sábado, 16 de maio de 2020

Foi na Rota do Românico, Fernanda.

Já não me lembro em que igreja foi. Chovia. Tinha trabalhado de noite, continuara pela manhã fora como era o meu habitual, fui assistir ao teu casamento no meu velho Citroen AX, as indicações para o caminho dadas por quem tão discretamente me tinha convidado para assistir à cerimónia. Chovia, embora não muito. Finalmente abriram a porta da igreja, entrei, sentei-me à direita, afastado do corredor central. Chegou o noivo, fui cumprimentá-lo. E depois apareceste tu à porta do templo, trazida pelo teu pai. Voltei ao meu lugar. E num instante tu estavas já no altar, noiva mais lesta nunca eu vi. Ainda sorrio ao lembrar-me e passaram muitos anos. Vieste depois agradecer-me pessoalmente a presença e nem sei bem porque o fizeste, ou sei: gostávamos do mesmo homem.

Passaram anos, muitos, há um filho de dezanove anos a documentar o tempo que aconteceu. E as malhas que o império das emoções tece não te terá sido favorável. 
Tinhas uma maneira de andar que todo o hospital conhecia. E comentava. Uns sabiam, outros não. Adivinho que para ti, adivinho ou invento, esse jeito que davas a um pé, já não me lembro de que lado, funcionava como um lembrete.
E nesta semana que passou o lembrete funcionou demasiado bem. Por isso eu disse "o teu casamento". Não há como a morte para criar uma apropriação das histórias onde, estando várias pessoas, a que morreu ganha prioridade no lembrar, como que um brilho. 
Há momentos funestos em que nos parece que não há mais nada a fazer. Mais nada. O passo a seguir pode ou não ser dado. Tu tinhas o lembrete. Deste-o. Um passo sem retorno possível. 
Agradeço-te, Fernanda, várias coisas, e bem mais do que um casamento bonito a que me convidaram a assistir. Se calhar ainda podíamos ter partilhado mais algumas histórias giras, tu tinhas um bom sentido de humor. A tua opinião não foi essa.

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