domingo, 20 de novembro de 2022

O Tour de 60.



Para o Tour de 1960 o mapa dos favoritos tinha algumas diferenças em relação ao ano anterior. Claro que partia com o dorsal 1 o espanhol que ganhara a edição anterior, Bahamontes. Mas pairava uma incógnita sobre a sua condição, mais ainda ao não ter terminado a Vuelta, prova onde aliás nunca se dera bem. Nestes tempos "an igos" era muito frequente os corredores de CG fazerem a dupla Giro- Tour, muito mais do que hoje. Portanto olhava-se para o Giro para adivinhar quem estava forte no Tour. Não havia tantas provas de 1 semana como hoje há nem os grandes nomes se sentiam obrigados a corrê-las. Isso não quer dizer que os ciclistas destes tempos fizessem menos kms. Alguns nomes de topo sim, escolhiam bastante as corridas. Mas o grosso dos ciclistas fazia milhares e milhares de km por época, incluindo dezenas de "critérios" e "quermesses" onde se ganhava bom dinheiro. 

Posto isto, o Giro fora ganho pela primeira vez por um francês, Jacques Anquetil, embora por margem mínima, 28 segundos. O CR de 68 km tinha sido a chave. Charly Gaul ganhara o habitual "tappone", isto é a penúltima etapa cheia de contagens de montanha, mas só acabara 3º.  E Nencini na mesma etapa descera das ditas montanhas como um louco para ficar 2º a 28 segundos de Anquetil. Anquetil e Gaul decidiram não vir ao Tour. Gaul talvez pelo desgosto do ano de 59, medo do concorrente Bahamontes, ou porque sim/não. Gaul era um tipo esquisito. Anquetil, por outro lado, optou por não entrar numa equipa onde o número um era o vice-campeão do ano anterior, Henri Anglade, e a nova sensação era o detentor do Record da Hora, Roger Riviére. Eram estes os dois cabeças de cartaz franceses, falando-se até mais de Riviére do que de Anglade. Riviére parecia ser uma espécie de Anquetil mas com "mais nervo"... Os italianos traziam o homem que ficara no Giro a 28'' de Anquetil: Nencini. Vinha também Baldini, o velho Defilippis e alguns nomes novos: Imerio Massignan, Graziano Battistini, Arnaldo Pambianco. Nos belgas os nomes do costume: Adriaensens, Brankart, Hoevenaers, Planckaert, Janssens. Na equipa internacional apareciam (pela última vez seria) Alves Barbosa e Antonino Baptista.

O Tour começou com uma dupla etapa, tão do agrado dos ciclistas. De manhã 108 km entre Lille e Bruxelas. Alves Barbosa integrou a fuga e chegou em 6º. Antonino Baptista para não desmerecer atrasou-se 6 minutos. Pela primeira vez em cinco anos a primeira etapa não era ganha por Darrigade. Na fuga, atenção, viajaram 3 belgas, Plackaert, Hoevenaers e Adriaensens, o italiano Nencini e o francês Anglade! À tarde aconteceu um contrarrelógio à volta de Bruxelas de 28km. Riviére ganhou, Nencini foi 2º, Anglade 4º, dentro do mesmo minuto. Bahamontes perdeu uns miseráveis 4' e meio. Alves Barbosa até fez bem melhor do que ele, Antionino Baptista não. Nencini estava de amarelo, Anglade era 2º, Alves Barbosa oitavo.

A 2ª etapa rolou até Dunkerque. Uma fuga terminal decidiu a vitória. Ninguém importante perdeu tempo, os portuguese sim, Barbosa uns poucos minutos, Baptista mais. Aconteceu, porém, um escândalo: Bahamontes abandonou pouco depois de começar a etapa, queixando-se do estômago. A sua má época confirmava-se. Na etapa seguinte, até Dieppe, a fuga tomou mais tempo e assim um dos homens da fuga, Joseph Groussard, ficou com a amarela. Barbosa aguentou-se desta vez no pelotão, Antonino Baptista não. Na etapa 4 voltou a ganhar uma fuga com gente importante, Anglade outra vez, Baldini. Nencini foi prejudicado por um furo. Anglade, o 2º classificado do ano anterior, estava agora de amarelo. Em Espanha falava-se que Bahamontes ia ser consultado por um Psiquiatra. Barbosa era 58º, Antonino Baptista 118º e penúltimo. Na fuga da etapa para St Malo dois belgas, Adriaensens e Plackaert entraram na fuga e assim corrigiram posições. 

A 6ª etapa até Lorient fez história. A 100km da meta Nencini ataca e leva com ele Riviére, Adriaensens,e o alemão Hans Junkerman, o vencedor da Volta à Suiça de 59.  Ganharam na meta mais de 14' ao pelotão onde ia Anglade, o número 1 francês. Riviére ajudou os colegas de fuga pelo menos durante a a primeira metade da escapada e falou-se em traição. Mas ganhou a etapa e, sendo o querido do público, estava tudo bem. Adriaensens tinha agora a amarela, Nencini era 2º a um minuto, Anglade 6º a dez. Anglade ameaçou abandonar, mas não o fez. E profetizou que Riviére acabara de entregar o Tour a Nencini pois não o conseguiria acompanhar nas montanhas. Na 7ª etapa até Angers Antonino Baptista participou na fuga do dia, dando assim algum brilho à sua prestação. As etapas seguintes não tiveram grande história no que aos primeiros lugares diz respeito.

A primeira etapa pirenaica terminava em Pau depois de passar o Aubisque. Ganhou a etapa Riviére, tendo ao lado Nencini, Battistini, o espanhol Manzaneque e o francês Rostollan. O pelotão dos outros melhores chegou a Pau com atraso de 2 minutos. Alves Barbosa perdeu aqui 13 minutos, Antonino Baptista 26. Nencini recuperara a amarela mas tinha Riviére a segundos. A etapa rainha dos Pirenéus acumulava Tourmalet, Aspin e Peyresourde, e terminava em Luchon. Um jovem suiço, Kurt Gimmi, escapou-se no Tourmalet e ninguém mais o viu. Nencini por seu lado atacou no Peyresourde e ganhou tempo com a equipa italiana a comandar os acontecimentos..A equipa italiana. aliás, tinha agora Battistini e Pambianco no top dez, e Imerio Massignan perto. Riviére, Adriaensens e Anglade tinham perdido minuto e meio para Nencini,. Os portugueses voltaram a perder muito tempo. Terminados os Pirenéus a etapa para Toulouse não teve história. Na etapa Toulouse-Millau o italiano Battistini esteve na fuga e passou para 4º da CG, fuga onde esteve presente também o mais irrequieto dos espanhóis, Fernando Manzaneque, irmão mais velho do Jesus Manzaneque que venceria a Volta a Portugal de 73. Antonino Baptista terminou esta etapa fora do tempo de controlo. Restava Alves Barbosa. Era dia de descanso.

A etapa 14 tinha alguma ondulação mas nada de extraordinário. Porém, numa das descidas, Riviére despistou-se e caiu num precipício, fracturando a coluna lombar. Iria a perseguir Nencini, que era um descedor temível. Abandonou o Tour e nunca mais voltou a competir. A vida de Nencini ficava agora facilitada. Adriaensens era o segundo, a pouco mais de dois minutos. Alves Barbosa era 78º. A etapa 15 terminava em Gap. a antecâmara habitual dos Alpes. A equipa italiana controlou a etapa, percebendo-se que os mais fortes da equipa não eram nem Defilippis nem Baldini. A etapa 16 era a etapa rainha dos Alpes, com o Vars e o Izoard. Foi um recital italiano. Battistini chegou primeiro a Briançon, seguido de Imerio Massignan. Meio minuto depois o grupo de Nencini onde apenas estavam Planckaert, Junkerman, Rohrbach e Pambianco. No top dez 4 italianos. Adraensens perdera 1 minuto para Nencini, Anglade dois minutos. os 4 italianos de que falamos também estavam no top dez da geral. Nencini primeiro, Adraiensens 2º agora a mais de três minutos, Battistini terceiro, Pambianco sétimo, Massignan nono. A etapa até Aix-les-Bains tinha 4 prémios da montanha mas com dureza decrescente e o último não muito perto da meta. De qualquer forma fez-se uma selecção de dez corredores que foram os que chegaram juntos à meta: neles Nencini, Anglade, Battistini, Massignan. Os belgas perderam mais terreno: Adriaensens dois minutos, Planckaert 3. Battistini era agora segundo com Nencini primeiro. O Tour estava entregue, salvo algum acidente. Alves Barbosa era 67º em 84 sobreviventes. Na etapa até Thonon-les-Bains, de média montanha, o melhor espanhol em prova, Manzaneque, venceu destacado com 12' de vantagem sobre um calmo pelotão.

A etapa 19 foi um contrarrelógio de 83 km. Tinha sido desenhado para Anquetil e Rviére, nenhum deles estavs presente, um por abstenção, o outro por dramática queda. Ganhou um especialista, o suiço Rolf Graf. Nencini foi terceiro, Battistini foi quinto. A Itália tinha garantido não só o primeiro mas os dois primeiros lugares. As outras estrelas italianas não eram craques do CR mas mantiveram-se no top dez. Adriaensens era terceiro a 10' de Nencini. As duas últimas etapas serviram apenas para cumprir calendário. Nencini vencera categoricamente este Tour com o seu lugar-tenente Battistini a ser segundo. No terceiro lugar o belga Adriaensens e quarto o alemão Junkerman. No quinto lugar Joseph Planckaert, sexto Raymond Mastrotto, o melhor francês graças a um CR excelente dois dias antes, sétimo Pambianco, que viria a ganhar o Giro de 61, oitavo o desmoralizado Anglade, nono o francês Rohrbach, e em décimo outro trepador italiano, Imerio Massignan. Alves Barbosa foi 65º.

Os portugueses só voltaram ao Tour em 1969 com Joaquim Agostinho.

A fotografia acima mostra Riviére e Nencini. Roger Riviére morreu aos 40 anos por complicações de um cancro da laringe.  A sua vida tinha sido assombrada por variadíssimos problemas, parte deles a ver com a sua dependência de opióides, iniciada já nos tempos de ciclista.

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