Ontem à tarde fui buscar a minha filha às Camélias, vinha de Lisboa, há mais de um mês que não a via, pela Via Norte a conduzir vinha e conversávamos sobre coisas díspares, a distância retira o automatismo de uma relação que se quer sem mácula, como um carro que não acaba de arrancar falávamos um com o outro e eu sempre a pensar: "Vamos chegar a casa, é logo ali na parte de trás da Maia, vamos chegar a casa e tu não vais dizer nada sobre a Ucrânia, tu na tua visível e transbordante e imparável juventude não vais dizer nada sobre a Ucrânia. Onde é que eu errei? Com pode ser isto assim?"
No dia anterior assisti a uma reunião de mais de duas horas sobre um novo protocolo que pretende salvar uma velha molécula dando-lhe uma nova função no acidente vascular cerebral. Longo e preciso e complicado protocolo. Era quinta-feira, a invasão da Ucrânia tinha começado horas antes. Longo e demorado e inútil, um protocolo que eu me vou recusar solenemente a praticar, alto o seu risco iatrogénico, discreta a vantagem que se adivinha, pesada a dor de cabeça com que eu me retirei da reunião, desejando retirar-me eu deste mundo hediondo. Mas, sobre tudo isto, como foi possível acontecer aquela reunião horas depois de Putin ter começado a atacar a Ucrânia?
À pergunta que eu faço em título a resposta é não.
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