quinta-feira, 11 de junho de 2015

Morreu o Sr. Augusto.

Não tenho escrito. Sobre o quê? Não tenho escrito.

Hoje meti uma folga. O motivo foi bem científico: fui cortar o cabelo. 

Ontem de manhã fui até à igreja de S.Mamede de Infesta. Assumi - mal - que já lá estivesse em câmara ardente o Sr. Augusto, morto no meu Hospital na noite anterior. Amanhã não queria ir trabalhar. Com o Sr. Augusto para mim morreu meio Hospital. É como se tivesse ficado sem casa.

Conheci-o há uns bons vinte e cinco anos, ainda andava eu em construção. Gostávamos de uma boa conversa, uma boa piada, raparigas bonitas. Não se enganem: o Sr. Augusto era homem de uma mulher só e de um só carro, um Mercedes que sobrara dos seus tempos em África. Trabalhava nas oficinas, orgulhava-se de ser amigo de todos os Ortopedistas para quem não só consertava mas também inventava o que eles pedissem. Ria-se dos engenheiros que mandavam nele tal qual eu... enfim. A morte da esposa, minha doente, destruiu-lhe o fio-de-prumo que lhe orientava a vida. Um amigo comum também já falecido - o Armando Urger, de quem também tenho saudades - avisou-me do que ia acontecer. Claro que houve ajudas, no mau sentido, mas essa história não é para hoje. Em dez anos o Sr. Augusto envelheceu trinta. Zanguei-me com ele mais do que uma vez, pelo descuido. É uma merda a vida. Há uns três meses pediu-me para ficar internado, sem outra razão objectiva que não a má vida que lhe acontecia "lá fora". Se eu pudesse tínha-o internado. Até aqui o Sr. Augusto foi correcto: um mês depois forneceu-me derrame pleural quanto baste para o mandar para a Urgência. Não foi o princípio do fim, este começara muito antes. No meu Hospital devia inaugurar-se o Corredor do Augusto, ou a Sala de Estar do Augusto, o Pátio do Augusto, enfim, um sítio onde eu pudesse encontrar-me com os amigos que no Hospital ainda tenho, lembrar quem já foi, por morte ou reforma, e falar de bonitas raparigas, boa comida, contar uma piada. Um sítio onde o tempo perdido fosse a única recompensa. Nem eu nem o Sr. Augusto cumpríamos horários, porque sempre os excedíamos. Gostávamos do que fazíamos e de o fazer bem. Não sei como é que vai ser a partir daqui. 

PS.: o Sr. Augusto não deixou descendentes.