terça-feira, 11 de junho de 2024

Anuário Ilustrado do Ciclismo - 1949




A 13 de Março acontecia a 1ª corrida da 2ª edição do Challenge Desgranges Colombo (CDC), a Milano-Sanremo. Coppi arrancou no Capo Berta e ganhou destacado. O pelotão já era internacional, embora com claro predomínio italiano. Magni foi 3º, Bartalia 15º a 6 minutos. Mas o 6º foi o francês Fachleitner, o 8º o belga Sterckx, comparecendo outros belgas de renome, Keteleer, Claes e Schotte. O futuro treinador de Agostinho, De Gribaldy, foi 64º. Bernardo Ruiz foi um de dois espanhóis a completar a prova, terminando em 104º.

A 3/4 Marcel Kint, o Campeão Mundial de 38, conseguiu a sua última grande vitória ao vencer a Gent-Wevelgem num pelotão apenas belga, à frente de André Declercq que 3 semanas antes ganhara a Het Volk.


A 10/4 acontecia a 2ª corrida do CDC, a Volta à Flandres. E, surpresa das surpresas, a vitória pertence a Fiorenzo Magni, ganhando um sprint de uma dúzia e meia de corredores à frente de Valére Ollivier, Briek Schotte, Ernst Sterckx, Raymond Impanis, André Declercq... por esta ordem! Fiorenzo Magni declarou a posteriori que lhe parecia que "tinha nascido para correr a Volta à Flandres".

3 dias depois a Fléche Wallone era ganha por Rik van Steenbergen, com Coppi a ser 3º no sprint. Outra vez tínhamos um pelotão internacional, cortesia do  CDC, e por ex. Louison Bobet foi 9º a 3'. 

A 10/4 aconteceu a Paris-Roubaix. Fausto Coppi voltou a participar e o seu irmão, Serse Coppi, também. Serse era 4 anos mais novo e era seu gregário.  Fausto lançou o seu irmão para lhe oferecer a vitória. Mas um grupo de 3 corredores liderado pelo francês André Mahé, escapou e ultrapassou o grupo de Serse Coppi. Ao chegarem ao velódromo de Roubaix alguém da multidão indicou-lhes o caminho errado para entrarem no velódromo. Sprintaram, Mahé ganhou. Serse Coppi sprintou no seu grupo a seguir "e também ganhou" e a confusão aconteceu quando a delegação italiana, liderada por Fausto, protestou o resultado. André Mahé ganhara mas tomando um caminho errado. Os franceses contra-apelaram e a UCI apenas decidiu em Novembro que a prova ia ter 2 ganhadores. 

Uma semana depois o francês Maurice Diot vencia a Paris-Bruxelas num pelotão sem italianos. E n o fim de semana a seguir a Liége-Bastogne-Liege, não contando para o CDC, era ganha pelo francês Camille Danguillaume, também num pelotão misto francês e belga.

Maio começou com três provas suiças, o A Travers Lausanne, que mudara de data e o Zurich Metzgete, ambos ganhos por uma nova promessa suiça, Fritz Schar. Depois aconteceu a Volta à Romandia que foi um duelo entre Bartali e Ferdi Kubler, superiorizando-se o italiano ao suiço.

A 14 de Maio nova prova do CDC, o Paris-Tours.. A vitória sorriu ao belga Albert Ramon, a vitória de uma vida. Dois anos depois Ramon seria atropelado numa quermesse ciclísta e ficaria paraplégico.

A Volta à Bélgica foi ganha por Ernst Sterckx.

Este ano não ia acontecer Vuelta. A primeira das 2 grandes voltas, o Giro começou a 21/5. Para variar o pelotão era quase só italiano, com a excepção de uma dúzia de belgas, suiços e luxemburgueses. Mas italianos eram Coppi e Bartali, era preciso mais? Neste Giro, porém, o vencedor surpresa do ano anterior, Magni, não compareceu - por lesão? - estando a chefia da sua equipa entregue ao trepador Giordano Cottur. 


À 10ª etapa o camisola rosa era Adolfo Leoni, um sprinter e puncheur que ao longo das 19 etapas entre fugas e bónus amealhara 9 minutos de vantagem sobre Coppi e dez sobre Bartali, A etapa 11 englobava o Pordoi e nela Coppi ganhou 7 minutos a Leoni e Bartali. Leoni era primeiro mas com Coppi logo ali, Bartali a 10 minutos em 3º. A etapa 17 era "il tappone", englobando uma visita a França e ao Izoard. Eram 5 montanhas e Coppi passou em 1º em todas e chegou a Pinerolo com 12' de avanço sobre Bartali, 20' de avanço sobre o 3º corredor. Foram 192km de epopeia. Esta é considerada uma das etapas mais espantosas da história do ciclismo e existem romarias de fãs a reinterpretar o percurso. Na rádio ouvia-se a famosa frase. "Um homem sózinho ao comando, o seu maillot é branco e celeste, o seu nome Fausto Coppi!" Com os bónus Coppi colocara Bartali a mais de 23 minutos e Leoni a 27. O contra-relógio a seguir e onde Coppi jogou à defesa serviu para Leoni perder o 3º lugar para Cottur. O Giro de 48 fora vencido por 11 segundos, o de 49 por 23 minutos e 47 segundos..Os 1ªs estrangerios eram Fritz Schär em 14º, e Jean Goldschmit, luxemburguês, em 16º.

Goldschmit obviamente não participou na "sua" volta do Luxemburgo, vencida por Bim Diederich. Dias antes o francês Jacques Moujica, que fôra 3º no Paris-Roubaix e no Paris-Bruxelas, venceu o Bordéus-Paris. Era um corredor basco naturalizado francês e que viria a morrer num acidente de viação em 50. 

O Dauphiné-Liberé começou a 2/6, estando ainda o Giro a acontecer. A vitória sorriu a Lucien Lazarides, o irmão mais velho de Apo. sendo 2ª Robic e 3º Camellini, agora já naturalizado francês.

Aproximava-se o Tour.


Coppi e os irmãos Lazarides no Tour de 49

E o nº 1 iria pertencer à equipa italiana, pela vitória no ano anterior de Bartali. O treinador era Alfredo Binda, o lendário pentacampeão do Giro e tri-Campeão Mundial. E na equipa estava também Fausto Coppi. Fiorenzo Magni aparecia na "2ª equipa" italiana chamada dos "cadetes" embora ele aos 28 anos de cadete já não tivesse nada. Finalmente toda a fina-flor do ciclismo italiano corria o Tour. Quem para os defrontar? Os belgas confiavam em Impanis e Stan Ockers, para além de apresentarem Schotte (o improvável 2º do ano anterior) e Van Steenbergen. A equpa nacional francesa voltava a dar a primazia a Louison Bobet, contando ainda com Guy Lapébie (3º em 48), os irmãos Lazarides e os veteranos Tiesseire e Vietto. Robic após o descalabro em 48 fôra reenviado para uma das 4 equipas regionais. Havia ainda as equipas suiça (com Kubler), luxemburguesa (com Goldschmit, Kirchen e Diederich), neerlandesa (com Lambrichs) e uma equipa espanhola onde constavam Berrendero, Emilio Rodriguez, Langarica e Bernardo Ruiz. Lembro que não tinha havido Vuelta.


Saltemos para a 5ª etapa. Já tinham acontecido os fogos-de-artifício habituais e a amarela estava com um jovem francês de 23 anos, Jacques Marinelli. Ele e Fausto Coppi participam na fuga do dia. Num determinado momento os dois chocam e a bicicleta de Coppi fica em mau estado. Marinelli prossegue e ao fim do dia é ainda mais primeiro com 14' de avnço sobre o 2º. Coppi perde 19' e está a mais de 35' de Marinelli, a mais de 20' de Magni que é 2º na Geral, a 12' de Bartali que é 9º. Coppi acusa Binda de falta de apoio e só noite alta o convencem a não desistir e largar no dia seguinte. A etapa 7 é um contra-relógio plano de 92 km. Coppi é 1º, Kubler 2º, Van Steenbergen 3º. Marinelli mantém a amarela mas Kubler é agora 2ª a 8 minutos. Coppi está a 28'. Numa jogada de antecipação Fiorenzo Magni ganha a etapa 10 acompanhado por Impanis e Fachleitner e ao obter um avanço de 18' salta para a amarela. Era dia de descanso e depois os Pirinéus condensados numa só etapa. No pelotão já não havia espanhóis (Ruiz tinha avisado da sua/deles falta de preparação) nem neerlandeses. E da França Bobet e Lapébie já tinham desistido. Etapa que foi ganha por Robic acompanhado de Lucien Lazarides. Coppi chegou 3º devido a um furo, ganhando 3 minutos a Bartali e muitos mais à restante pandilha. Magni mantinha-se de amarelo mas com companhia próxima dos franceses Fachleitner e Marinelli, Kubler em 4º, 5º e 6º os belgas Dupont e Ockers, 8º e 9º Bartali e Coppi, Robic 10º. Após um dia de descanso parte-se de Cannes para Briançon via Izoard. Era a 1ª etapa dos Alpes. Coppi e Bartali atacam juntos e ganham isolados. Coppi deixa ganhar Bartali que faz 35 anos. Robic chega a 5 minutos, Apo Lazarides a 6', Marinelli a 9', Magni a 12'. Bartali está de amarelo, Coppi, Marinelli e Magni a pouco mais de 1 minuto. Na 2ª etapa alpina atacam juntos outra vez mas Bartali fura e Coppi tem autorização para seguir em frente. São 5 minutos ganhos a Bartali, 10 ao resto dos favoritos. Coppi vestia de amarelo. Os Alpes tinham "destruido" Magni, Fachleitner e Kubler, nomeadamente. A etapa 20 é um contra-relógio monstruoso de 137 km. Coppi ganha 7 minutos a Bartali que faz 2º, 8 minutos a Goldschmit e mais de 10' aos restantes. A etapa seguinte é a 21ª e acontece como uma chegada em pelotão a Paris, coisa oh tão moderna, com vitória de Rik Van Steenbergen. Coppi vencera Giro e Tour no mesmo ano. Bartali tinha sido 2º nas duas corridas. Fizera-se história. Uma palavra para o rapaz de 23 anos que foi 3º, Jacques Marinelli, que fez a corrida de uma vida ao entrar em quase todas as fugas, não se afundar na montanha e defender-se nos contra-relógios. Conseguiu assim ser o melhor francês imediatamente à frente de Robic. 54º e penúltimo encontramos o francês Custódio dos Reis, filho de emigrantes portugueses no Marrocos Francês e que em 46 e 47 correra pelo Sporting na Volta a Portugal. Custódio dos Reis viria a ter a sua maior vitória ganhando uma etapa no Tour de 50.

A Volta à Suíça este ano foi um negócio predominantemente caseiro e a vitória foi para Gottfried Weillenmann.


A 21 de Agosto o Campeonato do Mundo aconteceu em Copenhaga, num circuito predominantemente plano. A vitória sorriu a Rik Van Steenbergen que venceu num sprint a três Ferdi Kubler e Fausto Coppi. Schotte foi 4o a 3 minutos. Coppi foi curiosamente apenas 11º no GP das Nações, a vitória pertencendo a um especialista francês, Charles Coste. Mas Coppi não falhou no seu rendez-vous de final de época, a Lombardia, que venceu isolado após uma fuga de 56 km.

Em Setembro a Volta à Catalunha foi vencida pelo francês Émile Rol. Em 2º ficou o espanhol Miguel Poblet. No top dez constavam também Camellini, Cecchi, Alex Close, portanto um pelotão com valor.


No início de Novembro acontecia nas estradas de Bérgamo o primeiro Troféu Baracchi no formato que o tornaria célebre - 100km de contra-relógio em dupla - uma prova que se tornaria icónica durante décadas. Esta 1a edição em dupla seria ganha por Magni a fazer par com um rapaz de 22 anos incompletos, Adolfo Grosso.

O Challenge Desgranges-Colombo foi obviamente vencido por Fausto Coppi. Era um ano como nunca houvera algo igual. Em 2º ex-aqueo apareciam Bartali e Magni. Mas eu em 2º ligar poria Van Steenbergen, vencedor da Fléche Wallone, de 2 etapas no Tour e Campeão do Mundo.

Fausto Coppi fizera uma época única, marcada pela dupla Giro-Tour, mas como bom italiano fizera questão de ganhar a dupla Milão-Sanremo + Lombardia, a abertura e o fecho da época, fazendo pelo caminho pódios na Fléche Wallone e no Campeonato do Mundo e oferecendo ao irmão Serse um pódio no Paris-Roubaix que também poderia ter sido dele, senão mais. Nunca como neste ano se soube quem era o melhor ciclista do mundo, o Campioníssimo era Fausto Coppi.

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