sexta-feira, 15 de abril de 2022

As Minhas 101 Leituras, 31-40.

 Descobrimentos Portugueses, Os - Jaime Cortesão

Este livro, que se mantém em fascículos na casa dos meus pais e que foi comprado pelo meu avô Manuel de Oliveira Muge, é uma obra monumental onde Jaime Cortesão, um homem da Seara Nova, criou o meu fascínio pela epopeia marítima portuguesa. Ele dá muita atenção aquelas áreas nebulosas que nunca se resolverão, nomeadamente se algum português chegou ao continente americano antes de Colombo, quer por Norte quer pelo Sul, a descoberta da Austrália, etc.  A obra não está completa, falta um misterioso fascículo, que portanto nunca li. Sei que alguma desta historiografia estará um pouco desactualizada, mas para mim, foi aqui que tudo começou.

Deus Passeando Pela Brisa da Tarde, Um - Mário de Carvalho

Este romance, dos melhores que li em toda a minha vida, tem dentro de si um mistério: porque não escreve Mário de Carvalho sempre assim tão bem. A história decorre em Conímbriga, e o governador da cidade, que receia uma invasão duns misteriosos bárbaros do sul, vive fascinado por uma mulher, filha de um homem de relevo na cidade, que abraçou uma nova religião, o cristianismo. Ninguém actualmente escreve melhor em Portugal que Mário de Carvalho. Ele faz da língua o que quer. O seu domínio de um abundante e não fácil léxico é supina. Mas este romance tem um extra que falta a muita escrita recente de Mario de Carvalho, tem uma Alma. Lê-se em deslumbre do início ao fim. E levanta depois a questão por resolver: onde está mais disto? "Ainda os toros crepitavam e o coro de carpideiras uivava os seus lamentos arrepiantes, já eu, quer pessoalmente, quer através dos lictores, convocava os decênviros da cúria para o pretório, aproveitando a presença de todos eles na cerimónia. Em surdina, remoeram-se protestos e tentativas de escusa: que o dia era funéreo e nefasto; que as togas de luto eram impróprias para o exercício de funções públicas; que seria grande desfeita furtarem-se ao banquete funerário; que a reunião não estava a ser convocada com as formalidades do costume. Não quis saber de pretextos nem de incómodos e mantive a citação com firmeza. Que viessem todos ao pretório, na próxima hora.". Uma delícia de prosa! 

Dos Líquidos - Daniel Faria

Não há poesia má de Daniel Faria. Mas o último livro que preparou em vida (publicado no ano a seguir à morte) excedia-se. Sobre Daniel Faria podia escrever muito. Que conheço o padre que lhe apresentou Sophia e o padre que lhe deu a extrema-unção no meu hospital, Gente Melhor. O Mendes, o Nuno. Lembro-me de uma interna de Medicina Geral e Familiar que passou pelo meu serviço, daquelas boas amizades transitórias, e que era de Baltar, a terra natal. Os olhos dela acendiam-se ao falar do Daniel. Daniel Agusto Faria. Deixo porém este link de um fantástico escrito da Alexandra Lucas Coelho no Público. Visito frequentemente a Igreja de Sta Maria em Marco de Canavezes. Mais do que à procura de Siza Vieira, vou à procura do Daiel e do livro que o Padre Nuno me ofereceu: "Legenda para uma casa habitada". Sim, o Daniel era um padre e caiu para a morte na sua casa de Singeverga, em Santo Tirso, vindo morrer ao Porto, à casa onde trabalho. "Tu moves as agulhas, tu unes de novo / As minhas asas à curva do céu.". 

Esquema, Um - Clara Pinto Correia

Houve um tempo em que a Clara Pinto Correia não conseguia fazer nada errado. Depois passou a ser o contrário. Eu só li o "Adeus Princesa", o seu best.seller, muito mais tarde. Saído pouco antes, o conto "Um Esquema", e que trata disso mesmo, de um "esquema" entre um homem e uma mulher, princípio, meio e fim. Fiz meu este bem escrito texto, embora a minha história não esteja bem aqui. "Mas, e mesmo sendo assim, nunca me passou pela cabeça tomar uma única iniciativa para encurtar a duração do que nos aconteceu no Verão. De posse do perfeito equilíbrio do meu segredo, senti-me nessa altura soberanamente confiante, manejando com total segurança os fios mal domesticados que regulam a atracção entre as pessoas, sem dúvida o jogo mais traiçoeiro a que nos é dado jogar. Nada escapava então ao meu alcance. E isso é bom. É raro.".

Estranho Csso do Cão Morto, O - Mark Haddon 

"Christopher John Francis Francis Boone knows all the countries in the world and their capital and every prime number up to 7057. He relates well to animals but has no understanding of human emotions. He cannot stand to be touched. And he detests the color yellow." Este livro, um best-seller de 2003, é um manual para entender o que é ser um Asperger, ou autismo (relativamente) leve, como quiserem. Escrito mesmo muito bem, conta como Christopher decide investigar a morte do cão do vizinho. Muto bom.

Expresso - Cartaz. 1980-2003.

O Expresso que eu conheci em grande parte já não existe. A parte política ainda lá está, agora ainda mais dominante. Mas o resto, o glorioso resto, em que o Cartaz era a parte mais importante, já não existe. Cinema, Escrita, Música. Acho que restará o João Lisboa, talvez. Quem eu lia já lá não está. Aprendi a ver Cinema com o Expresso Cartaz, idem Música e muita Leitura. Os tempos são outros. Mas não são melhores.

Farpas, As - Eça de Queirós

Não li todo o Eça. Mas sei da sua importância. As Cidades e As Serras e Os Maias são romances magistrais, o último o Grande Romance Português. Mas, sabendo que muita gente acha que vivemos tempos dourados no humor português, lembro As Farpas, que eu conhecia já parcialmente da minha juventude e que foram republicadas recentemente. O parlamentarismo do século XIX e a sociedade de então oh tão tão perto dos dias de hoje.."A honrada câmara municipal do Porto quis dotar a cidade com uma praça de peixe. Nada mais higiénico, mais gastronómico, mais justo. De todo o tempo, nas grandes cidades, o peixe teve os eseus aposentos definitivos. A vadiagem do peixe pelas ruas - fazendo concorrência à vadiagem dos filhos famílias - é sobremodo insalubre. (...) A câmara municipal do Porto, com uma nobre solicitude pelo peixe, para quem parece ser uma extremosa mãe - receando, com um carinho assustado, que o peixe se constipasse, ganhasse catarros ou sofresse a indiscrição dos vizinhos, construiu-lhe uma praça fechada, altas e fortes paredes, varandas,(...) com mais alguma despesa a câmara daria ao país o exemplo de uma grande dedicação pelo peixe! - Era mandar tapetar-lhe a praça, pôr-lhe pianos e sofás; os robalos estariam deitados em leitos de mogno; o polvo teria um tapete para se estender!"

Feira dos Imortais, A - Enki Bilal.

Enki Bilal é um dos grandes expoentes da BD europeia do último quartel do séc XX, com um grafismo unico e isolado. Nascido em Belgrado em 51 de mãe checa e pai bósnio, emigrou para Paris em 1961 e a família naturalizou-se francesa em 1967. Desde novo quis seguir o caminho da BD e seguiu os caminhos habituais de tirocínio na revista Pilote. Começou a publicar a sério com o roteirista Pierre Christin (da série Valérian), com O Cruzeiro dos Esquecidos, em 1975, mas a sua primeira obra só sua (letra e "música") é a A Feira dos Imortais, que sai a 1980. Conheci Bilal quando da minha fase de subscritor da revista (ASUIVRE). Bilal inventou um desenho glacial e frio, fantasmagórico, com textos enigmáticos e secos. A história cria uma Paris pos-apocalíptica (em 2023) sobrevoada por uma nave-pirâmide onde os deuses egípcios precisam de carburante. O herói Nikopol é acordado da sua cápsula criogénica, onde repousava castigado por deserção para fazer parte deste imbróglio. Embora Bilal se tenha dedicado à escrita, cinema, etc. o seu lugar eterno é na BD.

Forcenés - Philippe Bordas


Este livro serve para explicar o que é esta mania obsessiva do ciclismo profissional. São sublimes as páginas dedicadas aos "flandrianos", a De Vlaemynck, a Freddy Maertens, a Pollentier. A loucura ciclística só tem equivalente no sacrifício enorme da vida dum ciclista profissional. O herói maior é sempre Fausto Coppi, cuja fotografia decora a capa do livrinho. Há um capítulo também sobre o doping: "Les dopages étaiens desiroires, les exploits énormes. Que penser de ce dopage devenu énorme, de ces exploits désiroires? Que penser de ses nouveaux champions long à élaborer, aussi lents que l'orme à pousser, quand Merckx et Anquetil venaient à plénitude aussi vite que le peuplier argenté? (...) Le dopage primitf est de nature icarienne. C'est une rahausse psýchique, une ivresse, une exaltation - c'est une variété forte du dyonysiaque. On y risque l'écroulement." Este livro saiu em 2008, a obrigatoriedade do Passaporte Biológico em 2009.

Gafanhoto de Ouro, O - Ana Maria Matute

Este é o MEU LIVRO. Acompanha-me desde sempre. "- Esta criança perdeu a voz. Alguém lha roubou três dias depois de nascer. E nalgum lugar deve estar, mas quem sabe onde?" 

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