Um deste dias, devia eu estar naquele meu tão peculiar estado de sonolência depois de almoço com-uma-noite-meio-acordado-no-hospital ainda no pêlo, e tocaram à porta. É raro tocarem à minha porta, ainda mais à porta mesmo porta, não lá em baixo por onde entram as contas e a publicidade. Levantei-me, fui espreitar pelo buraquinho, perguntei: "quem é?". "Édêpê", disse um rapaz magro que num passo ballético tentava tocar a todas as portas ao mesmo tempo. "Um momento!", disse-lhe eu, como digo a quase tudo na vida. Estava em cuecas...
Passado o "momento", dirigi-me para a porta e abri. No momento exacto (ironia) em que o rapaz "Édêpê" entrava para o elevador e subia, ou descia, para nunca mais. Ainda repeti: "um momento!" Toda a gente sabe que dois (três, quatro...) momentos é demais. Fiquei ali, parado, sentindo-me traído. Ainda fui até ao elevador, apurando o ouvido. Voltei para a porta. Esperei outra vez. Depois fechei-a, aturdido.
Na minha vida já houve outros "momentos" assim, momentos "Quase", como diria Mário de Sá- Carneiro, e onde, como fez Eça de Queirós para sair do romance "Os Maias", fazemos de conta de que vamos apanhar aquele eléctrico e assim salvamos uma vida, a nossa vida. Falo de derrotas grandes como o mundo, mas que dizemos pequenas e que tratamos por tu.
Mas, pensando agora bem, para que queria eu que aquele rapaz entrasse meio metro - nem isso - na minha casa e fizesse a famosa leitura no contador da luz? Para quê? Contabilizar o quê?
Estando a "Édêpê" em débito directo (como o tempo todos os dias) sei porém, verifico aproximadamente uma vez por ano, que as contas não fogem ao que realmente acontece. E o que realmente acontece?
Acontece (escassas vezes mas acontece) uma luz imensa. Acontece! E são esses momentos (poucos, ah! poucos) que contam. Cegam! Fazem ver mais.
Contar a luz? Acabei de o fazer.
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