terça-feira, 10 de março de 2020

I'll Give You... Fever!

Há limites! Há limites!
 
Alguns conhecerão uma app com o nome acima e que ultimamente tem vindo a publicitar uma epidemia que dá pelo nome de concertos de música clássica à luz das velas. Como se a boa música  precisasse do lubrificante das velas e tal...
Eu confesso: eles anunciavam Mozart e mais: o Requiem - que eu assumi que seriam excertos. Mas era o Requiem! Também percebi que a interpretação seria por um número pequeno de executantes, mas pronto! Local, o Ateneu Comercial do Porto, sítio que eu só tinha visitado uma vez no século passado, uma curiosa história que ficará para outro dia.
Lá fiz o download da app, sine qua non para comprar bilhete, e lá nos apresentámos, 21h30m, para assistir ao espectáculo, telemóvel em punho.
O Ateneu ainda precisa de uma lavadela aos cromados. As paredes, os dourados, os espelhos estão mesmo a pedir ajuda. Sentia-me contente por acreditar estar a contribuir. Subimos por uma escadaria e entrámos. As velas não eram velas mas umas fiadas de lampadinhas pequenas a fazer de velas. Assumi que não poderia ser de outra forma, os alarmes de incêndio, as madeiras por todo o lado, o fumo, as doenças respiratórias. Entraram os músicos.
Não tínhamos recebido nenhuma pagela à entrada e nos cartazes não havia nenhuma informação. Quem eram estes músicos? Estes três músicos que eu estava preventivamente a aplaudir não tinham nome. E continuariam sem o ter, porque ninguém os apresentou, nem no intervalo, que houve, nem no aplauso final. Nunca me tinha acontecido nada assim, uma arte tão anónima. E começaram com Mozart. Sim, era Mozart... mas não o Requiem. Pelo menos não a parte que eu mais conhecia do Requiem. E depois... começaram a tocar "As quatro Estações" de Vivaldi!
A publicidade que corria no Facebook, etc. prometia espectáculos de Mozart, de Vivaldi, de Beethoven, tudo à luz das velas! Naquele momento deu-me um flash: o espectáculo era o mesmo, anunciado de forma diferente para apanhar o maior número de clientela possível! Estivesse eu não acompanhado e possivelmente teria pensado em levantar-me e sair. Ouvi "As Quatro Estações" - uma bonita peça que sofre pelos interlúdios telefónicos que ocupa por esse mundo fora - moderadamente bem tocadas. Alguém perto de mim distribuía "Bravos!" a cada pausa. Teria vindo para o espectáculo do Vivaldi, o que não era o meu caso. Depois, claro, veio Beethoven e, no fim, talvez tenha sido Haydn, que eu conheço pior. Do Requiem nickles, népia, nada de nada!
Acabou o concerto e ovação de pé! Os nomes dos dois rapazes e da rapariga por saber. Suponho que viveriam, emigrantes clandestinos, num camião TIR em Leixões e que só os deixavam sair para tocar, a comida e um penico à espera no TIR à volta. Pensei em telefonar à Polícia das Fronteiras - existe, não existe? Ao sair, e saímos efectivamente de um bonito salão algo a precisar de cuidados onde com toda a simpatia tínhamos sido burlados, ainda perguntei a uma amiga minha que á saída percebi que comigo coincidira naquele embuste, ela bem mais conhecedora do que eu: "Ó Susana, o Requiem?" Ela também não ouvira Requiem nenhum e descia a escadaria entre o divertida e o revoltada. Fez-me um elogio à cafetaria do Ateneu, onde o café seria bom. Café bom tenho eu em casa, pensei eu, e uma boa gravação em CD do Requiem, portanto, isto de sair de casa na minha idade, é para ser cada vez mais bem pensado...   

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