A história do ciclismo português vivida no estrangeiro pode parecer a alguns ter começado com Agostinho mas não foi assim.
Em 1956 Alves Barbosa, o famoso ciclista do Sangalhos, ficou em décimo lugar na Volta à França. Foi uma prova estranha, vencida estranhamente por um rolador de nome Walkoviak e isto porque sobretudo a equipa francesa não se entendeu sobre quem deles devia ganhar a prova e os escaladores em prova, Gaul, Bahamontes, Nencini, não se preveniram contra as muitas escapadas que definiram a classificação. Já escrevi sobre os trabalhos de Alves Barbosa neste Tour, um ciclista que hoje seria caracterizado talvez como um puncheur, mas, para não ir mais longe, ele ficou à frente de Charly Gaul, que meses antes ganhara o Giro de Itália. Foi recebido em apoteose em Portugal.
Em 1969 pelas mãos de Gribaldy Agostinho aterra na Volta à França. Fica em oitavo e ganha duas etapas, duas. Ninguém o conhecia, daí talvez as vitórias, é verdade. Mas para um corredor que era profissional há apenas um ano receber os elogios de Eddy Merckx, que entretanto estava a ganhar o seu primeiro Tour, foi obra e grande.
Em 1978 um Agostinho contratado para ser gregário do belga Freddy Maertens acaba no pódio da Volta à França. Agostinho não fazia top dez em França desde 74. Correra um ano num projecto internacional do Sporting que correu mal, e depois dois anos pela espanhola Teka, com resultados variáveis. Em 1978 corre pela belga Flandria, cujo trepador número um é Michel Pollentier. Só que este, ao ganhar o Alp d'Huez no tour, troca as urinas e é expulso da prova, deixando a via livre... para a primeira vitória de Bernard Hinault e para Agostinho assumir a liderança da equipa e acabar terceiro! Ding dong! Quelle surprise!
Em 1979 Agostinho é líder da equipa, depois da surpresa do ano passado. Tem uns azares nas primeiras etapas e perde muitos minutos. O Tour volta a ser o que, após a expulsão de Pollentier, tinha sido o de 78, um duelo entre Hinault e Zoetemelk. Assim se deu coisa, com resultado similar, a vitória de Hinault. Agostinho foi recuperando, recuperando, ganhou onde Pollentier tinha"falhado" no ano anterior, no Alp d'Huez, (a tal vitória) e chegou outra vez a 3º na antepenúltima etapa, sendo 5º num contra-relógio individual, assim se mantendo até final. Dois pódios consecutivos! E este aos 36 anos de idade.
Rui Costa é um homem azarado. Azarado mesmo! Pelo perfil habitual dos ciclistas portugueses nunca se pensou ser possível um dos nossos poder chegar a Campeão do Mundo de Ciclismo de Estrada. Mas Rui Costa conseguiu. Assombrado pela figura mítica de Agostinho, Rui Costa era (e ainda é, ainda está no activo) um ciclista diferente. Acho que ele próprio pensou, em 2014 e 2015, depois das duas etapas ganhas no Tour de 2013, poder ser um homem de três semanas.Não foi. Porém um Campeonato do Mundo não acontece todos os dias - e ganho como o foi, na ratice e na garra contra Valverde, Joaquín Rodriguez e Nibali, nem mais... - foi uma vitória única e inesquecível.
Rui Costa tem um palmarés muito interessante em provas de uma semana, o melhor dos portugueses. E em 2014, com a camisola de Campeão do Mundo de Estrada, Rui Costa ganhou pela 3ª vez consecutiva a Volta à Suiça. Esta prova é aquela com maior história das voltas de uma semana, embota não a mais antiga. Por ser ultimamente marcada "mais em cima" da Volta à França, durante algum tempo o seu pedigree era inferior ao Dauphiné por não permitir grande respiro até ao Tour. No entanto as vitórias em 2019, 2021 e 2022 pertenceram a uns tais de Bernal, Carapaz e Thomas, Geraint Thomas. Em 2020 não houve... Rui Costa foi o único a ganhar esta Volta assim, três vezes sem intervalo. No que diz respeito a portugueses o Agostinho fôra 5º em 72, o José Martins 4º em 76, o Acácio Silva 2º em 84... Hoje o Rui Costa está como que quase esquecido. Se formos a um site tipo o Procyclingstats verificamos que em cumulativo tem mais pontos atribuídos na sua carreira do que o Agostinho, um verdadeiro sacrilégio!
O momento número sete aconteceu este domingo que passou com o pódio do João Almeida no Giro!
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