quarta-feira, 2 de julho de 2025

Pogacar e os outros.




Faltam très dias para o Tour. E fala-se de Pogacar. Que vai ganhar. Que é o melhor ciclista de sempre. Outros dizem que só Merckx, só Merckx foi assim. 

É difícil comparar. Eu diria que Pogacar lembra Coppi, Merckx, Hinault. Que, nos seus melhores anos toda a gente sabia que se quisessem ganhar ganhavam. Quase sempre. O que fosse. Foi assim com Coppi entre 49 e 53, foi assim com Merckx entre 68 e 74, Hinault entre 78 e 82. O pelotão sabia que era assim, os aficionados também. Nunca foi assim com mais ninguém. Nem com Indurain nem com Anquetil, nem com Armstrong ou sequer Froome.

Mas ao nível de números, se quisermos ir por aí, Merckx continua imbatido. Mais ainda sabendo que por época corria o dobro dos quilómetros de Pogacar, incluindo criteriums e muita pista no inverno, que rendia dinheiro-extra. O ratio de vitórias de Pogacar impressiona mas este pode escolher um calendário, luxo que não era dado a Merckx, nem sei se o "Canibal" o quereria. 

As derrotas de Pogacar contra van der Poel ou Vingegaard alinham-se com a derrota sofrida por Coppi num Paris-Roubaix frente a van Steenbergen, a humilhação sofrida por Merckx frente a Ocaña no Tour de 71, e a de Hinault contra Fignon no Tour de 84.

Que tempos estes!

É aproveitar.








terça-feira, 20 de maio de 2025

O André já telefonou ao Luís a agradecer?


Como é que um partido constituido por um encantador de serpentes rodeado por meia dúzia de palhaços, alguns dos quais são ladrões de malas, pedófilos, bêbados e agressores, sobe nas eleições?

Porque nas eleições quase ninguém se dedicou a dizer às gentes votantes que o partido Chega era o tal partido com ladrões de malas, pedófilos, bêbados e agressores. Porque o Sr. Luís tinha cometido uma imprudência com uma empresa familiar sua chamada Spinumviva. E o Sr. Pedro ficou muito indignado com isso. E passou todo o tempo a falar disso, e não se calava, numa fixação que não o deixou ver a) o cansaço das gentes votantes com o tema b) a ultrapassagem pela direita a ser feita pelo Sr. André. 

Agora a viagem do menino Pedro (Sr. será um exagero, pensando bem) acabou. Ficámos com o Sr. Luís e o Sr. André. E um lugar vago no lugar do condutor da carrinha 3. Sim, no PS.   

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Defender o SNS.




Vamos defender o SNS, vamos?  Sim, claro1 Mas, de quem? Dos privados! Ah é?

Vou deixar aqui umas deixas sobre a defesa do SNS.

Os privados já entraram no SNS há bastante tempo. 

Uma parte importante do Serviço de Urgência é fornecido por empresas que contratam médicos para depois os revenderem ao SNS.

O grosso dos Cuidados Continuados são privados os associativos. Portanto o fim-de-linha não pertence ao SNS.

Uma parte importante dos meios auxiliares de diagnóstico radiológicos - TAC's, RMN's - é executado no SNS mas relatado fora do SNS por empresas privadas, por não haver gente suficiente no SNS para fazer os relatórios. Há as máquinas, há os técnicos, os médicos nem por isso.

Muitos Hospitais do SNS subcontratam internamento em Unidades Hospitalares privadas como rectaguarda para tempos de crise, bem como manutenção em internamento de doentes pendentes de orientação para Cuidados Continuados ou Apoio Social. Hospitais há onde isto não acontece em crise mas sempre. Uma familiar minha foi vista no SU da Feira e teve direito a tratamento de uma pneumonia no internamento do Grupo Trofa em Vila do Conde, tudo isto pago pelo SNS. Isto não é excepção, é sim muito frequente. E isto decorreu de um esforço feito há uns 15-20 anos por uns iluminados em diminuir os número de camas de internamento, o que seria um "progresso2. Esqueceram-se do envelhecimento da população, etc.

Há um subfinanciamento crónico do SNS que acontece desde que eu ouço falar do financiamento do SNS, sendo eu médico há 36 anos. O que me surpreende deveras, pois o PS esteve nos últimos 30 anos no governo em 22, 22 anos. 

O subir do dinheiro atribuido à saúde nos últimos anos deveu-se a um único factor: COVID. O aumento do número de contratações também.

 Não me lembro de um Ministro da Saúde nestes últimos anos que na realidade não fosse um Secretário de Estado do Ministro das Finanças. Porque o Poder Central sempre achou que o financiamento pedido acontecia "por um exagero dos médicos, esses despesistas", e não porque os doentes simplesmente o pediam.

A população envelhece, a saúde é cada vez mais cara, a saúde privada chama sempre com um apelo monetário - e de melhor qualidade de vida - incontornável. A resposta ouvi-a da voz de Alexandra Leitão vai já para uns anos: "É preciso muito mais médicos". E assim teremos que médicos no SNS? Não os melhores, claramente, mas os abaixo do percentil 50, apenas e só. Os melhores não.

Nos últimos 30 anos o PS foi Governo em 22. Falando do último Ministro da Saúde PS, Manuel Pizarro, se ser ministro se pudesse comparar a um casamento o mesmo poderia ser anulado, pois eu acho que ele nunca terá consumado. Este ano que aconteceu de Ana Paula Martins pode ter dado pistas sobre muitos erros que não podem ser repetidos. Pode. Ou não.

Sim, é preciso defender o SNS, no exacto e único sentido em que é preciso defender a saúde dos portugueses. Não me venham é dizer que vai ser o PS a fazê-lo.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

André Ventura e Kathleen Turner.

 André Ventura sofreu um espasmo esofágico durante um discurso em campanha. É.


E eu lembrei-me imediatamente de um episódio num filme de 89, "The War of The Roses", com Michael Douglas e Kathleen Turner, uma comédia negra que versa sobre um divórcio que corre mal e vira guerra civil.

O momento pivô acontece quando Oliver Rose (Michael Douglas) sofre o que parece ser um enfarte do miocárdio - uma dor torácica excruciante - e vai parar à urgência. Telefona e despede-se de Barbara Rose lacrimejante mas, horas depois, descobre que, afinal, apenas tivera um... espasmo esofágico.

Informada ao telefone, Barbara Rose (Kathleen Turner) comenta para si própria: "que merda de marido tenho que nem um enfarte de miocárdio a sério consegue ter!" e começa a rir.


Sim, André, é isto.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

A minha preocupação com os candidatos a PM que... "NÃO LÉEM" - parte 3 (do bloco central ao cavaquismo).



O Bloco Central de Mário Soares e Mota Pinto foi um governo muito amarrado ao centro e que geriu - com Ernâni Lopes nas Finanças - um duro pedido de ajuda ao FMI. É opinião maioritária embora algo polarizada que este pedido de resgate resultara de alguns desmandos orçamentais da AD, nomeadamente no tempo de Cavaco Silva nas Finanças. Portanto, o governo pouco mais era do que Ernâni Lopes.O perene Álvaro Barreto estava, Carlos Melancia também, e aparecia pela primeira vez, pelo PSD, Ferreira do Amaral. E, ao nível político, também pelo PSD, tinhamos António Capucho a Ministro... da Qualidade de Vida. A crise foi muita, voltaram os salários em atraso, o tecido industrial português levou mais um rombo. Do lado positivo terminaram as negociações para a entrada na CEE e foi assinada a mesma nos Jerónimos no dia anterior à demissão do governo: a oposição interna no PSD liderada por Cavaco Silva e a morte súbita de Calos Mota Pinto tinham deixado o governo sem solução,  E aqui, pela primeira vez, tínhamos um candidato a PM que... NÃO TINHA LIDO. Aníbal Cavaco Silva era o herdeiro de Sá Carneiro  mas muito pouco tinha em comum com ele. Atenção, Cavaco Silva doutorara-se em York, no UK, e trabalhava no Banco de Portugal. Mas os seus interesses pareciam terminar aí. A sua patine algarvia  interior de Boliqueime gerou ondas de rejeição de vários lados. Mas ganhou as eleições contra... António Almeida Santos. 

Cavaco Silva iria durar dez anos como Primeiro-Ministro. E nos seus governos vamos encontrar nomes fundamentais para entender os anos 80-90. O cavaquismo foi a nossa versão dos anos oitenta, quando começámos a ter algum dinheiro e as memórias da revolução começaram lentamente a esmorecer. O primeiro governo de Cavaco foi minoritário e aproveitou o aperto financeiro prévio. Para além do perene Álvaro Barreto apareciam Miguel Cadilhe, Valente de Oliveira, Santos Martins, Mira Amaral e Oliveira Martins. Na Saúde pontuava Leonor Beleza, que ganhou a inimizade por parte dos médicos para a vida. Político só o braço direito Fernando Nogueira. Em 87, após uma moção de censura, Cavaco Silva ganhou a sua primeira maioria absoluta contra Vitor Constâncio. O PS não podia oferecer aos eleitores candidado mais LETRADO, um economista lisboeta e culto mas com um carácter relutante e que aparecia à frente de um PS dividido.  

O 2º governo de Cavaco mantinha a maior parte dos tecnocratas mas dava palco a outro delfim de má memória,  Dias Loureiro. Na equipa em contraponto apareciam agora bons LETRADOS a complementar as deficiências do líder; Silva Peneda, Laborinho Lúcio, Roberto Carneiro. E, para o fim da legislatura, entrava em cena o Sr Auto-Estradas, Joaquim Ferreira do Amaral, que já fizera uma perninha no Bloco Central.

Lembro que Mário Soares era agora Presidente da República, após uma renhida batalha contra Freitas do Amaral em 86. Deste disseram o que os muculmanos não dizem do toucinho. Viria a ser no futuro Ministro dos Negócios Estrangeiros de Sócrates.

O 3ª governo de Cavaco Silva, saído de eleições onde se renovou a maioria absoluta contra uma invenção malfadada, a FRS, onde o PS aparecia a tentar imitar a velha AD e pondo como cabeça de cartaz Jorge Sampaio. Jorge Sampaio tinha os seus pergaminhos derivados de ter sido dirigente estudantil na crise académica de 69 e, como ex-MES, representava a ala esquerda do partido. Era Presidente da Câmara de Lisboa depois de ter vencido nas autárquicas de 89 com uma coligação inédita com o PCP. Para a Câmara voltou.

Lembro três datas que definiram o Cavaquismo: em 87 começava a SIC; em 88 começaram as privatizações; em 91 fechava-se a A1 em Condeixa.

Mais outra data: em 1993 era fundado o BPN.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

A minha preocupação com os cadidatos a PM que... "NÃO LÊEM" - parte dois (os três B's).



Sá Carneiro morreu e o ónus da governação passou a Francisco Pinto Balsemão que liderou 2 governos. Ministro 80-82 aconteceu alguma reconciliação dentro do PSD. Manteve-se a coligação AD. Cavaco Silva foi substituido por João Salgueiro. Dos opositores a Sá Carneiro Meneres Pimentel tomou conta da Justiça. Apareceram no governo as estrelas Ângelo Correia e Marcelo Rebelo de Sousa. O CDS ofereceu ao mundo Francisco Lucas Pires. Em resumo, um governo com um elevado grau de... LITERACIA. Vindo dos governos de Sá Carneiro aparecia Álvaro Barreto, o tecnocrata que já servira sob Mota Pinto num governo daqueles de iniciativa presidencial. era o 3ª Primeiro-Ministro que conhecia, e trabalharia com mais três, Soares, Cavaco Silva e Santana Lopes. Nos intervalos circulava alegremente por bancos e indústrias. Um exemplo que foi amplamente seguido. Encontrei poucas palavras más sobre ele na net, falecido em 2020., sim elogios. Muito do percurso industrial português durante pelo menos 25 anos por ele terá passado. Eu explico: CUF/Lisnave/Setenave até 74. Ministro em 78-79. TAP em 79-80.  Ministro em 80-82. Soporcel  em 82-83. Ministro de 83 até 90. Outra vez Soporcel até 2004. Ministro pela última vez em 2004 com Pedro Santana Lopes, fixou-se finalmente no mundo empresarial, terminando no Millenium BCP já octogenário. A sua LITERACIA estava assegurada pela sua formação, ainda antes do 25 de Abril, em Harvard, bolseiro pago pela CUF. De base sendo Engenheiro Civil do IST. E que foi duas vezes também Ministro da Agricultura.

Pinto Balsemão cansou-se de intrigas, nomeadamente da oposição no próprio PSD e da instabilidade no CDS e foi-se embora no início de 83, para nunca mais. 4 anos depois criaria a SIC e continuaria a influenciar Portugal, até hoje, lembrando ainda o Expresso criado em 72. O PSD ficou entregue a Carlos Mota Pinto, que perdeu honrosamente as eleições para Mário Soares. Eram os dois conhecidos... LEITORES. E criou-se o famoso governo do Bloco Central. E aqui temos o terceiro "B".

PS: CUF era Companhia União Fabril, não um qualquer hospital privado.

A minha preocupação com os candidatos a PM que... "NÃO LÊEM " - parte um. (o começo).



Nestes tempos incertos em que nos encaminhamos uma vez mais para eleições torna-se importante PENSAR nos cinquenta anos que aconteceram e que, aliás, decoram um cartaz que aparece pelas ruas e pertence ao partido Chega. E vou reflectir nos primeiros-ministros que tivemos. 

As pessoas não precisam de se preocupar com as minhas reflexões, elas não vão ser profundas. Vou apenas dividir os primeiros-ministros que tivemos entre aqueles que... "LÊEM" e aqueles que... "NÃO LÊEM".  Ler acrescenta, ler optimiza, ler potencia. Ler permite um outro olhar. Uma pessoa que vai liderar um país tem que ser uma pessoa "LIDA" ou, para ser mais correcto, "LEDÔRA". Tem? Então estamos mal porque, para não ir mais longe, os dois candidatos a primeiro-ministro que hoje temos, Pedro Nuno Santos e Luis Montenegro... "NÃO LÊEM". Como é que eu sei? Sei! Ninguém mais notou?

Quando o partido Chega - cujo líder André Ventura não só NÃO LÊ como ainda por cima ESCREVE MAL - fala de 50 anso comete uma pequena imprecisão. O 1ª governo constitucional, de Mário Soares, tomou posse em 1976 - há 49 anos. Mário Soares... "LIA", bem como o seu oponente Sá Carneiro. Uma situação oposta à de hoje. Como é que isto foi acontecer?

O primeiro governo de Soares era um governo onde aparecia muita gente alinhada com uma corrente mais moderada do PS. Lopes Cardoso, que estava na Agricultura e Pesca, foi substituido em meses por António Barreto. Medeiros Ferreira estava nos Negócios Estrangeiros. Os mais políticos eram o amigo Almeida Santos, Jorge Campinos e Mário Sottomayor Cardia. A caução republicana advinha de Henrique de Barros, já septuagenário. Neste governo encontramos as únicas intervenções governativas de Medina Carreira e de Rui Vilar. Em 77 Carlos Mota Pinto, então independente, entrou para o governo. Era um governo moderado, com dois militares dentro, Costa Brás na Administração Interna, Firmino Miguel na Defesa. Lembro que o Conselho da Revolução ainda era vigente. Mário Soares precisava de um governo moderado para trabalhar com a CEE, o FMI e roubar votos ao PSD. O socialismo "estava na gaveta". A austeridade levou à moção de censura e o governo caiu em 78. 
Soares surpreendeu voltando à carga com um governo PS-CDS. Antecipando as grandes coligações germânicas de hoje. O objectivo era a) a estabilidade. b) isolar o PSD, tentando a médio prazo minorar um partido que se dizia "social-democrata" mas que com Sá Carneiro se polarizara e alinhava com o centro-direita europeu.

O segundo governo de Soares aguentou enquanto o CDS aguentou. o que não chegou a um ano. Neste ano António Arnaut foi ministro e deu inÍcio oficial ao SNS, Vitor Constâncio foi ministro pela única vez no seu percurso e aparece na indústria o primeiro nome controverso associado ao PS (posteriormente ilibado - quem não?), Carlos Melancia. A Administração Interna passa para um civil que se chama Jaime Gama. No outono de 78 o CDS abandona o Governo. Acontecem depois 3  estranhos governos de iniciativa governamental, liderados respectivamente por Nobre da Costa, Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintassilgo. Ninguém duvida de serem "LEITORES" cada um destes fugazes primeros-ministros nomeados por Ramalho Eanes. Que, já agora, "ANDAVA A LER".

Fomos para eleições, o CDS aliou-se com o PPD/PSD e o PPM e aconteceu a AD, liderada por Sá Carneiro. Que também "LIA". Vivia aliás uma relação amorosa com uma editora de livros - querem mais? Sá Carneiro apresentava-se neste governo com um triunvirato político constituido por ele, Eurico de Melo e Vitor Crespo. A dissidência que acontecera com a ASDI roubara muitos quadros ao PSD. O CDS brilhava no governo com Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Rui Pena, Vitor Sá Machado. Todos LEITORES. Nas Finanças pontuava um desconhecido, Cavaco Silva. Um mistério. LERIA? Era um governo com apoio maioritário na Assembleia da República. Um governo de combate, combate contra Eanes, contra Soares, contra o pós-PREC que ainda tomava conta do país. Sá Carneiro não funcionava de outra forma. Soares, na campanha de 80, apareceu de galochas com Maria Barroso em Nafarros a cultivar um talhão de terra e a defender os valores da família. Era os tempos de Snu Abecassis. O meu desprezo por Mario Soares criou-se nesse momento e ficou para sempre.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Bergoglio, Obama e Jacinda Ardern.



2025. E 25 anos passaram neste século malico.

E três figuras iluminaram estes anos.

Uma foi Barack Obama. De quem gostámos tanto que nem nos atrevemos a reavaliar o seu legado.

Outra foi Jacinda Ardern, a primeira-ministra neozelandesa que durante cinco anos foi o melhor político do planeta até que, esgotada, saiu de cena. A mensagem sendo dupla: os cinco anos e o seu sincero cansaço.

E tivemos Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Que morreu hoje.

Apagou-se a luz ao mundo.


PS: a minha visão tem um óbvio viés ocidental. Curiosamente as três figuras que elejo provém das Novas Europas definidas por George Steiner. Este velho e pequeno continente em que me movo e situo neste 25 anos ofereceu ao mundo uma folha em branco.




Bergoglio, Nietzsche e Trump.



Em 1882 Friedrich Nietzsche declarou pela primeira vez, no seu livro "Gaia Ciência", que "Deus estava morto e que nós o tínhamos matado". Nietzsche receava que o ruir da coluna vertebral fornecida pelos princípios da Igreja Cristã ao Ocidente perante a ciência, a racionalidade, o secularismo e o porvir industrial, provocasse um vácuo na existência humana. Nietzsche duvidava que a humanidade conseguisse uma auto-determinação plena e conseguisse tomar o seu destino entre mãos e bem, construindo um mundo melhor.

143 anos depois, repete-se o raciocínio. Mas desta vez quem morre é mesmo alguém, palpável, Jorge Mario Bergoglio, um homem argentino de 88 anos que decidiu chamar-se a si mesmo de Francisco buscando inspiração no mais humilde dos Santos. Francisco era o representante terreno do Deus Morto de Nietzsche. E, porém, ele era sobretudo a consciência moral de um Ocidente a ruir. Podia alegar não ser dele a voz. Mas era. Ao ouvi-lo falar eu não ouvia mais ninguém mas a voz dele sozinha era mais do que suficiente. 

A ciência e a razão estão a ser atacadas, a ideia de Deus é traficada por vendilhões do templo, o secularismo não conseguiu cumprir as suas promessas de iluminação e paz. Eu, que não sou filho de nenhum Deus, sei bem que hoje morreu um Filho de Deus. Donald Trump e associados são um rebanho de novos Bezerros de Ouro. Saio do meu trabalho, olho à minha volta e fico com uma sensação de que falhámos.

E sinto-me órfão da voz e do olhar de Francisco.  Do seu passado argentino de crescimento lento. Órfão da palavra. Dos seus tão humanos humores. Órfão de tudo. 

Está cada vez mais difícil manter-me Vivo, Francisco.

terça-feira, 18 de março de 2025

Este Cabelo.




Acabei de ler o primeiro livro de Djaimilia Pereira de Almeida, "Esse Cabelo". O computador não parece concordar com a grafia do nome Djaimilia, a mesma leva todo um livro a tentar concordar consigo e com o seu cabelo, crespo e seco porque filha de branco e de negra. "O cabelo é a pessoa.", remata na última página do texto. Assim sendo, o que sou eu?

Reduzido o meu cabelo a escassa expressão entre os meus 25 e 30 anos, assim me possa talvez definir: "escasso". Mas o pouco cabelo que exibo sou eu. Um núcleo, meia dúzia de frases que existem, não mais, e que algures lá foram ditas numa qualquer cerimónia sem aviso nem marcação.  Frases perdidas? De livros feito, nunca nenhum ultrapassou aquele conto da Ana Maria Matute refeito pela Maria Alberta Meneres que, lido na minha infância, atirou a minha imaginação para uma Ilha Maravilhosa onde nada mais era preciso dizer porque todas as palavras já estavam ditas. Acabei de fazer 61 anos de idade e tudo o que ainda possa dizer parece-me hoje pura redundância. 

Assim acontece com algumas doenças que nos roubam o cabelo. Duras e inapeláveis doenças. O cabelo que volta, e demora tanto a voltar, pode não ser o mesmo que partiu. E a pessoa que resta e prossegue pode não ser já a mesma a quem a doença sem atenção nem pudor entrou pela janela.

Por último penso no cabelo da minha filha. 

quarta-feira, 12 de março de 2025

Montenegro e a palavra "pactuar".


Hoje como de costume fui visitar a minha mãe que, pela sua fragilidade, vive e é (bem) cuidada numa residência de idosos. Falámos do costume e fizemos o habitual, sendo o habitual também fazer as palavras do JN. A primeira palavra na 1ª linha horizontal era de 7 letras, um sinónimo de "condescender". Não fomos logo lá, mas a meio da jornada a minha mãe descobriu e disse: "pactuar!"

Pactuar.

Vou rapidamente explicar porque votei PSD/AD nas últimas eleições. Há partidos com projecto e há partidos de causas. Sempre achei que o PS podia ser o partido com o projecto certo para Portugal. Depois de Guterres, Sócrates e Costa, acabei por desistir do PS. António Costa nomeadamente dispôs de uma maioria absoluta a sustentar o que se revelou ser um completo "NÃO-GOVERNO". Em oito anos nada de relevante aconteceu que servisse para modelar o futuro do meu país, nada. António Costa, que chegou ao poder com talvez o pior resultado da história do PS, conseguiu fugir durante oito anos a tomar qualquer decisão com o mínimo de ousadia. Muitos ministros pareciam  "Ministros-Zero". Por isso votei AD. Por não poder PACTUAR com o estado das coisas. Sabendo que não ia concordar com muitas das decisões, mas sim com algumas, até porque uma coisa é a ideia, outra coisa a realidade de uma sociedade castigada pela inacção, pela paralisia. 

Com a subida da votação no partido Chega, essa negação do racional e da coisa política, era pedido ao governo que surgisse das eleições uma prática limpa, impoluta. Sob o risco de a extraordinária votação do Chega continuar a subir, regada pela suspeição e o logo de "todos maus, todos iguais".

E a governação do mais minoritário dos governos começou a governar. Notou-se que não era um "Não-Governo" como o de António Costa, ora acertava bastante (na Educação) ora errava.. muito (na Saúde). A população portuguesa notou isto e respondeu com sondagens positivas que colocaram o novo líder do PS, Pedro Nuno Santos, na defensiva.

Até que aconteceu o caso da empresa familiar de Montenegro com o nome difícil, Spinumviva. Empresa constituida em Janeiro de 2021 à volta aparentemente dos saberes de Montenegro na legislação sobre a protecção de dados mas com objectivos difusos envolvendo variadíssimos aspectos decorrentes do património pessoal e familiar de Montenegro. Ao saber-se primeiro-ministro Montenegro vendeu ou doou a sua quota à esposa e portanto "saiu" da empresa, mas na realidade "sem sair", estando eles casados em comunhão de adquiridos. Não acredito aqui que tenha havido corrupção, não acredito. Espero não estar enganado. Espinho "é" a Solverde.  E Montenegro é de Espinho. Mas foi um erro infantil Montenegro não "congelar" ou até vender esta empresa, como se chegar a primeiro-ministro afinal lhe acontecesse como um aguaceiro de verão, um detalhe apenas no seu percurso profissional, não aquilo que só pode ser, um Serviço Maior ao País que nele votou. Com este erro, esta infantilidade, ou falta de inteligência, eu não devia poder PACTUAR. Se Montenegro não ganhar as eleições, e porque a maioria de votantes vai continuar a ser de direita, "encrava" por completo a governação do País.  Ele que até estava a governar melhor, bem melhor do que António Costa (excepto na Saúde...).

Pelo interesse nacional, Montenegro, indeciso embora, posso eventualmente voltar a votar em ti. Para bem de um país, do qual, distraído, te esqueceste.

Serei condescendente. Pactuarei. Ou não, Montenegro, ou não. 


PS.: apesar de tudo esta sorte temos, nós os portugueses, o Chega andar indiciado por pedofilias, alcoolémias, roubo de malas. Sobre a Ministra da Saúde, agora passado, falarei outro dia.


sábado, 1 de março de 2025

O Solverde e Montenegro. Ou e se fosse eu o Ministro da Saúde?


Para explicar esta trapalhada  entre o Montenegro e a Solverde vamos imaginar uma coisa: e se eu chegasse a Ministro da Saúde?

Trabalhador da saúde - médico - no Hospital de São João no Porto, 35 anos de salários seriam imediatamente questionados, o que é um salário senão uma avença! E todos mas todos estariam à espera de avaliar o meu favoritismo em relação ao "meu" hospital. Seria obrigado a pedir escusa de decisão sobre ele, etc. A minha mulher, trabalhadora da saúde também - enfermeira - durante 37 anos na mesma casa, ao receber o seu salário, seria eu na realidade a receber esta outra avença, a minha mulher feita transparente, não contando. Mas não contando ela teria que se despedir não só do São João mas também do grupo privado de saúde onde trabalha (outra avença), pensando bem, não fosse eu favorecer, etc.

Chamem-me Montenegro e casem-me com a esposa dele e está tudo explicado, não?


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A Mariana tem um tio.



A Mariana tem um tio. E lembra-me esta frase uma canção que ouvi ao Camané. Um valoroso tio, incurável na sua doença, lentamente à espera. 

Como gosta deste tio a Mariana. E apesar da doença não compreende a Mariana porque o tem como tio, o cansaço a falar. Mariana tem um tio que é professor de matemática, um verdadeiro pedagogo, palavra grega que significa “condutor de crianças”, por exemplo a Beatriz, e centenas de outras, os alunos como filhos multiplicados. Disse-te, Mariana, que a explicação provável para aquilo que não entendes é a necessidade de alegria, a mais rara das terras. E sem lógica, sem qualquer lógica mas tão necessária para todos nós, mais ainda para um professor de matemática. Como a doença que atingiu o teu tio acontecer e acontecer, tão sem lógica. 

Talvez já não consiga mas o teu tio explicar-te-ia o seguinte paradoxo: se não fosse a busca da alegria encetada pelo teu tio, tu não o conhecerias, não seria o teu tão amado tio, Mariana, pedagogia pura a acontecer por igual mas não na Maia, não no teu quintal, na tua sala. 

Celebremos então este Homem naquilo que te deu, dá e dará, pois a memória nunca é uma história acabada, cresce e reproduz-se e, vais ver, do teu tio terás sempre, na esquina de um qualquer tempo que é matemática pura, memórias novas para o lembrar.