domingo, 2 de outubro de 2022

As Minhas 101 Leituras: 51-60.




 Mambo e a Ave Mágica - Léon Mercier

Esta foi a minha primeira banda desenhada. Aparecia semanalmente na revista Modas e Bordados que a minha mãe comprava. O meu pai deu-se - coisa rara - ao trabalho de encadernar as páginas que eu semanalmente ia recortando. Léon Mercier é um autor de banda desenhada francês de segunda linha e Mambo o seu herói mais conhecido, aparecido em 1957. Nesta história há uma... "ave mágica" e Mambo, um rapaz-guaxinim, um aventureiro vagabundo que vai ajudar um príncipe herdeiro a recuperar o reino que lhe roubaram. Desenho engraçado, história simples, não há amor como o primeiro, dizem. Não é verdade, mas nunca se esquece.


Maravilhas do Mundo, As / As Maravilhas do Mundo 2 - Roland Gook, ed. Círculo de Leitores.

Este par de livros, editado pelo Círculo de Leitores nos anos 70 e com provável origem alemã, abriu-me os olhos para múltiplas coisas maravilhosas que existiam pelo mundo fora. Ainda me lembro de quando da primeira vez que fui a Berlim com a minha filha a insistência minha em visitar a Igreja Memorial do Imperador Guilherme I, em Berlim ocidental, quase completamente destruída na 2ª Grande Guerra, e cuja refundação através de um templo novo em vidro azul é um sonho da arquitectura moderna... e está no 2º volume.


Maria - José Craveirinha

José Craveirinha foi um grande poeta moçambicano,  a melhor parte africana que ficou da excelente cena intelectual de Moçambique no fim do tempo colonial, contemporâneo de Rui Knopfli e Eugénio  Lisboa. Este livro é completamente dedicado à prematuramente falecida esposa do escritor. Não conheço melhor livro para explicar "o que é o Amor de Uma Vida". E neste livro José Craveirinha fala com a saudosa Maria sobre tudo, num diálogo da primeira até à última página. 

Adágio   "Tinhas razão, Maria. / Sorrisos peculiares de ofídeo / gente que mais bajula / mais periculosa. // Mas porquê, Maria, / se somos tão efémeros? ". /


Mediterrâneo, O - O Espaço e a História - Fernand Braudel & Maurice Aymard.

A história deste Ocidente mau e bom nasce deste mare nostrum cujo nome indica o que durante séculos foi: o centro das terras, o meio que comunicava. Hoje infelizmente separa, a sua travessia hoje em teoria tão mais fácil mas para alguns não e oh tão mais mortal. Fernand Braudel foi o príncipe da nova historiografia francesa, aparecida para o fim do século XX. Escreveu muito sobre o Mediterrâneo. Não romanceando, a história a ser recentrada e reescrita, mas seduzindo com uma escrita de superior qualidade para a terrível epopeia destes povos que à volta de um mar competiam, comerciavam, viviam e morriam.

"A Fenícia é uma guirlanda de pequenos portos encostados à montanha, situados em penínsulas, em ilhotas, como se quisessem permanecer alheios ao continente, frequentemente hostil. Tiro, actualmente ligada a terra firme através de aluviões, estava construída numa ilha estreita, que facultava o essencial à cidade: uma defesa eficaz; dois portos, um a norte, ligando a cidade a Sídon, o outro a sul, para a circulação rumo ao Egipto; finalmente no mar, uma fonte efervescente de água potável, captada no meio da água salgada. Tudo o resto, os víveres, o azeite, o vinho, as matérias-primas, era trazido pelos marinheiros."



Memento Larousse - ed. algures entre 1925 e 1933.

Não sei onde está este livro, de quem o herdei (de meu pai?), o que fiz dele. Memento quer dizer: "Ouvrage où est regroupé l'essentiel des notions où un ensemble de sujets". O livro era maciço, relativamente pequeno, e falava praticamente sobre tudo um pouco. E tinha uma secção sobre geografia que eu longamente bebi, os impérios europeus ainda no seu esplendor máximo. A Rússia era claramente explicada nesta frase: "A Rússia é o único país europeu cujo império está fisicamente ligado à sua terra-mãe europeia". Quase cem anos depois, Putin ainda acredita nisto.


Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

Li este livro há muito tempo. Já não consigo reproduzir o seu fio narrativo. Sei sim que - com alguma Virginia Woolf - aqui mora para mim a melhor escrita. Nunca mais o voltei a ler por completo. Volto a ele por algumas páginas: leio maravilhado e depois vou-me embora.

"Antínoo era grego: remontei através das recordações daquela família antiga e obscura até à época dos primeiros colonos arcádios nas margens da Propôntide. Mas a Ásia havia produzido naquele sangue um pouco acre o efeito da gota de mel que turva e perfuma um vinho puro. Reencontrava nele as superstições de um discípulo de Apolónio, a fé monárquica de um súbdito oriental do Grande Rei. A sua presença era extraordinariamente silenciosa: seguiu-me como um animal ou como um génio familiar. (...) Aquele belo lebréu ávido de carícias e de ordens deitou-se sobre a minha vida. ".




Metro Châtelet Direction Cassiopée / Brooklin Station Terminus Cosmos - Cristin & Mezières

Esta banda desenhada francesa - que já teve uma não muito feliz versão cinematográfica - mistura muitas coisas que eu gosto: ficção científica, desenho bem feito e bem colorido, mexido e dinâmico, um par de heróis jovens e azougados - Valérian & Laureline -  a correr planetas e galáxias. Quando novo até escrevi poesia "inspirada" em Valérian, vejam lá! O mundo de Christin & Mezières sabe construir raças e mundos alienígenas melhor do que George Lucas ou James Cameron. E não facilita na credibilidade da interacção dos nossos heróis de fantasia com a mãe-terra. Este díptico de álbuns mostra isto melhor que nunca, e serão o auge desta série. 


Miguel Strogoff - Júlio Verne

Este livro de Júlio Verne não foge ao resto da sua obra, embora Miguel Strogoff não invente aqui máquinas voadoras nem navegue pelo fundo dos oceanos. Júlio Verne, ao contrário do que consta, viajou bastante embora nunca tenha visitado a Rússia. A leitura que eu fiz muito jovem deste livro definiu para mim o heroísmo máximo. A história exprime os arquétipos da escrita de Júlio Verne, os franceses expansivos e sanguíneos, os ingleses fleumáticos e cerebrais, os russos heróicos e destemidos, os "tártaros" (nome que define grosseiramente quaisquer povos da Ásia Central indistintamente) cruéis e sanguinários. Não importa. O romantismo tardio e exótico de Júlio Verne faz de Miguel Strogoff para mim dos maiores heróis da literatura de sempre. E eu decorei as terras da Sibéria que ele percorreu: Omsk, Tomsk, Irkutsk...

"Na manhã de 16 de Julho, sem vestígios do seu uniforme, munido de um saco de viagem que transportava preso aos ombros, vestindo um simples trajo russo que se compunha de uma túnica cingida, cinta tradicional do mujique, largos calções e botas apertadas na curva da perna, Miguel Strogoff dirigiu-se à gare para partir no primeiro comboio. Ostensivamente não levava armas; porém, debaixo da cinta, disfarçava-se um revólver e na algibeira dissimulava-se uma navalha, misto de faca e de iatagã, com a qual um caçador siberiano abre um urso, sem lhe danificar a sua preciosa pele.".




Miracleman IV - Neil Gaiman & Vários.

Estou finalmente a ler com sistema todo o Sandman, a banda-desenhada que definiu Neil Gaiman como um dos grandes argumentistas da história da Bêdê. Miracleman IV é posterior e é uma sequela de uma série perdida de um seu herói da escrita, Alan Moore. São histórias relativamente pequenas, isoladas, desenhadas cada uma por um artista diferente. Neil Gaiman cria a cada virar de página uma nova inquietação. Miracleman IV é no seu todo um terrível admirável mundo novo onde um Ser Superior comanda um mundo agora perfeito porque... ele faz (não sabemos quando nem onde nem porquê) milagres.


Mrs. Dalloway - Virginia Woolf

Já falei de Virginia Woolf antes. Este livro é para mim o pináculo da escrita.  E pronto! 

"Elizabeth voltou a cabeça. Veio a criada. Tinha de se pagar na caixa, disse Elizabeth, e partiu, arrancando-lhe, foi o que sentiu Miss Kilman, as entranhas do corpo, retalhando-as, enquanto atravessava a sala e depois, voltando-se mais uma vez e fazendo-lhe um delicado cumprimento de cabeça, desapareceu. // Fora-se embora. Miss Kilman ficou sentada à mesa de tampo de mármore, em frente dos éclairs de chocolate, sentindo um, dois, três choques no coração. Fora-se embora. Mrs. Dalloway vencera. Elizabeth fora-se embora. A beleza fora-se embora; a juventude fora-se embora.".


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