domingo, 19 de maio de 2024

Il Sorpasso.



"Il Sorpasso" foi o lema do Partido Comunista Italiano nas eleições legislativas de 1976. O referendo a favor do divórcio tinha sido um êxito em 74 e o PCI acreditava que em 76 conseguiria ultrapassar a Democracia-Cristã. Não conseguiu. E os 34% de votos obtidos nessa eleição não se voltaram a repetir. Hoje a Itália é governada por Giorgia Meloni, uma populista de direita herdeira dos "sociais-fascistas" nostálgicos de Mussolini.  

Aproximam-se eleições europeias. E o meu medo é este: o populismo está crescer por toda a Europa e, brevemente pode conseguir em muitos países, em Portugal, por ex., "il sorpasso", isto é, passar de terceiro para segundo ou primeiro partido, obrigando a uma alternância ou com a centro-esquerda por ter ultrapassado ou "anulado" o centro-direita tradicional, ou uma alternância com o centro-direita por menorização de qualquer alternativa de esquerda.

Em Portugal a primeira hipótese é bastante possível, vejamos os tempos parlamentares que estamos a viver. Há porém esperança, e ela tem um nome: António Tânger Corrêa, assim mesmo com dois circunflexos, o inenarrável candidato às Europeias do Chega.

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Vamos então país a país na União Europeia e vamos restringir esta sondagem à Europa "Ocidental". Na Europa "de Leste" a batalha é diferente: o populismo as mais das meses governa e o difícil é tirá-lo do poder.

A Itália: começámos este escrito com a Itália. Um pouco de história, por favor: o xadrez político italiano soçobrou no final do século passado à "Operação Mãos Limpas". Ironicamente porém o poder acabou nas mãos do herói maior do populismo europeu, Silvio Berlusconi. Portanto foi mesmo a Itália o primeiro país a ser governado por um político populista. A esquerda sofreu dois terramotos ao mesmo tempo, a implosão do Partido Comunista, que decidiu mudar a sua denominação, e a morte do Patido Socialista, profundamente implicado na corrupção do estado. Toda esta confusão permitiu a criação de partidos bizarros, como o "5 Estrelas", anti-sistema, iniciado por um cómico televisivo e que chegou ao governo ora com a direita ora com a esquerda, Nas eleições europeias de 2019, o primeiro partido era a Liga, com 34%, um partido de direita defensor dos direitos da parte norte do país, em 2º lugar COM 22% o Partido Democrata, uma congregação de centro-esquerda herdeira longínqua da implosão comunista de há 30 anos. Porém nas Legislativas de 2022 o voto da direita tinha migrado para os "Irmãos de Itália", de Giorgia Meloni, com 25%, com os Democratas a obterem apeanas 19%. Il sorpasso estava feito em Itália mas no sentido oposto ao desejado. Giorgia Meloni é hoje o político de referência em Itália.. Democracia 0 Populismo 1.

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Vamos até França. Este país de nobre ideais, tem o movimento de extrema-direita que, na Europa, tem expressão de dois dígitos em eleições há mais tempo no pós-guerra. Jean-Marie Le Pen concorreu nas presidenciais de 2002 contra Jacques Chirac ao ultrapassar o candidato Lionel Jospin do PS Francês na primeira volta. Il sorpasso... Marine Le Pen, a sua filha, arredondou um pouco as arestas do partido cujo nome passou de Frente Nacional para Reagrupamento ("Rassemblement") Nacional e conseguiu repetir a presença da 2ª volta das presidenciais em 2017 e 2022, contra Emmanuel Macron, perdendo em ambas, é certo. Macron? Um homem de centro-direita, nunca de esquerda. A polítiica francesa, na esteira de De Gaulle, é muito personificada. Macron criou o seu partido, que foi esvaziar outros partidos ao centro e por aí perto. Nas Europeias de 2019 Marine Le Pen ficou em 1ª com 23% dos votos, La Republique en Marche de Macron em 2º com 22%.  Os Verdes foram a 3ª força com 13%. Em 2022 nas Legislativas Macron ganhou à justa - 26%/25% - a uma coligação Unitária de Esquerda que duvido que se repita quer no êxito quer no formato, colocando (transitoriamente...) Le Pen em 3ª com 18%... Podemos no entando avançar para um Democracia 1 Populismo 1.

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A Espanha é um caso muito especial pela sua cena política estar muto dominada peal discussão dos separatismos, sobretudo do separatismo catalão. Para além do mais, o principal partido de direita espanhol, o PP, perfilha muito léxico populista e faz da sua oposição ao catalanismo o seu ganha-pão no resto de Espanha. A extrema-direita, o Vox, é uma invenção recente mas já com algum sucesso. Em 2019 os Socialistas espanhóis (PSOE), ganharam as Europeias com 32%, deixando muito atrás - 20% - um PP afogado em casos de corrupção e logo a seguir uma cisão deste (que entretanto já "morreu") chamada "Cidadãos", com 12%. Em 2023 nas Legislativas, o PP obteve 33%, o PSOE 31% e o fenómeno Vox 12%. O PP tentou governar COM o apoio expresso de Vox mas não conseguiu. E os socialistas tiveram que "vender-se" aos independentistas catalães para governar. Humm... Democracia 2 Populismo 1.

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Continuando nos peixes gordos, a Alemanha. O sistema eleitoral alemão no pos-guerra baseou-se sempre na existência de dois grandes partidos, os Cristãos-Democratas (CDU) e os Sociais-Democratas (SPD), que alternaram na governação. Entre 2013 e 2021, por erosão das votações nos dois partidos eles govern aram coligados com Angela Merkel, cristá-democrata, como primeira-ministra. Nesta erosão tinham aparecido à esquerda o "Partido Verde" e "A Esquerda", uma secessão do SPD mais os ex-comunistas da RDA. Mas à direita também apareceu, NA ALEMANHA, um partido de extrema-direita, o "Alternativa Para a Alemanha". Este partido recolhia muitos votos na ex-RDA mas não só. Nas Europeias de 2019 a CDU teve 28% dos votos, os Verdes 20%, o SPD apenas 15% e o AFD 11%. Nas Legislativas de 2021 a ausência de Merkel fez-se sentir. O SPD obteve 25%, a CDU 24%, os Verdes 14% e a AFD 10%. Formou-se um governo de coligação centro-esquerda que ainda se mantém. Democracia 3 Populismo 1.

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Os Países Baixos são um país com um mapa político muito extenso, obrigando sempre os governos a nascerem de coligações. Estas giraram classicamente à volta dos Liberais-Democratas e dos Trabalhistas. Até que no início do século apareceu Geert Wilders. Este dissidente dos Lib-Dem. fundou o "Partido da Liberdade" (PVV) e rapidamente as suas falinhas mansas a defender o "holandês comum" e a falar contra Bruxelas e o Islão ganharam muita popularidade. Lembra alguém? Curiosamente nas eleições europeias de 2019 o PVV descera a votação e só elegeu um depiutado. Os Trabalhista foram 1ºs com 19% dos votos, os Liberais-Democratas tiveram 14%, mais 2 partidos do centro-direita tiveram votos > 10%, idem os "Verdes". Nas Legislativas de 2023 Geert Wilders ganhou com 23% dos votos, à frente duma coligação Trabalhistas-Verdes (15%) e dos Liberias-Democratas (15%). Estamos em Maio de 2024 e os Países Baixos ainda não têm novo Primeiro-Ministro pois as negociações entre partidos onde o 1º votado, o PVV está incluido, ainda não acabaram. Não está decidido o próximo PM mas haverá consenso sobre um programa mínimo comum... Como PM demissionário está há mais de meio ano Mark Rutte, um Liberal-Democrata que governou com apoio parlamentar do PVV de 2010 a 2012 e o inimigo derrotado da implementação do PRR Europeu. Democracia 3 Populismo 2.

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A Bélgica é aquele país que diz que existe mas ninguém acredita que é assim. Dividido em duas metades, a Valónia e a Flandres mais o enclave da capital Bruxelas e uma pequena periferia Germanófila, cada metade é um mundo político à parte que se obrigam a constituir, com dificuldade, um governo federal. E, porém, não têm novas eleições desde 2019! Sim, as últimas legislativas coincidiram com as últimas europeias. Na Flandres, o Vlaams Belang (ou "Interesse Flamengo" - de extrema-direita xenófoba) é 2º atrás da Nova Aliança Flamenga, um partido também independentista mas de direita moderada. A Valónia é dominada tradicionalmente pelos Socialistas, com os Ecologistas em 2º. Nenhum dos partidos que ficaram nas duas 1ªs posições na Flandres participam no governo que se criou no final de 2020, depois de mais de 1 ano de negociações, e que ainda se mantém. O governo assenta numa coligação de SETE, repito, SETE partidos, 4 flamengos e 3 valões, a saber, os dois ecologistas de cada lado, os 2 liberais e os 2 socialistas de cada lado, e os Cristãos-Democratas flamengos. Que metade da população flamenga (60% do país) não esteja representada no governo obriga a coragem democrática. O cordão sanitário ao redor do Vlaams Belang mantém-se. Veremos... Democracia 4 Populismo 2.

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Antes de nos dirigirmos para norte, viajemos até a Áustria.A Áustria é um país curioso. Tendo participado no III Reich pelo Anschluss, no pós-guerra assumiu uma posição neutral como ex-país invadido, fazendo esquecer que Hitler nascera numa pequena vila austríaca. A política austríaca navegou sempre então entre um Partido Popular de centro-direita e um Partido Social-Democrata. Porém, nos anos oitenta do século passado, um novo partido, o FPO, dito Partido da Liberdade, começou a ganhar notoriedade sob a liderança de Jorg Haider. A sua plataforma política era a do costume, anti-islão, anti-imigração, etc. Ganhou votos e votos e em 1999 entrou num governo com os Populares, criando "sensação" na União Europeia. A coisa foi-se "normalizando" e os Populares resistiram durante estes anos ao FPO quer devido à instabilidade performativa de Haider, quer pela adopção das políticas populistas pelo FPO, quer ainda por escândalos sucessivos com gente do FPO. Justamente semanas antes das Europeias de 2019 um novo escândalo se abatera sobre o FPO. Estando outra vez no governo o mesmo caiu por inciativa do Partido Popular, que foi recompensado nas Europeias e nas Legislativas que decorreram dois meses depois, com 34 e 37% dos votos, respectivamente. Os Sociasi-Democratas obtiveram 23 e 21%, o fpo 17 e 16% e os Verdes 14 e 13%. Os Populares governam em coligação com os Verdes desde 2019 até hoje! Democracia 5 Populismo 2.

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Agora vamos até à Dinamarca. A Dinamarca já tecve um partido populista muito influente, o "Partido do Povo" (DF). cujas políticas nos abstemos de referir por serem facilmente adivinháveis. Chegou a ter votações acima de 20%e apoiou o goerno dinamrquês, formalmente de centro-direita, de 2011 a 2011, impondo algumas das suas políticas anti-imigração. No entanto nunca entrou nominalmente em nenhum governo. A adopção das políticas "xenófobas" do DF pelos restantes partidos do arco governativo, polémica em Bruxelas mas não em Copenhaga, acabou por esvaziar o apoio popular do partido. Nas Europeias só teve 10% de votos e nas últimas Legislativas, em 2022, pouco mais de 2%. Em 2022 os Sociasi-Democratas ganharam a primazia com 27% dos votos e encetaram um governo de coligação com os perdedores e ex-governantes Liberais. Mas as políticas anit-imigração ficaram onde estavam.

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A Suécia onde Olof Palme governou e foi assassinado está n uma fase da vida política similar à da Dinamarca 10 a 15 anos antes. Aqui os populistas chamam-se de "Democratas" ganharam 15% dos votos nas Europeias de 2019 e 20% dos votos nas Legislativas de 2022. Os Sociais Democratas tinham tido os primeiros em 2019 (23%) e mais ainda em 2022 (30%) mas foram desapossados do poder pelo 3º partido, os Moderados, centrista, que engendrou uma coligação que com o apoio parlamentar dos "Democratas" hoje governa a Suécia. Os "Democratas" são, para variar, anti-imigração, etc., com uma plataforma económica populista com um apelo transversal. Mas parte das políticas anti-imigração já foram implementadas pelos Sociasi-Democratas enquanto no governo. Democracia 5 Populismo 3.

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E terminamos na Finlândia. Onde um partido populista chamado "dos Finlandeses" (antes chamava-se "dos Verdaeiros Finlandeses") tem dado que falar. A política finlandesa tem tido também o seu partido Social-Democrata a alternar com um partido de direita tradicional chamado Coligação nacional, tendo em adição um patrtido Centrista para compor o ramalhete. Existe também uma opção Verde. Mas falemos dos "Finlandeses". Com origens ruralistas foi fundado em 1995 e cresceu bastante nos últimos anos, Participou  temporariamente num governo em 2015, uma coligação de direita. Nas eleições de 2019 em 1ª aparecia um partido de centro-direita, a Coligação Nacional (20%9, depois os Verdes com 16%, os Sociais-Democratas com 14%, os "Finlandeses" com 13% e o partido Centrista também com 13%. Mas as legislativas de um mês antes dera a (magra) vitória aos Sociais Democratas, com os "Finlandeses" em 2º lugar. Criou-se uma coligação de centro-esquerda que evitou o apoio dos "Finalandeses" e que durou até 2023. A maior parte destes 4 anos a Primeira-Ministra foi Sanna Marin, atacada por algumas fotografias e vídeos onde se notava a sua jovem idade e o paradoxal conservadorismo da Finlândia. Em 2023 o país virou à direita,  a Colgiação Nacional obtendo 20,8% dos votos e os "Finlandeses" 20,1% dos votos. Os Sociais-Democratas tiverma 19,9%, até subindo um pouco mas, por voto útil, absorveram muito voto da esquerda e o novo, e actual, governo ficou a ser de direita, com os "Finlandeses" bem dentro do arco governativo.  Democracia 5 Populismo 4.

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Os partidos populistas partilham a mesma cartilha. A política anti-imigração e anti-islâmica é omnipresente. Economicamente são conservadores e proteccionistas, portanto eurocépticos. Ao nível fiscal defendem a diminuição dos impostos mas mantendo-os  progressivos para agradar às classes mais baixas. 

Então e "Il Sorpasso"? Vendo caso a caso, na Itália já aconteceu e em França também. Em Espanha é improvável, porque o PP hoje pouco se diferencia do Vox. E na Alemanha, exceptuando a zona Leste, também não. Nos Países Baixos "Il Sorpasso" já está aí, na Bélgica o regionalismo congelou a situação por agora. Na Áustria os escândalos reverteram o dito, na Dinamarca também. Na Suécia e na Finlândia o futuro dirá se vão repetir o que aconteceu na Dinamarca, revertendo os respectivos "Sorpassos". De qualquer forma o mapa politico destes países incorporou no seu discurso muita da temática populista. 

Portanto...

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