segunda-feira, 26 de março de 2018

Cantaloop.



Mas os anos noventa foram mais meus do que os anos oitenta. Nos anos noventa parecia que toda a música podia ser reinventada e tudo só poderia melhorar. Cada ano aparecia um som melhor, como se houvesse um caminho e um plano para o mesmo. Sim, estou a falar sobretudo de música. Acabou por não ser assim. E perdi-me eu algures entre o mp3 e o streaming. Em noventa e três porém tudo parecia possível.

Limões e limonada.


É o fim da tarde, é o intervalo entre duas das pequenas tormentas com que os metereologistas nos têm atormentado dando-lhes nomes como se contassem, como se fossem muito mais do que um pouco de frio, de chuva, de vento num país de clima oh sim tão temperado. Está sol, ainda está. No meu terraço não há muito que faça ressaltar o valor facial deste fim de tarde. Talvez só a firmeza da parede virada a poente, de um castanho quente, e a reverberação amarela que o sol cria num cacto. Sim, num cacto. O melhor deste fim de tarde é amarelo e reside num cacto. Pensando bem, porque não?

Sittin' On A Fence

São meus os anos oitenta e depois os anos noventa. Para dar um exemplo, lembro-me de agarrar-me furiosamente ao optimismo que nos anos noventa provinha da música electrónica e pop japonesa, constituida por uma dúzia de fascinantes nomes descendentes em linha directa dos Yellow Magic Orchestra e de muita coisa do lado de cá. Os Kyoto Jass Massive, os United Future Organization (U.F.O.), os Soul-Bossa-Trio, a Fantastic Plastic Machine. Pelos nomes via-se ao que vinham. Ouvia-os até ao cansaço. 
Os U.F.O. tinham uma pequena editora, A Browswood Workshop, que no fim de 1993 (claro!) editou uma colectânea chamada "Multidirection" onde esta malta cantava toda. Gostei sobretudo do tema de um grupo chamado "Small Circle of Friends" - "pequeno grupo de amigos", coisa que eu nunca tive, o tema "Sittin' On A Fence". E o que é a canção? Um fantático rap em japonês cujo gatilho é "sittin' on a fence": estar algures empoleirado numa vedação e a pensar, a pensar, salto ou não, passo ou não para o outro lado, e calmamente decidir e a passo caminhar para é certo, escolhido o lado correcto. Que engraçado! E, pergunto-me, porque penso eu agora nisto? Sei que são também meus estes anos de agora...






domingo, 25 de março de 2018

Porque não gosto da Cristina Branco mas os holandeses sim.

Eu não gosto da Cristina Branco mas sei que os holandeses sim. E eu sei a razão. É simples: quando ela canta eu não consigo entender a letra. E os holandeses? Também não!

domingo, 18 de março de 2018

The Great Deception.



Estou a voltar de Ovar. Ainda não são as cinco da tarde e, na A-não-sei-quantos por alturas de Vilar do Paraíso o trânsito está parado. 
Estou a ouvir "The Great Deception" de Van Morrison, canção com quase a minha idade. Das desilusões tive-as já quase todas. Pelo andar da canção parece-me que o Van Morrison também, e bem novo. De onde vem, para onde vai toda esta gente? Estaremos todos combinados sem querer e, depois de almoçar numa casa onde somos queridos, estaremos todos a voltar em paz para a casa nossa? 
Sei que, uma vez chegado ao destino, a proverbial inquietação que me desune das horas mais calmas vai obrigar-me a sair de casa outra vez, se calhar para escrever ou talvez para ir buscar coisas em falta a saber: granola, uma rosa vermelha.
Granola, uma rosa vermelha. O futuro próximo da sua procura transformam o meu prosseguir parado no trânsito em algo único e singular. Mas o "quase" que acima aparece permite-lhe (permite-me) ser ainda "transmissível". 
Parado no trânsito vou resumir e concluir para que se entenda e conste: amo e sou amado. Pouco mais posso pedir, Van Morrison.

Das datas que são seguidas (como hoje e amanhã).

Uma vez esqueci-me do aniversário do meu pai. Não foi há muitos anos, dez, quinze, vinte? Haverá meia dúzia de coisas imperdoáveis que eu fiz (até agora) na vida. Esta uma delas. Não me lembro bem porque aconteceu. Estaria atarefado com as coisas da vida, com aquela sensação que sempre carrego comigo que os factos da vida, que eu vejo sempre como uns dossiês enormes e impenetráveis, incontornáveis, invencíveis, os factos da vida iam-me ultrapassar pela direita, pela esquerda, por todos os lados. 

Mas o aniversário de um pai não se esquece. Telefonou-me a minha mãe na manhã a seguir. O meu pai tinha ficado em silêncio, junto ao telefone, até tarde, até o dia vinte e dois de Novembro deixar de o ser e passar a ser vinte e três. Liguei-lhe, claro, desculpando-me. E mesmo assim, facto indesculpável número dois, nesse dia vinte e três não peguei no carro e não venci a preguiça da distância, trinta e poucos quilómetros, para me desculpar pessoalmente. 

Não conheço homem mais sozinho do que o meu pai. Não lhe conheci um grande amigo, nem pequenos. Conhecidos, sim, pessoas que se aproveitaram dele também. Mesmo no que diz respeito aos irmãos não é (era) próximo de nenhum. Há dias encontrei uma fotografia onde a minha mãe o beijava. A surpresa pelo achado diz tudo. Sei o importante que sou para ele. O importante que sempre fui. A sua existência, o seu estar na pouca vida que tinha, que sabia ter, que ainda tem, ganhava legitimidade por eu existir e por pouco mais. Não esquecendo a correcção que colocou em tudo, tudo o que fazia. Antes de ficar limitado na marcha como hoje está vivia na rua, a caminhar de um lado para o outro, sozinho, sempre. Levando-me, um pouco, com ele, eu sei. Mas houve um dia em que não.


Logo a seguir ao meu aniversário está o Dia do Pai e a este suceder imediato dos dois dias não há nada que se possa fazer. 
É para não te esqueceres, "rapazinho"!

Isto não é uma performance.

A narrativa começa com o olhar. E o que vejo? Lá em cima, perto mas em cima, frutos. 
O que fazer? Leva tempo a decidir. 

Os frutos possuem consistências que os individualizam. Procuro o sumo. Nuns ele sai, agradecido. Noutros não. O que rejeitar? Posso quase dizer que cada fruto tem uma personalidade que é a resistência do seu corpo à minha exploração violenta. Um copo de sumo. E mais: acertar no copo!

Os frutos são tantos! Dêm-me espaço para repensar. Eu queria contar uma história. Os frutos, sua cor, são a negação do branco onde me encontro. Espremê-los, outra vez, e desenhar. A explosão do Solanum lycopersicum uma agradável surpresa. A minha história agora está contada. Nem uma palavra sobre isto.

Já me esquecia, o sumo! Bebê-lo até ao fim. Reiniciar? Impossível. O sumo não pode voltar para os frutos que não podem voltar para as árvores. Bebê-lo com calma, pois uma vez mordida a maçã, espremido o seu sumo, que fazer? Que sobra? Não vamos discutir agora a diferença entre beber o sumo e tricar a polpa, outra história será e outro dia.

Não esquecer de vender a fruta que sobrou no fim do espectáculo. 


ps: isto não foi uma performance mas sim uma história que eu inventei à volta de uma performance. Galeria Monumental, Lisboa, 19h, 8/3/2018.








quinta-feira, 8 de março de 2018

2048


Conheço um tipo que passa a vida a olhar para o telemóvel, mexendo-lhe com um dedo, direita, esquerda, cima, baixo. Zuca, zuca, zuca,é um jogo o que ele está sempre a jogar. Os telemóveis são os nossos melhores amigos, os telemóveis são bons. O meu amigo não gostava de esperar. Agora espera e joga. Quando algo acontece, quando alguém chega, ele fecha o jogo como quem fecha um livro, um envelope, uma pasta. Recomeça no intervalo a seguir.
Um destes dias, nosso o encontro, o meu amigo demorou uns quinze segundos extra a fechar o telemóvel e eu perguntei-lhe se havia algum problema. “Não, respondeu. É o jogo.” O meu amigo explicou-me que, à força de tanto praticar, já fazia pontuações mais altas, em vez dos 20000 de antes agora era 50000, 80000… “Passei para outro nível, percebes?” disse-me, encolhendo os ombros. “Ah, isso é bom!”. “Não” - respondeu-me - “E sim. Percebes que agora mais facilmente chegas lá. Mas o jogo sempre acaba com uma derrota inapelável. Se calhar com lógica. Não é sempre assim?”. Fomos à nossa vida, comemos, conversámos.
Se calhar é sempre assim. É jogo a vida. E, já muitos os anos, acontece que passamos para outro nível. Onde sempre acabamos por perder. Perdemos, isso sim, mais tarde.