortelli, mas o verdadeiro perigo era Magni ou Ezio Cecchi, um veterano de 35 anos que já fôra 2º em 1938.

Paremos um pouco para falar sobre Fiorenzo Magni. Um ano mais novo do que Coppi, 6 do que Bartali, em 1940 ainda não era ciclista federado. Coemçou a correr durante a guerra mas em 1943 foi mobilizado para servir nos corpos de guarda fascistas e viu-se envolvido, provavelmente sem nenhuma parte activa, numa confrontação em 1944 perto da sua terra natal, onde vários resistentes anti-fascistas foram mortos no momento e depois de presos, torturados e assassinados. Magni nunca foi completamente ilibado deste evento e nunca se pronunciou sobre o sucedido. Em 1946 esteve impedido de correr pelo processo judicial que corria e que só desapareceu com a Amnistia Togliatti que aconteceu para tentar uma reconciliação do país. Magni já correu portanto em 1947 e em 47 já fizera um top10 no Giro e um 4ª lugar no Mundial, o melhor italiano.

Magni consegue a rosa na etapa 14, só porque Ortelli se atrasa do pelotão sem mais. Cecchi ataca na etapa 15 e ultrapassa Magni. As etapas 16 e 17 são as clássicas etapas dos Alpes e Coppi venceu as duas mas sem ganhar o tempo necessário para ultrapassar Magni. Cecchi sofrera um furo e queda na etapa 17 e agora, ao iniciar a penúltima etapa estava atrás de Magni 11 segundos, Coppi, 1'20''. Coppi não partiu para a penúltima etapa e retirou a sua equipa de prova, alegando favorecimento de Magni pela organização e pelo público, que o teria "empurrado" encosta acima na última subida. Verdade ou não, Magni vencia o seu primeiro Giro de Itália e com a mais pequena diferença de sempre sobre o 2º classificado que 10 anos depois repetia o posto, Ezio Cecchi.

Coincidindo com o Giro foram acontecen do várias corridas por etapas. A Volta à Bélgica foi ganha porr Stan Ocker, o 2ª Dauphiné Liberé deu a vitória a Fachleitner, o francês que fora 2º no Tour de 47, sendo Jean Robic 3º,  a Volta ao Luxemburgo ficou entregue a um homem da casa, Goldschmit. 

A 12 de Junho começou a Volta à Suiça. Esta era a prova por etapas com o pelotão mais internacional nestes anos de reinício.  Foi dominada por Ferdi Kubler, suiço, em 2ª aparecia o italiano Giulio Bresci, em 4º o francês Robic, em 5º o luxemburguês Jean Kirchen. Não sei porquê uma mão-cheia de belgas de qualidade não parece ter chegado ao fim. E não havia espanhóis.

Não havia espanhóis porque a 13 de Junho começara a Volta à Espanha. 

A Vuelta foi ganha por Bernardo Ruiz, um corredor de 23 anos que já tinha no seu palmarés a Volta ã Catalunha  de 3 anos antes. Venceu nas montanhas bascas onde se superiorizou a Dalmácio Langarica. O pelotão era pequeno, 54 corredores, com alguns estrangeiros de 3ª apanha. A Volta a Portugal de 48 teve um pelotão maior... Mas Bernardo Ruiz era um nome a reter.

Ainda com a Vuelta a acontecer começava o Tour de France.  O Tour assegurara a sua primazia como a corrida das corridas ao se basear em equipas nacionais, cuja presença tinha sido "incompleta" em 1947. Em 48 já tínhamos à linha de partida o melhor para corridas de 3 semanas, eg. o Tour. Ou quase. Nos italianos a dúvida sobre a presença de Coppi resolvera-se com a sua suspensão pela Federação Italiana após a desistência do Giro. Bartali tinha o caminho aberto. Mas a equipa de apoio era surpreendentemente anónima. O vencedor do Giro, Magni, para não ir mais longe, não constava da lista de partida. A Itália mesmo assim merecera uma 2ª equipa de corredores mais novos, ditos "cadetes", também sem grandes nomes. Nesta equipa aparecia um Mario Fazio que em 1950 seria 2º na Volta a Portugal, se não me engano, a correr pelo Sporting. Nos franceses as estrelas eram as mesmas, Robic, Fachleitner, Teisseire, Lazarides, Vietto. Mas dava-se especial atenção a um rapaz de 23 anos chamado Louison Bobet. Nos belgas, não muito dados a estas corridas compridas, era de notar o jovem Impanis, que fôra 10º em 47 e ganhara o famoso contra-relógio, Norbert Callens, Stan Ockers, o vencedor da Vuelta de 47 Van Dijck, e, atenção, Briek Schotte. Para além de 5 equipas francesas regionais ainda tinhamos uma equipa neerlando-luxemburguesa, onde o único nome de jeito era Jean Kirchen, e uma última dita de "internacionais" onde entravam dois suiços, os irmãos Aeschlimann, e os franco-italianos Brambilla e Camellini. Comentava-se a ausência do melhor suiço, Kubler. Mas ninguém perguntava por espanhóis e menos ainda por portugueses, que nunca tinham posto o pé no Tour. o Alves Barbosa ainda só tinha 17 aninhos.

Bartali ganhou a 1ª etapa ao sprint num grupo de 12 escapados, à frente (!) de Briek Schotte. Era dele a 1ª camisola amarela. Mas as 5 etapas seguintes, corridas pelo norte e oeste de França em direcção aos Pirinéus não lhe correram de feição, e ao fim da 6ª etapa que terminara em Biarritz, Bartali estava a 20 minutos daquele que melhor se tinha safado neste poker de etapas, o tal Louison Bobet.  Na etapa do Aubisque que terminava em Lourdes, Bartali, Bobet e Robic terminaram juntos. Na etapa do Tourmalet, do Aspin e do Peyresourde, também terminnou toda a gente que importavem grupo - o final em Toulouse permitiu o reagrupamento. Bartali era 8º a 18 minutos pelos bónus de ter vencido as duas etapas mais algumas passagens em primeiro nas montanhas que então também davam bónus de tempo. Bobet deu sinais de fraqueza na 10ª etapa mas na 12ª que terminava em Cannes ganhou e passou a ter 21' de vantagem sobre Bartali. O 2ª na classificação era o belga Lambrechts - que corria pelos "internacionais" - e o 3º era Impanis, de 23 anos como Bobet. Bartali estava 7º a 21 minutos. A etapa 13 terminava em Briançon e continha o Izoard.


Antes houve um dia de descanso e a tentativa de assassinato do dirigente comunista Togliatti em Itália. Itália estava "em chamas". O Presidente De Gasperi telefonou a Bartali e perguntou-lhe, ao homem que dali a três dias fazia 34 anos e só fôra 8º no Giro, se achava que podia ganhar o Tour. Bartali respondeu que não sabia, mas que se sentia bem e ia tentar ganhar a etapa. O Presidente agradeceu-lhe, pois o país inteiro estava a precisar de uma boa notícia. No Procyclingstats a elevação vertical desta etapa, de 274 km, está estimada em 7000m. Hoje não há etapas assim: uma etapa no Tour com uma elevação vertical acima de 5000m será com certeza a etapa-rainha. Mais a chuva e o mau tempo, que decidiram comparecer. Vietto e Robic atacaram cedo, Bartali lentamente fez a sua corrida. Ao entrar para o Izoard já ia sózinho em primeiro. No cimo levava mais de 8' de avanço sobre... Briek Schotte! Desceu cautelosamente até Briançon e ganhou, e a Itália parou para ouvir a notícia. Bobet perdera 17', Robic 27! Com os vários bónus coleccionados pelo caminho Bartali ficara só a um minuto do francês, 11 anos mais novo, que saira da meta em maca. A etapa 14 continha o Lautaret, o Galibier e o Portet. Em Julho os ciclistas apanham neve. Bobet consegue seguir Bartali até ao início do Col de Portet onde avaria. Bartali chega a Aix-les-Bains outra vez isolado, o 2º, Stan Ockers a mais de 5 minutos, Bobet, em lágrimas, a sete, chegando Briek Schotte com o francês. Bartali era o novo camisola amarela, com oito minutos de avanço. Novo descanso. A 3ª etapa alpina, com chegada a Lausanne, seria no seu aniversário. Bartali voltou a vencer isolado, Schotte perdeu 1'40, Bobet mais de 4 minutos. Mas o descalabro ocorreu na etapa a seguir, para Mulhouse. A equipa belga destruiu os franceses, retirando o 2º lugar a Bobet e oferecendo-o a Schotte. Bartali só teve que acompanhar os belgas. A desunião francesa  permitira até que Teissere ultrapassasse Bobet na geral. Aconteceu depois um contra-relógio que os 34 anos e talvez o muito cuidado fizeram Bartali perder 11'. mas o Tour era dele. E sete etapas, sete. Em Itália falava-se de um milagre, o país unido por um feito desportivo, e que feito. Schotte, o 2ª da classificação geral, niunca mais correu o Tour com esse objectivo. Para encontrar algo parecido, lembro Julian Alaphilippe, 5º no Tour de 2019.


A 22 de Agosto Briek Schotte sagrava-se Campeão do Mundo batendo ao sprint Apo Lazarides, o 3º lugar também para um francês, Teisseire. Coppi e Bartali desistiram, Bobet e Robic não participaram. A prova desenrolara-se em Valkemburg e obrigara os ciclistas a subir o Cauberg 26 vezes, algo parecido aos campeonatos de 38. Para comparação, hoje em dia a Amstel Gold Race sobe o Cauberg duas vezes apenas.

Entretanto na Catalunha Emilio Rodriguez arrebatava a Volta aos italianos Bresci e Cecchi. Nas provas de fim de ano René Berton ganhou o GP das Nações - sem Coppi. Robic venceu o A Travers Lausanne. A 24 de Outubro a Volta a Lombardia é dominada uma vez mais por Coppi, numa fuga de 84km. Bobet reapareceu e chegou 6' depois, Schotte compareceu e chegou ao fim com 8 minutos de atraso.

O ano era de Bartali e Schotte, este aliás o 1º vencedor do Challenge Desgranges-Colombo. Coppi vencera Milano-Sanremo e a Lombardia, Magni o Giro. 

Anuário Ilustrado do Ciclismo - 1947.

 



1947 começou ainda com o pelotão muito dividido.

A 19/3 acontecia uma Milão-Sanremo quase exclusivamente italiana. Bartali faz uma corrida à Coppi, ganhando isolado com mais de 4 minutos de vantagem. Coppi desistira por uma conjuntivite. O 1º não italiano foi o belga Albert Sercu e foi 9º, pai do sprinter Patrick Sercu, parceiro de Eddy Merckx na pista. Albert Sercu venceria a exclusivamente belga Het Volk 4 dias depois.

Uma semana depois a Gent-Wevelgem foi ganha por Maurice Desimpelaere, um "Flandrien" que fizera 2ª no ano anterior e que já ganhara um Paris-Roubaix durante a guerra- Como curiosidade Gino Bartali correu esta corrida e terminou 9º. A "estrela" Briek Schotte foi 11º (fôra 10º na Het Volk).

No dimngo a seguir George Claes repetia a vitória na Paris-Roubaix num sprint a 3 onde o 3º era o francês Louis Thiétard. Houve também italianos a correr, Olimpio Bizzi foi 6ª,  Briek Schotte 5º.

A 13/4 Ernst Sterckx vencia num sprint a 5 a Paris-Bruxelas, à frente de Desimpelaere (igual a Gent de 46). Nos 5 primeiros que sprintaram estavam 3 belgas, 1 francês e 1 italiano. Schotte foi 6º Menos pernas em 47?

A 20/4 a Liege-Bastogne-Liege é ganha por ainda outro "Flandrien", Richard Depoorter, num pelotão quase só de belgas, repetindo uma vitória que já tinha acontecido durante a guerra.

Uma semana depois Emiel Faignaert vencia uma Volta a Flandres quase só disputada entre belgas. Briek Schotte desistiu.

a 4/05 finalmente Briek Schotte ia conseguir a sua vitória, ao ganhar ao sprint num grupo de 15 elementos,  franceses e belgas, o Paris-Tours. Repetia a vitória do ano anterior mas desta vez ao sprint, não isolado. No mesmo dia aconteceu a Zurich Metzgete, desta vez com menos excitação, foi vencida por Charles Guyot, Jr, suiço. Coppi participou sem história, de Bartali não reza a história. Mencionar Ferdi Kubler, o 3º lugar, um suiço que daria que falar, e um espanhol de 19 anos, Miguel Poblet, que foi 14º. 


Terminada a época das clássicas e porque não houvera Paris-Nice, a Volta a Espanha foi a primeira corrida por etapas a acontecer, começando a 12 de Maio. Aconteceu sem participação portuguesa e só com 12 ciclistas estrangeiros no pelotão. Mas foi um estrangeiro, um belga, que venceu, Edward van Dijck. Berrendero já tinha 35 anos. O vencedor de 46, Langarica, não participou. E a organização ofereceu ao anónimo corredor belga dois contra-relógios dois onde ele ganhou 12 minutos ao espanhol Manuel Costa, trepador emérito, que ficou em 2º.   Nestes recuados tempos de pós-Guerra Civil as montanhas espanholas a sério deviam ser intransitáveis pelo que as dificuldades montanhosas não eram muitas e resumiam-se à região de Madrid e ao País Basco.

3 dias depois de começar a Vuelta começava na região francesa da Suiça a 1ª edição do Tour de Romandie que se tornaria com tempo outra prova por etapas de referência. Nesta 1ª edição só com 4 etapas o belga Keteleer que ganhara a Fleche Wallone o ano passado superiorizou-se a Gino Bartali e ao suiço Ferdi Kubler. Bartali foi o primeiro campeão de corridas de três semanas a dar importância a estas corridas de etapas mais curtas. Coppi não.

A 24 de Maio começava o Giro, mais um Giro sem contra-relógio. Seria a desforra de Fausto Coppi? Na 2ª etapa para Génova numa passsagem pelos Apeninos Bartali atacou com um colega de equipa e ganhou 2' 41''. A partir daí Bartali e Coppi seriam a sombra um do outro, até à 16ª etapa. Habitualmente no Giro destaca-se sempre uma etapa como a mais difícil, com várias montanhas, etc., chamada "il tappone". Este ano era a 16. Na última subida, o Pordoi, 9 km a 7% até aos 2240m de altitude, Coppi isolou-se e ganhou mais de 4 minutos até à meta. O Giro estava ganho. Coppi vencera Bartali na alta montanha.


Deixo para outros textos descrever o que foi a rivalidade Coppi-Bartali, a maior de sempre na modalidade. Eram também duas Itálias que se defrontavam através destes dois ciclistas, uma rural e demo-cristã, a outra urbana e progressista.

A "última" das clássicas antes do intervalo do verão, a Fléche Wallone, foi ganha por Sterckx que cortou a meta isolado, Desimpelaere 2º a 1'20''. Sterckx fôra o vencedor da época das clássicas ao ser o único a repetir a vitória nas corridas "que contavam".

Uma semana depois, a 12 de Junho começava a 1ª edição do Critérium do  Dauphiné Liberé, prova organizada pelo jornal do mesmo nome sediado em Grenoble, a capital da antiga região do Dauphiné/Delfinado. Quem diz Grenoble diz junto aos Alpes, portanto esta corrida metia montanha e a sua localização em Junho promoveu-a a seu tempo a corrida pré-Tour nº 1. Desta vez porém foi ganha pelo apenas interessante polaco emigrado em França Edouard Klabinski.

E a 25 de Junho começou a Volta França, após sete anos de intervalo. Em Itália tinham corrido os vencedores dos três últimos Tours, Sylvére Maes, belga que vencera em 37 e 39 (terminou o Giro aos 37 anos de idade em 5º lugar) e Gino Bartali que ganhara memoravelmente o Tour de 38 para a História. Nenhum destes estaria presente à partida deste Tour. A Volta à França desde os anos 30 admitia apenas equipas nacionais, não de marca, como o Giro. E equipas nacionais havia a francesa, a belga, a italiana,  a neerlandesa e uma mista helvetico-luxemburguesa. E mais cinco equipas regionais francesas. A equipa italiana era composta de 2ªs escolhas ao não conter nem Coppi nem Bartali.

Há heróis e heróis. O ciclismo produziu muitos heróis com história todas únicas, nem sempre ganhadoras. Falemos de René Vietto, a cabeça de cartaz de França neste ano de 47, e recuemos até 1934. No Tour de 34 Vietto tinha 20 anos e era gregário de Antonin Magne, astro francês e leader da equipa. Vietto mostrou-se o melhor trepador do Tour nesse ano mas na etapa 15 teve que ceder uma roda ao seu líder e na etapa 16 toda uma bicicleta, depois de voltar a subir uma montanha que já tinha descido, para safar Magne. Vietto  só voltou a estar em grande nível no Tour de 39 mas aqui o belga Sylvere Maes bateu-o onde menos se esperava, nas montanhas. Passada a guerra e admitida uma equipa italiana só com 2ªs escolhas esperava-se que agora com 34 anos René Vietto conseguisse finalmente ganhar o "seu" Tour. 

O Tour dos anos 30, 40 e 50 ainda não era bem o Tour que depois já nos tempos de Merckx e a partir daí nos habituámos a conhecer. O sprint em pelotão compacto era uma raridade suficientemente escassa para não ser um projecto de vida para nenhum corredor ou equipa. A dureza das etapas e os muitos imponderáveis - furos, acidentes, rodas partidas, etc - acrescentavam aleatoriedade à corrida, e era muito frequente em ataques planeados ou improvisados, numa etapa entendida como pouco importante, panhar ou perder valiosos minutos. Um ciclista tinha que ser antes do mais um excelente rolador e um estratega da estrada. Claro que havia na mesma as montanhas, sempre os Pirinéus e os Alpes e outras mais, mas as etapas raramente acabavam em alto, ou seja às vezes saber descer era até mais importante do que saber subir.

Posto isto, na 2ª etapa que terminava em Bruxelas Vietto entra numa fuga com 2 belgas, depois consegue despachá-los e ganha 8 minutos ao pelotão principal. Avançou assim de amarelo René Vietto para os Alpes, com uma rotunda vantagem sobre a concorrência, exceptuando o italiano Aldo Ronconi que na 3ª etapa o imitara escapando. Nos Alpes a prestação de Vietto foi de menos a mais, eram 3 etapas, Vietto ganhou a 3ª, que incluia o Izoard. Mas logo a seguir, na descida para Nice numa etapa com algumas dificuldade, perdeu tempo para alguma gente. À porta dos Pirinéus Vietto tinha 3 italianos, Camellini, Pierre Brambilla e Ronconi a 2-3 minutos de distância. Os Pirinéus consistiram em 2 etapas em que Vietto manteve a liderança. Camellini perdeu tempo, Brambilla ganhou um minuto, Ronconi ficou onde estava. Na 2ª etapa um francês que dava pelo nome de Jean Robic venceu com 10' de avanço sobre os favoritos e estava agora apenas a 8' de Vietto. Aparece escrito em alguns lados que por estas alturas Vietto estaria com uma infecção grave num dedo do pé que, aliás, depois acabaria amputado. Conseguiria aguentar? Após um dia de descanso aconteceu o contra-relógio mais comprido da história do Tour, 139 km! A vitória sorriu a Raymond Impanis, uma nova estrela belga. Vietto perdeu mais de 15' para o primeiro e perdeu a amarela para o italiano Brambilla. Na classificação geral este liderava com 1' de vantagem sobre o colega de equipa Ronconi, 3' de vantagem sobre o 2ª do contra-relógio, Jean Robic, Vietto em 4º a 5 minutos. E assim chegávamos à última etapa.

Pierre Brambilla era um ciclista italiano nascido na Suiça francesa e cuja carreira se fez toda em França. Aliás, adquiriu a nacionalidade francesa em 49. Mas aqui ele era da equipa italiana, era italiano. Jean Robic era pouco conhecido embora já tivesse sido campeão francês de ciclocross. Fracturara o crânio no Paris-Roubaix em 44 e desde então usava sempre uma protecção de couro, daí ser conhecido por "tête-de-cuir". Neste Tour já ganhara três etapas. A última etapa deste Tour viria a ser a mais disputada de sempre. E Pierre Brambilla perdeu o Tour para Robic. Como aconteceu? A meio da etapa já vários corredores se tinham escapado. Robic ataca e com ele vai outro francês, Fachleitner, Brambilla tenta acompanhar mas não consegue. O pelotão decide não ajudar o italiano. Fachleitner tenta sacudir Robic das suas costas sem resultado. Aí este diz-lhe: "- Ajuda-me a ganhar o Tour, assim tu acabas 2º e dou-te 100000 francos". Assim foi. Da fuga descaiu Lucien Teisséire para ajudar. No final Brambilla perdera 13' para Robic e o Tour. Robic representava a equipa regional França-Oeste e pagou pessoalmente 100000 francos à equipa nacional francesa onde corria Fachleitner, como era devido. Corre a lenda que Vietto nunca perdoou a Fachleitner ter-se vendido por tão pouco, ainda por cima para dividir por dez.  Por curiosidade esta última etapa que terminou em Paris foi ganha por... Briek Schotte. Diz-se que por raiva Brambilla no dia a seguir ao fim do Tour enterrou a sua bicicleta no quintal. Mas depois foi desenterrá-la. De que ia viver?


Os Campeonatos do Mundo aconteceram cedo a 3/8 num circuito automobilístico perto de Reims, na França, portanto para roladores puros. Terminaram apenas 7 dos inscritos, a vitória cabendo ao neerlandês Theo Middelkamp, ao fim de 7 horas e meia de corrida, num ataque na última volta. Middelkamp já fora bronze em 1936 e viria a ser 2ª em 50, fazendo de alguma forma "disto" uma especialidade, sem outros resultados de monta. O 2º foi Albert Sercu. Desistiram Coppi, Kubler, van Steenbergen, etc., etc.

A 16/8 arrancava a Volta à Suiça com Bartali e Coppi na linha de partida. A corrida não teve muita história. Na primeira etapa de montanha Bartali ganhou isolado com 10' de avanço sobre o resto do pessoal.  Coppi correu apenas quanto baste. Não consigo perceber se os dois correram dentro de uma equipa nacional ou em equipas de marca. Num contra-relógio entre Lausanne e Genéve de 60 km Coppi recuperou 6'. No fim o pódio era completado pelo italiano Bresci (o 3º no Giro) e o belga Stan Ockers, um homem de que iremos falar bastante para os anos que vêem. Coopi foi 5º. Coppi não tem uma vitória numa corrida de 1 semana.




Em Setembro Coppi voltou a viajar até França para ganhar o GP des Nations contra uma data de franceses (e um italiano, Magni, que foi 3º) e também voltou à Suiça para vencer o A Travers Lausanne. Em Outubro acabou o ano limpando outra vez a Lombardia com 5' de avanço sobre Bartali (3 semanas antes no Giro del Emilia tinham sido 10' de avanço, na semana anterior no Giro del Veneto 8' de avanço... Coppi ganhava assim).



Em Setembro acontecera a Volta à Catalunha só com espanhóis e meia dúzia de suiços para compor o ramalhete, vencida por Emilio Rodriguez, um de 4 irmão ciclistas nascidos em Ponteareas, Galiza, e que frequentemente vieram correr a Volta a Portugal, julgo que contratados pelo Sangalhos, para ganhar um extra.

Balanço do ano? Coppi levara a melhor sobre Bartali no Giro, no Tour surgira do nada uma vitória do francês Robic, num pelotão internacional incompleto. A temporada de clássicas fora muito dividida mas o mais ganhador fôra Ernst Sterckx.