domingo, 23 de outubro de 2022

Kabul

Kabul é uma província que neste momento corresponderá na sua quase totalidade ao que é a urbe capital do Afeganistão, com os seus 5 milhões de habitantes. 

Kabul fica a uma altitude de 1800m num vale rodeada de montanhas mas está bem comunicada com o norte - Mazar I Sahariff, o oeste - Herat, o leste - Jalalabad e o Paquistão e o sul - Kandahar. O estar no coração do Hindu Kush pode considerar-se estratégico para Kabul aparecer como o "coração" do Afeganistão. A sua população é sobretudo uma mistura de pashtuns e tajiques, com uma forte minoria hazara mas, tendo em atenção que a maioria da população fugiu da guerra  - a população triplicou em 25 anos, qualquer minoria afegã está representada em Kabul.

No entanto a capitalidade de Kabul é uma invenção pashtun, como a invenção do Afeganistão o é. Kabul só ganhou importância no séc XVI  quando se tornou capital do império Mughal, que não o foi muito tempo, tendo a capital Mughal transitado para Agra, onde está o Taj Mahal. No final do séc XVIII o embrião do reino do Afeganistão foi criado por uma familia pashtun, os Durrani, com a capital a passar de Kandahar para Kabul para evitar o carácter mais belicoso das gentes de Kandahar. A capitalidade de Kabul nunca mais se perdeu. A sua primazia populacional perante as outras cidades do país aconteceu só no séc. XX e mais pela guerra do que pelo centralismo governamental. 

Kabul portanto tem menos história nas suas ruas e praças e monumentos do que algumas outras cidades do Afeganistão. Mas tem oito vezes mais população do que a segunda cidade do Afeganistão, Kandahar.

Nove coisas sobre a província e a cidade de Kabul:


Kabul tem o seu rio e nisto não ia ser diferente das outras cidades afegãs. E até segue aquilo que é habitual, o rio partilhar o nome com a cidade. O rio Kabul nasce a 70 km a oeste da cidade numa das cadeias montanhosas que a rodeiam. Corre para leste e assim segue até no Paquistão se unir ao Indo. A bacia hidrográfica do Kabul é única no Afeganistão no sentido que a sua água não se "perde" em nenhum deserto ou região pantanosa mas sim consegue chegar ao mar. Chega mas cada vez menos água consegue chegar. Isso nota-se ao passar por Kabul, muita da água represada a montante em barragens e para utilização agrícola. Por outro lado, o leito do rio, com ou sem água, recebe grande parte do lixo da cidade, seja ele sólido ou "liquido".


A oeste de Kabul fica a cidade de Paghman, nas encostas da montanha do mesmo nome. Nasceu em Paghman o rei Amanullah Khan, que nos anos 20 do século passado tentou modernizar e ocidentalizar o país. Criou uma espécie de Jardins Reais em Paghman, com um "Arco do Triunfo" à entrada. Havia um "dresscode" para frequentar os jardins - ocidental. Paghman era uma espécie de Capital de Verão, uma cidade-jardim. O rei foi forçado a abdicar em 1929 e o "dresscode" foi abandonado. O complexo de jardins foi restaurado recentemente. E em 2014 foi construído uma espécie de castelo/palácio que serviria para receber visitantes ilustres ao Afeganistão, etc., com mais um conjunto de jardins públicos à volta.



Ainda em Paghman foi construído - pelo mesmo rei - a primeiro cinema doAfeganistão, em 1923. Hoje as ruínas deste cinema foram transformadas numa mesquita com uma face estranhamente ocidental.


Kabul saiu da guerra civil em 92 completamente em ruínas. Querendo ou não querendo os talibãs pouco reconstruiram. Os vinte anos de patrocínio ocidental viram Kabul transformar-se numa cidade de contrastes, com zonas onde cresceram arranha-céus enquanto a cidade se expandia informalmente pelas encostas das montanhas à volta acima, sem água, sem luz, barracos as casas construídas.


O distrito de Surobi é a parte mais a leste da província, sendo uma zona montanhosa relativamente pouco povoada. Tem várias barragens que fornecem água e electricidade à capital. Nos anos noventa nas montanhas de Surobi existia um famoso campo de treino da rede Al-Qaeda. O campo foi arrasado pelos Americanos após o ataque à Embaixada Americana em Dar-es-Salaam em 1998. 

Os Jardins de Babur são o espaço verde a visitar em Kabul.  Construídos à volta do túmulo de Babur, o primeiro imperador Mughal e o homem que criou a importância de Kabul, já sofreram múltiplas devastações. A Fundação Aga Khan tomou a seu cargo, após 2001, a reconstrução e revitalização de todo o espaço, incluindo um enorme espaço ajardinado, com múltiplas árvores de fruto, o túmulo de Babur, uma mesquita e um palácio. Fechado todo o complexo por um muro alto - para que árvores não fossem extraídas para aquecimento no inverno - em  2016 tinha recebido mais de um milhão de visitas, 100 afegãs a entrada.


Kabul tem também uma cidadela, sediada num alto de onde desce um lanço de muralhas. A norte ficam os bairros que poderão constituir a "Cidade Velha" de Kabul, constituída após o primeiro surto de prosperidade de Kabul, no séc. XVI. Não tem a dimensão, por ex., da de Herat pois a cidade não tinha a mesma importância. Vários edifícios e casas da Cidade Velha estão a ser restaurados por várias ONG, uma delas a Turquoise Mountain Foundation. Muito tem sido feito. De 2021 para 2022 não sabemos o que aconteceu. Num documentário alternativo sobre a Guerra no Afeganistão, "Bitter Lake" um professor inglês da Turquoise Mountain Foundation (ONG fundada pelo então Príncipe Carlos) explica a um grupo de mulheres afegãs o quão revolucionária foi a peça "Fountain" de Marchel Duchamp... 


O melhor hotel de Kabul e, dizem, do Afeganistão é o Serena, de 5 estrelas. Pode-se marcar noite no Booking a partir de 203 euros.  Ester hotel foi atacado pelos Talibã duas vezes, em 2008, onde o ataque visou a área do ginásio e o spa, causando seis mortos, e em 2014, quando um ataque ao restaurante na hora do jantar causou nove mortos, incluindo um conhecido jornalista e quase toda a sua família.


A oeste de Kabul fica um extenso lago artificial construído nos anos trinta do século passado para ser zona de lazer. Tendo um hotel anexo, um campo de golfe, um viveiro para fomentar a pesca de trutas, instalações para prática de vários desportos, uma zona arborizada para piqueniques, as últimas imagens que apareceram na net desta zona de diversoes eram de combatentes talibás a divertir-se e descansar. As memas imagens correram mundo, mas acontecendo num Parque de Diversões inaugurado em 2014 no centro de Kabul, onde os jovens combatentes rebeldes conduziam divertidíssimos carrinhos de choque. Kabul possui ainda dois Aquaparques, também de construção recente. Os governantes Taibã decretaram no fim de 2021 que os seus soldados não podiam entrar nestes espaços de diversão, armados, em uniforme, nos seus veículos. Por outro lado, ficou definido que os homens visitariam os parques de quarta a sábado e as mulheres de domingo a terça. Um vídeo que circula no Youtube e onde só se vêem homens a passear num destes sítios, já sabemos, foi filmado numa quarta, quinta, sexta ou sábado, noutro dia da semana não.






 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Como vão ser as Grandes Voltas Ciclísticas em 2023 - análise equipa a equipa.



A narrativa do ciclismo de estrada de 2022 está a terminar. O ciclista mais forte da temporada voltou a ser Pogacar mas... ele perdeu o Tour para Vingegaard.  2023 vai viver à volta da tentativa de desforra de Pogacar. Pogacar e Vingegaard são corredores com perfis não iguais. A fantástica história do ciclismo de estrada continua a escrever-se.

Pogacar tem 24 anos e já ganhou 2 Tours. Com a mesma idade Merckx, Hinault ou Anquetil só tinham ganho um Tour, Merckx o único que por outras vitórias - um Campeonato do Mundo, vários Monumentos, um Giro de Itália - pode considerar-se ter aos 24 anos construído um palmarés um pouco mais extenso do que aquele que Pogacar tem. Dos italianos Bartali aos 24 anos tinha ganho o primeiro de dois Tours e dois Giros, Fausto Coppi um Giro -  a sua carreira precocemente interrompida pela 2ª Guerra Mundial. Indo a outros nomes, LeMond ganhou pela primeira vez o Tour aos 25, Indurain aos 27, Lance Armstrong (não) ganhou aos 28 anos de idade, idem Chris Froome, Alberto Contador ganhou pela primeira vez aos 25 anos, como Vingegaard (que só faz 26 anos em Dezembro). 

Bom, mas estamos a dispersar-nos.

A equipa que ganhou o WorldTour foi a Jumbo-Visma. Os seus cabeças de cartaz para três semanas são os mesmos mas a ordem de enunciação mudou: Vingegaard à frente, um Tour no bolso,  depois Roglic, 7 anos mais velho. Roglic ganhou três Vueltas e, não houvesse um problema de ombro, talvez tivesse conseguido atrapalhar mais a vida de Evenepoel na Vuelta de 22 e ganhar a 4ª. Não pôde ser. Dependendo de como acontecer a primeira parte da época eu acho que a Jumbo-Visma vai levar os dois ao Tour a não ser que Roglic peça especificamente para ir ao Giro - que vai ter muito CR,  dizem. A Jumbo-Visma tem muitos outros nomes capazes para três semanas, mas poucos com perfil de líder: Dennis, Foss, Gesink, Kruijswijk, Kuss... Dennis já se deixou disso, Kuss a liderar nunca deu conta do recado, Gesink já passou o tempo dele. Foss, um pouco mais novo do que Vingegaard e que já ganhou um Tour du Avenir e fez um top 10 num Giro (em 21), só mostrou serviço em 22 ganhando surpreendentemente o título mundial de CR. Pode ser renovada a aposta no Giro (o CR... ) ou numa Vuelta. Por outro lado Krujswijk, que já fez pódio num Tour e que podia ter ganho aqui há anos um Giro não fosse certa e determinada queda, pode merecer da equipa uma última hipótese de liderança, num Giro ou numa Vuelta. Tudo isto dependerá do plano para Roglic. E da equipa escalada para o Tour. 

A segunda equipa na classificação WorldTour é a UAE. a equipa do 2º classificado no Tour, Pogacar. E Pogacar vai tentar o 3º Tour, contra Vingegasard. Embora os tempos não sejam os mesmos, Pogacar domina o calendário da equipa UAE como Merckx dominava o calendário das equipas em que se encontrava. Pogacar é o novo "Canibal", Evenepoel apenas um candidato a sê-lo. Portanto tudo dependerá da equipa que se considerar que Pogacar necessite para o Tour. Escaladores como Majka, Bennett, Soler, não terão qualquer alternativa senão assumir o papel de gregários. Dos outros líderes putativos, Almeida, Ayuso, McNulty e Adam Yates, alguém pode ter que "amochar" no Tour. O nosso Almeida pode ir pela 3ª vez ao Giro, como líder ou co-líder, acompanhado por Ayuso ou Yates, A este não sei o que foi prometido para além de dinheiro. Ayuso quererá tentar melhorar o que fez na Vuelta? Pogacar quererá também ganhar a Vuelta se conseguir ganhar o Tour? Por outro lado, McNulty, o australiano tido como o melhor herdeiro de Cadel Evans, tem  a mesma idade de Almeida mas não tem os três top-dez em 3 semanas que Almeida tem. Vai ser o ano do tudo ou nada. Talvez Almeida e McNulty ou Ayuso no Giro,  Yates e Ayuso ou McNulty na Vuelta. Sobre João Almeida, vamos ter calma. Está nos dez-quinze melhores voltistas do pelotão internacional. Só isto já é um orgulho.  

A terceira equipa é a Ineos-Grenadiers. Vamos assumir que até ao fim do ano a Ineos não consegue comprar Evenepoel. A aposta 2023 será o retorno de Bernal. Bernal fará 26 anos no início de 23 e, dependendo de como se apresentar durante a primeira metade da época, irá ao Tour. Só que a Ineos, longe dos tempos de Froome em que dominava as corridas, será apenas e só mais uma das equipas presentes. Geraint Thomas conseguiu um pódio no Tour em 22, mas foi ele que o conseguiu e não a equipa. O comboio escangalhou-se em 2020 e nunca mais voltou a ser o que tinha sido antes. A Ineos precisaria mais do que contratar novos corredores uma nova equipa de psicólogos. Não vamos duvidar da opção Bernal, para dar alguma estabilidade ao nosso raciocínio. E os outros? Comecemos por Thomas. Thomas não deve voltar ao Tour mas sim tentar o Giro, onde a sorte não lhe tem sorrido. Como co-líder talvez leve Carlos Rodriguez, a penúltima novidade espanhola. Agora é importante falar de dois corredores cujo futuro não percebo qual vai ser: Geoghegan Hart, 28 anos e o agora francês Sivakov, 26 anos. Hart ganhou o Giro "às costas" de Rohan Dennis em 2021 e depois não fez mais nada de jeito. Sivakov nos sub-23 era uma espécie de Evenepoel, ganhando tudo, fez 9º no Giro em 2019 e depois... nada. Gregários apenas? O comboio de Froome tinha em tempos que já lá vão ciclistas que não tinham projectos seus de 3 semanas, com a excepção de Thomas, que soube esperar o seu momento. Estes dois vão fazer o quê em 2023? "Gregariar" e mais nada? Geoghegan Hart tem o handicap de não ser um CR excepcional. É que entretanto a equpa foi buscar a sensação holandesa Arensman, 23 anos e 6º na Vuelta e tem duas pérolas inglesas a crescer, Pidcock, 23 anos também e que ainda não decidiu se quer ser um voltista,  e Leo Hayter, 21 anos, que arrasou no Baby Giro de 22. Termino com Daniel Martinez, o gregário que segurou Bernal no Giro de 21 e que em 22 não conseguiu ganhar mais protagonismo. Vai ser o gregário de eleição no Tour de 2023, this much we know. Talvez lhe ofereçam a Vuelta ao lado de gente mais nova.

Em 4º lugar ficou a equipa alemã Bora-Hansgrohe. As suas estrelas de 3 semanas são duas: Jay Hindley, que ganhou o Giro em 22 e Vlasov, que foi 5º no Tour de 22. Quem ganha o Giro habitualmente salta para o Tour no ano a seguir. E Vlasov pode "recuar" para o Giro para o tentar ganhar (já foi 4º), é um bom CR e sobe bem. As restantes figuras de 3 semanas da equipa seriam a) Buchmann, 30anos, um homem que já foi 4º no Tour em 19 mas que depois por doenças e lesões só voltou a correr decentemente em 22, fazendo 7º no Giro. b) Higuita, um colombiano que teima em não conseguir saltar das corridas de 1 semana para as de três. Talvez não queira. Este ano ganhou a Catalunya e foi segundo na Suiça.e teve bons resultados em provas de 1 dia. A um deles será oferecida a Vuelta.

A Intermarché-Wanty é uma equipa belga que teve resultados muito bons em 22. Em 23 vai correr com Rui Costa integrado no seu elenco, vamos ver para o quê. Para três semanas esta equipa só tem um cruzado que luta sózinho contra a vocação (que é outra) da equipa e que se chama Louis Meintjes, um sul-africano que em 22 teve a sua melhor época de sempre: 7º no Tour e 11º na Vuelta. Em 23 não deve fazer muito melhor mas talvez não pior.

A Quick-Step - que em 23 se vai chamar Soudal-Quick Step - tem uma só estrela para três semanas e chama-se Evenepoel. E que estrela! Se houver juízo vai tentar em 23 ganhar o Giro depois de ter ganho em 22 a Vuelta. Se não houver juízo vai correr o Tour e ser trucidado pelo duelo Pogacar-Vingegaard. Com a mesma idade brilhou a seu lado na Vuelta o belga Ilan Van Wilder. Tem a mesma idade. Seria uma pena se este corredor fosse apenas entendido como um gregário.

Atrás da Quick Step aparece-nos uma equipa, a Bahrain, que sofreu bastante em 22, incluindo rusgas policiais por suspeitas de doping, aparentemente não confirmadas. Aqui gente para 3 semanas há bastante. Ha 2 espanhóis, por ex., que não podem ser o mais diferentes um do outro. Um chama-se Landa, e nunca se sabe o que esperar dele. Foi 3º no Giro e 3º na Lombardia, no resto da época desapareceu. Há muito que lhe está prometida uma vitória numa Grande Volta que, provavelmente, nunca irá acontecer. Peio Bilbao, por outro lado, é constante e fiável, embora se perceba quer nunca será homem de pódio. Tem 4 top dez em 3 semanas, 3 no Giro, 1 no Tour. E entregou ao longo da época pontos e pontos à equipa, como mais ninguém fez. Também nesta equipa está um trepador australiano que dá pelo nome de Jack Haig e que nos últimos 2 anos desistiu precocemente do Tour por queda. Em 21 voltou para fazer pódio na Vuelta, em 22 não mais voltou. A equipa tem ainda o suiço Mäder, que fez 5º na Vuelta de 21 mas este ano que passou não confirmou, e um novo colombiano, Buitrago, que pode fazer coisas interessantes. Os veteranos Caruso e Wout Poels estão ambos com 36 anos e épocas de 22 para esquecer e não devem entrar nestas contas. Parece-me a mim que Bilbao vai voltar ao Giro, talvez com Mäder. Landa é imprevisível e talvez se guarde para a Vuelta depois de falhar no Tour. Haig tentará o Tour pela 3ª vez?

A primeira equipa francesa nesta história só tem um homem para as 3 semanas e chama-se David Gaudu que, em 22, finalmente conseguiu um respeitável 4º lugar no Tour. Dificilmente conseguirá melhor mas ainda não deve desistir em 2023 de tentar um pódio na corrida de casa. Pinot já abandonou estas andanças. Outros elementos na equipa poderão fazer alguma coisa se houver uma aposta noutra Grande Volta, nomeadamente Michael Storer, mas isso implicaria retirar a Gaudu o apoio do seu melhor gregário. A euipa tem ainda, recém-promovidos da formação dois trepadores franceses de 19 naos com muita qualidade, Romain Gregóire e Lenny Martinez, vamos ver o que fazem em 23.

A Alpecin é a equipa que vem a seguir e em 2023 vai subir ao nível WorldTour. Sendo a equipa de Mathieu Van Der Poel, não tem corredores com tradição de 3 semanas. E assim deverá continuar - a não ser que decidam oferecer ao neozelandês Jay Vine, que brilhou na montanha da Vuelta em 22, carta branca numa prova de 3 semanas para tentar a CG e não ganhar etapas. Equipa de apoio não terá.

A Cofidis é a próxima equipa francesa na classificação de 2022 e como a Groupama só tem um homem para as 3 semanas e que se chama Guillaume Martin. Mas enquanto o lugar natural de Gaudu é um top 5 o lugar natural de Martin é um top 10. Em 21 fez 8º no Tour e 9º na Vuelta. Em 22 não repetiu nada disso. Terá 30 anos... A Cofidis contratou o espanhol Ion Iazguirre esperando talvez fazer dele um líder. Não aocnteceu. O seu top 10 na Vuelta já tem uns anos em cima. O seu jeito para as provas de 1 semana manteve-se.

A Movistar agora, no fim de 22, só respira Mas, Mas, Mas, depois do seu combativo 2º lugar na Vuelta, o 3º da carreira. Aos 28 anos Eric Mas tem 6 top 10 em Grandes Voltas.  No Tour já foi 5º. Conseguirá melhor em 23? A Movistar não tem mais nada do que isto neste momento, reformado Valverde. Ivan Ramiro Sosa é mais um colombiano que prometeu muito mas tarda em dar o salto. Em 23 fará 26 anos. A equipa tem ainda um americano interessante, Matteo Jorgenson, que fará 24 anos em 2023. Nota: não está confirmada a transferência de Rúben Guerreiro para a Movistar, sendo que o Rúben não é um corredor para 3 semanas, apesar de todas as suas qualidades.

Aparece agora aqui a equipa americana Trek-Segafredo. Nela brilha um homem que já foi de 3 semanas, o holandês Bauke Mollema, mas que agora já não se dá ao trabalho, caçando etapas e outras corridas. Tem 36 anos... Por outro lado Giulio Ciccone é um italiano que tem prometido talvez dar o salto para as 3 semanas. Esteve muto bem no Giro de 21 até desistir. Aos 28 anos quererá ele voltar a tentar a CG do Giro?

A equipa francesa Arkéa Samsic tinha um homem de 3 semanas e que dava pelo nome de Nairo Quintana. O seu valoroso 6º lugar no Tour está agora hipotecado a um positivo para tramadol (que não é doping mas...). Quintana quer sair da equipa e ninguém até agora o quis pelo que... está neste momento sem contrato. O futuro de Nairo Quintana está neste momento por se saber.


A AG2R é mais uma equipa francesa e que tem apenas uma vaza para as três semanas: Ben O'Connor. O australiano foi um surpreendente 4º no Tour de 21 e (apenas?) 8º na Vuelta de 22, depois de ter-se "afundado" no Tour. Deve voltar ao Tour em 23, o ano em que faz 28 anos. A equipa tem um austríaco interessante, Felix Gall, mas é pouco provável que lhe permitam um salto para as provas de 3 semanas.

A Lotto-Soudal vai descer do nível WorldTour em 2023. Não tem corredores para 3 semanas nem nunca foi o seu objectivo tê-los.

A equipa australiana BykeExchange tem um único homem para 3 semanss, Simon  Yates. Yates já ganhou uma Vuelta.  Mas em 22 não terminou nem o Giro nem a Vuelta. Capaz do melhor e do pior - e no melhor podemos pôr o melhor início de uma Grande Volta a que eu jamais assisti (o Giro de 2018 que acabou com a vitória de Froome). Que fará ele em 2023?  Teimosamente, vai voltar ao Giro.

No 17º lugar ficou a equipa Total Energies, que em 2023 continuará a não ser WT, e que não tem corredores para 3 semanas.

No 18º lugar tivémos a americana EF Education. Ainda não se sabe se Rigoberto Urán vai continuar a correr. Mas os seus tempos de 3 semanas já passaram. Entrou Richard Carapaz. E o objectivo para um corredor que já ganhou um Giro e fez pódio em Espanha e em França, deve voltar a ser o Tour. Hugh Carty, pódio na Vuelta em 2020, conseguiu um "penoso" 9º lugar no Giro em 22. Aos 29 anos conseguirá voltar aos pódios? Deve voltar ao Giro, mas muito CR não o vai favorecer. A equipa tem um americano de muita qualidade, Nelson Powless. Aos 26 anos seria uma melhor hipótese por ex., para o Giro, ao ser bom CR.

A equipa "neófita" Israel PremierTech teve um ano péssimo. Em 2023 não vai ser WorldTour e vamos ver como o projecto vai ser reconfigurado. Dois veteranos saltam à vista: primeiro Christopher Froome, que fará 38 anos em 2023. Será sempre simpático vê-lo a correr, sem mais. Já o Jakob Fuglsang, com a mesma idade, poderá ser ainda competitivo em algumas provas mas não em três semanas que aliás, enquanto líder, nunca foi a sua praia. Em tempos que já lá vão foi sim gregório-de-luxo de Nibali... Fica Michael Woods, o melhor ciclista canadiano da actualidade. Com sucesso tardio, o seu 7º lugar na Vuelta em 2017 nunca foi replicado. Embora não pareça, é apenas um ano mais novo do que Froome. Esta equipa vai depender de convites para ir às Grandes Voltas. E nunca irá com a CG como objectivo. 

A equipa holandesa DSM teve um ano de 2022 não muito bom e perde Arensman para a Ineos. Romani Bardet, porém, depois de abandonar um Giro onde aparecia muito bem, arrecadou um 6º lugar no Tour, o seu melhor lugar em 3 semanas desde lugar idêntico no Tour em 2018. Aos 32 anos possivelmente voltará ao Tour em 23 para lutar para ser o melhor francês.

Terminamos a analisar a equipa Astana. Uma equipa emagrecida em orçamento, tem dois homens para 3 semanas. Miguel Angel Lopez, aos 29 anos, conseguiu salvar a época ao ser 4º na Vuelta. Voltará ao Tour? Por outro lado, o homem da casa, Lutzenko, conseguiu um segundo top 10 consecutivo no Tour. Lopez tem fama de ser um mau companheiro de equipa, vidé Movistar. Irão os dois ao Tour ou a equipa enviará Lutzenko por ex. ao Giro para tentar um top 5?

A equipa a seguir, no lugar 21 é uma equipa norueguesa, a Uno-X, Não é World Tour. Nela corre o vencedor do Tour du Avenir de 21, Tobias Halland Johannessen. Estaremos atentos à sua evolução.




quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Jowzjan

Jowzjan é mais uma província do Afeganistão cujo nome deriva de uma história antiga. "Guzgan" era uma antiga região que ficava no sul da estepe da Ásia Central, a leste do planalto iraniano e a norte do Hindu Kush. Guzgan seria uma área muito maior do que a província de que falamos. Jowzjan fica portanto encostada ao Turcomenistão, entre Mazar-e-Sharif e Maymana. O diálogo destas terras é a norte, e portanto, na província fala-se turcomeno, uzbeque e, depois, dari. São pouco mais de 600000 habitantes, a capital chama-se Sheberghan e acumula quase um terço da população da província.

Dez coisas sobre a província de Jowzjan:


Abdul Rashid Dostum nasceu em 1954 na província de Jowzjan numa família uzbeque e veio com tempo a transformar-se num dos chefes militares e caudilhos mais importantes do Afeganistão. Combatendo ao lado dos soviéticos, entrou nos jogos da guerra civil após a retirada destes em 1992 e acabou a comandar um "proto-estado" com sede em Mazar-e-Shariff (vídé província de Balkh), apoiado pelo Uzbequistão, com moeda própria, linhas áereas... um proto-estado onde as mulheres podiam não usar véu, as meninas iam à escola e o consumo de álcool (muito apreciado por Dostum) era permitido. A escola soviética de Dostum fazia dele um chefe de guerra secular. Perdeu e ganhou e perdeu para os Talibã. Foi ministro da defesa do primeiro governo de Hamid Karzai, sendo demitido em 2008 após raptar e torturar um rival local. Exilou-se na Turquia onde reside parte da família. Mas em 2014 era eleito vice-presidente de Ashraf Ghani. Em 2017 voltou para a Turquia outra vez por outra vez ter raptado e torturado sexualmente outro rival político.  Voltou pouco depois, sobreviveu a vários ataques do ISIL e dos Talibã para o matar, tentou defender Mazar-e-Sahriff sem êxito destes últimos. Estará agora a viver com a família na Turquia, sua segunda casa.

Sheberghan é a capital da província e é considerada (talvez a par de Maimana) a capital uzbeque e turcomena do Afeganistão, sendo a cidade do país onde a etnia está mais presente. A sua riqueza advém como sempre da irrigação que a rodeia ligada ao rio Sar I Pul, rio que dá o nome à província que fica a sul e donde provém. O rio termina no deserto a norte sem conseguir chegar ao rio a quem esteve prometido: o  Amu Darya.

Perto de Sheberghan ficam vários ricos campos de gás natural que já foram explorados pelos soviéticos, tendo até existido um gasoduto a ligar estes territórios à Ex-União Soviética. Sheberghan nunca parece ter ganho nada com isto e, aparentemente, o Afeganistão também não. 

A norte de Sheberghan fica a segunda cidade mais importante da província, Aqcha. Conhecida pelos tapetes de produção local. É curioso que os tapetes afegãos não são tecidos por pashtuns mas sim por mulheres uzbeques ou turcomenas. Aliás antigamente dizia-se das noivas turcomenas serem as mais caras de adquirir, ao serem boas tecedeiras.

O sul da província é constituido por um só distrito, Darzab, árido e montanhoso. Nele medrou durante uns anos uma rebelião conduzida por um uzbeque que dava pelo nome de Quari Hekmat e que tinha jurado fidelidade ao Daesh. Portanto a partir de 2015 as lutas aqui aconteciam a três. Um drone americano matou Quari Hekmat em 2018 na província vizinha de Faryab. 

O província de Jowzjan  está encolher a norte. A fronteira com o Uzbequistão é constituída pelo conhecido rio Amu Darya. Este tem migrado o seu curso progressivamente para sul, em parte por intervenção humana uzbeque, e a fronteira assim já desceu uns... vinte e cinco quilómetros!


Perto de Sheberghan fica a sítio arqueológico de Yemshi Tepe, uma antiga cidade Kushan, do início de 1º milénio DC. A necropole dos reis desta cidade ficaria noutro local arqueológico perto. Tillya Tepe, onde se descobriu o famoso "Ouro Bactriano", uma das maiores colecções de artefactos antigos de ouro do mundo. Estamos a falar de mais de 20000 peças. Expostas no Museu Nacional de Kabul e tendo circulado por vários museus do mundo,  o "Ouro Bactriano" era considerada a maior riqueza do Estado Afegão. E tão valioso o conjunto é que era apresentado como garante da estabilidade monetária central do país. Estará agora nas mãos dos Talibã que asseguraram em Set 2021 a sua segurança.





Em Sheberghan fica uma grande mesquita que parece ter sido transladada de Istambul. Construida com dinheiros turcos entre 2016 e 2018, é bastante grande e portanto não tem nada a ver com a arquitectura local.

Um parque de divertimentos com carrinhos de choque na província de Shwberghan foi queimado em 2021 pelos talibã dias depois de aparecerem vídeos dos mesmos talibã a andarem divertidíssimos em carrinhos de choque na capital Kabul recém conquistada. A diferença? O parque destruido continha estatuária diversa, ora os talibã não gostam de estátuas, vidé Bamyan.




A Turquia tem investido muito no Afeganistão no sentido de estender a sua influência na Ásia Central e de atender às suas afinidades com vários povos desta zona, nomeadamente os turcomenos e os uzbeques. Parte deste investimento tem acontecido através da educação. Em Sheberghan e Aqcha existem escolas "Turco-Afegãs" para rapazes e raparigas, construídas por uma fundação ligada ao governo turco. Aparentemente abriram portas para o novo ano lectivo em Setembro passado. 





domingo, 2 de outubro de 2022

As Minhas 101 Leituras: 51-60.




 Mambo e a Ave Mágica - Léon Mercier

Esta foi a minha primeira banda desenhada. Aparecia semanalmente na revista Modas e Bordados que a minha mãe comprava. O meu pai deu-se - coisa rara - ao trabalho de encadernar as páginas que eu semanalmente ia recortando. Léon Mercier é um autor de banda desenhada francês de segunda linha e Mambo o seu herói mais conhecido, aparecido em 1957. Nesta história há uma... "ave mágica" e Mambo, um rapaz-guaxinim, um aventureiro vagabundo que vai ajudar um príncipe herdeiro a recuperar o reino que lhe roubaram. Desenho engraçado, história simples, não há amor como o primeiro, dizem. Não é verdade, mas nunca se esquece.


Maravilhas do Mundo, As / As Maravilhas do Mundo 2 - Roland Gook, ed. Círculo de Leitores.

Este par de livros, editado pelo Círculo de Leitores nos anos 70 e com provável origem alemã, abriu-me os olhos para múltiplas coisas maravilhosas que existiam pelo mundo fora. Ainda me lembro de quando da primeira vez que fui a Berlim com a minha filha a insistência minha em visitar a Igreja Memorial do Imperador Guilherme I, em Berlim ocidental, quase completamente destruída na 2ª Grande Guerra, e cuja refundação através de um templo novo em vidro azul é um sonho da arquitectura moderna... e está no 2º volume.


Maria - José Craveirinha

José Craveirinha foi um grande poeta moçambicano,  a melhor parte africana que ficou da excelente cena intelectual de Moçambique no fim do tempo colonial, contemporâneo de Rui Knopfli e Eugénio  Lisboa. Este livro é completamente dedicado à prematuramente falecida esposa do escritor. Não conheço melhor livro para explicar "o que é o Amor de Uma Vida". E neste livro José Craveirinha fala com a saudosa Maria sobre tudo, num diálogo da primeira até à última página. 

Adágio   "Tinhas razão, Maria. / Sorrisos peculiares de ofídeo / gente que mais bajula / mais periculosa. // Mas porquê, Maria, / se somos tão efémeros? ". /


Mediterrâneo, O - O Espaço e a História - Fernand Braudel & Maurice Aymard.

A história deste Ocidente mau e bom nasce deste mare nostrum cujo nome indica o que durante séculos foi: o centro das terras, o meio que comunicava. Hoje infelizmente separa, a sua travessia hoje em teoria tão mais fácil mas para alguns não e oh tão mais mortal. Fernand Braudel foi o príncipe da nova historiografia francesa, aparecida para o fim do século XX. Escreveu muito sobre o Mediterrâneo. Não romanceando, a história a ser recentrada e reescrita, mas seduzindo com uma escrita de superior qualidade para a terrível epopeia destes povos que à volta de um mar competiam, comerciavam, viviam e morriam.

"A Fenícia é uma guirlanda de pequenos portos encostados à montanha, situados em penínsulas, em ilhotas, como se quisessem permanecer alheios ao continente, frequentemente hostil. Tiro, actualmente ligada a terra firme através de aluviões, estava construída numa ilha estreita, que facultava o essencial à cidade: uma defesa eficaz; dois portos, um a norte, ligando a cidade a Sídon, o outro a sul, para a circulação rumo ao Egipto; finalmente no mar, uma fonte efervescente de água potável, captada no meio da água salgada. Tudo o resto, os víveres, o azeite, o vinho, as matérias-primas, era trazido pelos marinheiros."



Memento Larousse - ed. algures entre 1925 e 1933.

Não sei onde está este livro, de quem o herdei (de meu pai?), o que fiz dele. Memento quer dizer: "Ouvrage où est regroupé l'essentiel des notions où un ensemble de sujets". O livro era maciço, relativamente pequeno, e falava praticamente sobre tudo um pouco. E tinha uma secção sobre geografia que eu longamente bebi, os impérios europeus ainda no seu esplendor máximo. A Rússia era claramente explicada nesta frase: "A Rússia é o único país europeu cujo império está fisicamente ligado à sua terra-mãe europeia". Quase cem anos depois, Putin ainda acredita nisto.


Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

Li este livro há muito tempo. Já não consigo reproduzir o seu fio narrativo. Sei sim que - com alguma Virginia Woolf - aqui mora para mim a melhor escrita. Nunca mais o voltei a ler por completo. Volto a ele por algumas páginas: leio maravilhado e depois vou-me embora.

"Antínoo era grego: remontei através das recordações daquela família antiga e obscura até à época dos primeiros colonos arcádios nas margens da Propôntide. Mas a Ásia havia produzido naquele sangue um pouco acre o efeito da gota de mel que turva e perfuma um vinho puro. Reencontrava nele as superstições de um discípulo de Apolónio, a fé monárquica de um súbdito oriental do Grande Rei. A sua presença era extraordinariamente silenciosa: seguiu-me como um animal ou como um génio familiar. (...) Aquele belo lebréu ávido de carícias e de ordens deitou-se sobre a minha vida. ".




Metro Châtelet Direction Cassiopée / Brooklin Station Terminus Cosmos - Cristin & Mezières

Esta banda desenhada francesa - que já teve uma não muito feliz versão cinematográfica - mistura muitas coisas que eu gosto: ficção científica, desenho bem feito e bem colorido, mexido e dinâmico, um par de heróis jovens e azougados - Valérian & Laureline -  a correr planetas e galáxias. Quando novo até escrevi poesia "inspirada" em Valérian, vejam lá! O mundo de Christin & Mezières sabe construir raças e mundos alienígenas melhor do que George Lucas ou James Cameron. E não facilita na credibilidade da interacção dos nossos heróis de fantasia com a mãe-terra. Este díptico de álbuns mostra isto melhor que nunca, e serão o auge desta série. 


Miguel Strogoff - Júlio Verne

Este livro de Júlio Verne não foge ao resto da sua obra, embora Miguel Strogoff não invente aqui máquinas voadoras nem navegue pelo fundo dos oceanos. Júlio Verne, ao contrário do que consta, viajou bastante embora nunca tenha visitado a Rússia. A leitura que eu fiz muito jovem deste livro definiu para mim o heroísmo máximo. A história exprime os arquétipos da escrita de Júlio Verne, os franceses expansivos e sanguíneos, os ingleses fleumáticos e cerebrais, os russos heróicos e destemidos, os "tártaros" (nome que define grosseiramente quaisquer povos da Ásia Central indistintamente) cruéis e sanguinários. Não importa. O romantismo tardio e exótico de Júlio Verne faz de Miguel Strogoff para mim dos maiores heróis da literatura de sempre. E eu decorei as terras da Sibéria que ele percorreu: Omsk, Tomsk, Irkutsk...

"Na manhã de 16 de Julho, sem vestígios do seu uniforme, munido de um saco de viagem que transportava preso aos ombros, vestindo um simples trajo russo que se compunha de uma túnica cingida, cinta tradicional do mujique, largos calções e botas apertadas na curva da perna, Miguel Strogoff dirigiu-se à gare para partir no primeiro comboio. Ostensivamente não levava armas; porém, debaixo da cinta, disfarçava-se um revólver e na algibeira dissimulava-se uma navalha, misto de faca e de iatagã, com a qual um caçador siberiano abre um urso, sem lhe danificar a sua preciosa pele.".




Miracleman IV - Neil Gaiman & Vários.

Estou finalmente a ler com sistema todo o Sandman, a banda-desenhada que definiu Neil Gaiman como um dos grandes argumentistas da história da Bêdê. Miracleman IV é posterior e é uma sequela de uma série perdida de um seu herói da escrita, Alan Moore. São histórias relativamente pequenas, isoladas, desenhadas cada uma por um artista diferente. Neil Gaiman cria a cada virar de página uma nova inquietação. Miracleman IV é no seu todo um terrível admirável mundo novo onde um Ser Superior comanda um mundo agora perfeito porque... ele faz (não sabemos quando nem onde nem porquê) milagres.


Mrs. Dalloway - Virginia Woolf

Já falei de Virginia Woolf antes. Este livro é para mim o pináculo da escrita.  E pronto! 

"Elizabeth voltou a cabeça. Veio a criada. Tinha de se pagar na caixa, disse Elizabeth, e partiu, arrancando-lhe, foi o que sentiu Miss Kilman, as entranhas do corpo, retalhando-as, enquanto atravessava a sala e depois, voltando-se mais uma vez e fazendo-lhe um delicado cumprimento de cabeça, desapareceu. // Fora-se embora. Miss Kilman ficou sentada à mesa de tampo de mármore, em frente dos éclairs de chocolate, sentindo um, dois, três choques no coração. Fora-se embora. Mrs. Dalloway vencera. Elizabeth fora-se embora. A beleza fora-se embora; a juventude fora-se embora.".