segunda-feira, 30 de maio de 2022

As Duas Ucrânias e as Eleições desde a Revolução de Maidan até hoje.

Dando seguimento ao texto anterior, na sequência da Revolução de Maidan, a Crimeia e as partes mais populosas das províncias de Donetsk e Luhansk não voltaram a participar nas eleições ucranianas.

Yulia foi libertada da prisão. Podia-se pensar que, na eleições presidenciais que se seguiram à Revolução de Maidan, ela que era vista no Ocidente como a resistência da Ucrânia às maldades russófilas de Yanukovich iria ganhar. Não foi assim. Uma figura de segunda linha da política ucraniana que já tinha sido ministro duas vezes e que cavalgou esta revolução um pouco na esteira de Yuschenko, um milionário fabricante de chocolates mas não só, Petro Poroshenko.


Poroshenko ganhou por maioria absoluta. A sua votação era menor no leste mas as diferenças estavam a esfumar-se, embora as zonas "mais a leste" não tivessem votado, menos ainda a Crimeia. Importante para a vitória fora o aparecimento de um novo actor na política ucraniana, o ex-boxeur Vitali Klitschko, que fundara um partido com uma plataforma (mais outra) asnti-corrupção. Klitschko desistiu a favor de Poroshenko e em contrapartida concorreu para Presidente da Câmara de Kiev, e ganhou. O Partido das Regiões, de Yanukovich, que fugira para a Rússia, teve um candidato oficial, que só teve 3% dos votos.  Várias figuras do partido também concorreram individualmente, Era o fim do partido, grande parte do seu eleitorado "do outro lado da linha de batalha".
Em eleições parlamentares que aconteceram no fim de 2014, o cansaço da figura de Tymoshenko voltou a ser evidente. As eleições foram repartidas, com dois vencedores, o "Bloco Poroshenko" e a Frente Popular, uma dissidência do partido de Tymoshenko dirigida por um ex-PM, tiveram ambos entre 20 a 25% dos votos, e coligaram-se para governar. O partido de Tymoshenko teve 6% dos votos.  Um "Bloco de Oposição" recebeu 9% dos votos no leste, o que restava da russofilia.


Poroshenko foi um presidente com altos e baixos. Defendeu a língua ucraniana, a igreja nacional ortodoxa ucraniana, a descomunização de monumentos e nomes de ruas, mas não conseguiu resolver a guerra do Donbas. Aproximou-se da União Europeia e propôs um referendo sobre a adesão à NATO, não a considerando porém uma prioridade. A luta contra os oligarcas e a corrupção teve altos e baixos, com as "partes baixas" a acontecerem mais para o final do mandato. A intriga governativa foi acontecendo. O povo ucraniano chegou à conclusão de que era mais do mesmo.
E esta sensação preparou o caminho para as Presidenciais de 2019. 
No canal televisivo mais visto na Ucrânia, o 1+1, desde há anos um actor chamado Volodymyr Zelensky, encarnava um anónimo professor de história que, após uma sua inspirada aula ter "viralizado"na internet, acaba por ser eleito... Presidente da Ucrânia! A popularidade desta série era enorme. Tão enorme que o salto da tela da televisão para a realidade foi antecipado e em 2018 a produtora registou o nome da série, "Servidor do Povo", como nome para um... partido político.
Volodymyr Zelensky anunciou a sua candidatura no canal 1+1 a 31/12/2018, pouco antes da mensagem de Ano Novo do Presidente Poroshenko. A sua campanha foi online e nada tradicional. Defendeu o óbvio: o fim da guerra, o fim da corrupção, melhor qualidade de vida. Quem não?
Na segunda volta Zelenksy ganhou as eleições a Petro Poroshenko com mais de 70% dos votos. Zelensky vendeu-se muito eficazmente aos ucranianos. No "seu canal de origem", durante a campanha eleitoral, por ex., aparecia a comentar uma série documental sobre... Ronald Reagan, o outro Presidente-actor.


O mapa acima mostra o mapa das eleições na primeira volta. A maré verde é a votação em Zelensky e nota-se que abrange toda a Ucrânia Central e do Sul. O roxo é Poroshenko, vencedor em parte importante da Ucrânia Ocidental, mas onde perdeu em quase toda a linha na segunda volta. O azul escuro mostra as linhas de resistência da eterna candidata Yulia Tymoshenko, o azul claro corresponde à votação em Yuriy Boyko, o candidato do que restava do Partido das Regiões, pro-russo, que só ganhou praticamente em Luhansk e no Donetsk, não em Odessa, nem em Dnipro, nem em Kherson. A dicotomia Este-Oeste ucraniana fora tomada de assalto por Zelensky. Na segunda volta ele ganhou em todas as províncias excepto em Lviv.

O novo Presidente antecipou Eleições Parlamentares. E aqui também o recém-constituido Partido dos Servidores do Povo conseguiu uma inédita maioria absoluta no Parlamento Ucraniano. Mais de 70% dos deputados eleitos eram deputados pela primeira vez. Acontecera um terramoto.



O mapa acima mostra os resultados nos círculos eleitorais de deputado único - o sistema eleitoral ucraniano tem um sistema eleitoral misto com uma lista nacional mais estes círculos uninominais. O Partido dos Servidores do Povo, como se pode ver, tomou conta da Ucrânia. Com 43% dos votos ganhou 254 dos 450 lugares em disputa. Os dois partidos sucessores do Partido das Regiões pro-russo conseguiram 43+6 deputados, Yulia Tymoshenko ficou com 26, Poroshenko 25, o Partido Holos ("Voz") do físico teórico e cantor rock Vyatoslav Vakarchuk, 20. 

Zelenksy empossou depois destas eleições o primeiro governo monocolor da curta história da democracia ucraniana.

Até 24 de Fevereiro de 2022 como estava a correr a presidência Zelensky? Não muito bem. No fim de 2021 a sua taxa de aprovação era inferior a 30%, embora ainda fosse o político ucraniano mais  popular. Só que agora era apenas o menos impopular...
A promessa de "acabar com a guerra no Donbas" tinha-se tornado impossível de cumprir. Os acordos de Minsk na realidade tinham duas versões inconciliáveis, a versão ucraniana e a versão russa do texto escrito. A Zelensky não conseguiu dar a volta a isto.
A luta anti-corrupção começou com o levantamento incondicional de qualquer imunidade dos deputados ucranianos. No entanto o "pardo" Ministro do Interior de Poroshenko, Arsen Avakov, manteve-se no cargo até 2021. E também em 2021 o escândalo dos Pandora Papers revelou ter Zelensky e entourage interesses em várias companhias offshore, algo que foi explicado acontecer "como a qualquer homem de negócios ucraniano". Então e a diferença? Em 2020 foram levantados vários processos criminais contra Petro Poroshenko e alguns aliados seus que, no Ocidente Europeu, foram considerados ter motivação política. Poroshenko optou por sair do país durante uns tempos e só voltou no início de 2022, mantendo-se sob a mira da justiça.
A democracia com Zelensky ganhou contornos de "democracia directa", com plataformas de diálogo directo online entre o povo e o governo. O parlamento, dominado por um só partido, perdeu importância. Zelensky zangou-se com o seu número dois no Partido, que era o porta-voz do parlamento, e demitiu-o. Zelensky também foi demitindo ministros e primeiro-ministros conforme as coisas corriam bem ou menos bem. A governação em grande parte emanava dum grupo de conselheiros muito próximo de Zelensky.Desde 2020 Zelenmsky envolveu-se numa guerra aberta com o Tribunal Cosntitucional, constituido maioritariamente por juízes do tempo de Yanukovich, sem chegar a nenhuma vitória relevante. Finalmente Zelensky viu-se envolvido numa embrulhada com Donald Trump quando este o chantageou para investigar os negócios ucranianos de Hunter Biden, o filho de Joe Biden. Foi este o tema da tentativa de impeachment a Donald Trump. Zelensky era retratado como um "ingénuo". A gestão da crise Covid correu mal e foi vivida em guerra permanente entre o governo central e os poderes locais. Os poderes locais estavam bem legitimados por eleições acontecidas em 2020 onde o partido de Zelensky não conseguiu ganhar nenhuma das 4 maiores cidades.  
Zelensky era só mais um numa série de Presidentes Ucranianos a falharem no seu compromisso com o seu Povo? As forças de bloqueio pareciam ser conseguir ultrapassar a inexperiência e inconstância do Presidente.

Em 24 de Fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia. E quando ofereceram a Zelensky a evacuação ele respondeu "EU NÃO PRECISO DE UMA BOLEIA, PRECISO É DE ARMAS!". 







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