sábado, 31 de outubro de 2015

Michel Houellebecq - Submissão.


"Islam" quer dizer "submissão". Michel Houellebecq intitula assim o seu último livro. Tenho pena que, para além de ser um livro de tese, não seja também um livro bem escrito.


Foder ou não foder, eis a questão. François é um professor universitário como tanto outros - e eles hoje são tantos pela Europa fora... - cujo sucesso pessoal na realidade se mede - ele a mede - pelo número de fodas e orgasmos que vai conseguindo ao longo dos dias. Enquanto isto a França vive os seus últimos dias antes de umas eleições onde a decisão vai ser entre a Frente Nacional de Marine Le Pen e uma Fraternidade Muçulmana apresentada como assaz moderada e a quem todos os outros partidos franceses - UMP, PSF - entregam os seus votos, porque tudo se negoceia.
Percebe-se depois que o dinheiro árabe é o melhor para reavivar a instituição universitária. E a poligamia aplicada às alunas universitárias por casamentos arranjados uma solução para o quid deste livro: foder ou não foder. É assim que a Fraternidade Muçulmana compra François e aparentemente é/foi fácil. 
Sobre a França nada chegamos a saber, pois em nenhum momento há uma ressonância escrita sobre como um islamismo soft mas muito real que se abate sobre o "hexágono" é vivido pelo peuple réel, nomeadamente pelas mulheres... A única mencionada com um mínimo de espessura, uma ex-namorada, foge para Israel - Israel, of all places, uma terra que se define vivendo em guerra... Portanto a submissão do Islão é uma boa escolha porque nos/lhe dá sexo fácil. Juvenil. E acaba o livro. QED,

Neste livro Houellebecq escreve mal, ou pelo menos é banal. Para encher fala do tempo - suponho que para exemplificar o mal de vivre de François. Suponho ainda que Houllebecq agita à nossa frente a coisa de "serei eu como François" ou "serei eu alguém que detesta François"? Ou ambas as coisas? Uma coisa eu sei: não gostei do livro. 

Na contracapa aparece uma citação de Houellebecq: "A liberdade de expressão é a liberdade de comunicar uma obra do espírito a outros espíritos". Excusez moi?


"Estava à espera há dois ou três minutos quando se abriu uma porta do lado esquerdo e uma rapariga de cerca de quinze anos, vestida com uns jeans de cintura descaída e uma t-shirt Hello Kitty, entrou no hall, os seus longos cabelos negros caíam-lhe livremente sobre os ombros. Ao ver-me soltou um berro, tentou desajeitadamente cobrir a cara com as mãos e arrepiou caminho em corrida. No mesmo instante o Redinger apareceu no patamar superior e desceu as escadas ao meu encontro. Tinha presenciado o incidente, e estendeu-me a mão com um gesto de resignação.
  - É a Aïcha, a minha nova esposa. Vai ficar muito incomodada, porque o senhor não devia tê-la visto sem véu.
  - Peço imensa desculpa.
  - Não, não peça desculpa, a culpa foi dela; devia ter perguntado se havia convidados, antes de atravessar o hall de entrada. Mas enfim, ainda não está habituada à casa, há de habituar-se.
  - Sim, tem um ar muito jovem.
  - Fez quinze anos há pouco tempo."



Melancolia.



"Sei sim da extrema agilidade da melancolia".

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Pitões das Júnias em 2014.

Pitões das Júnias continua a ser uma aldeia muito isolada e desviada dos caminhos habituais, embora seja hoje bastante conhecida e referenciada. Fica no meio dum lindíssimo e extenso planalto, o da Mourela, ou melhor, na banda poente. Pouco depois de Pitões desce uma escarpa que vai até um riacho, ficando do outro lado... o Gerês.
Já tinha estado antes em Pitões das Júnias e, não me lembro porquê, o sabor tinha sido misto. Desta vez ia decidido a aclarar as coisas. 
A Pitões fomos várias vezes: De Outeiro/Paradela meter para nascente, em Covelães engatar para norte, sorrir enquanto se faz o planalto da Mourela e, no meio deste, meter para a direita, único destino Pitões. 
A aldeia de Pitões é uma aldeia relativamente grande e ainda aguenta uns cento e cinquenta habitantes. O casario é heterogéneo na conservação ou não da pedra e no abandono ou boa conservação do mesmo e da dita. Mas o conjunto é agradável. Almoçámos bem na "Casa do Preto" e no "






D.Pedro Pitões".

Pitões tem a omnipresença do Gerês quem olha para poente, e um olhar que é quase ao mesmo nível - Pitões das Júnias fica a 1100m de altitude. Há duas excursões simples que se podem fazer à volta de Pitões: uma é ao convento de Santa Maria de Pitões, outra à Cascata de Pitões das Júnias. Ambas são fáceis, bem sinalizadas, curtas, acessíveis. 

Outra ficou por ser feita e, logo ali, a promessa se fez de a fazer algum dia. Uma vez por ano - no primeiro domingo depois da festa de S.João -  a população da freguesia vai até uma ermida - de S.João da Fraga, que fica acima dos  1200m de altitude nas serranias do Gerês, do outro lado do vale que divide. São dez quilómetros duplamente empinados que todo o povo faz, com a particularidade de à ida deixar o farnel numas mesas ditas do Carvalhal, farnel que só é comido, mais umas carnes assadas na hora, à volta, devoção e montanhismo feitos. Aí também há bailarico, etc. A ermida mal se vê, não consegui nenhuma fotografia que a captasse. Fizémos, a Catarina e eu, parte do caminho - passámos o Carvalhal, ainda descemos mais um bom bocado, por entre borboletas, floresta autóctone e muita água. Acho que desistimos a meio e bem. Fica então  a promessa feita.







domingo, 25 de outubro de 2015

Vidago e as Pedras Salgadas em 2014.

Começamos estas férias num hotel sediado em Vidago. Um hotel cujo nome mete "Perfume" por alguma razão esse nome teria... Bom, o quarto era muito giro mas abusava de ambientador, que desligávamos sempre que se subia ao quarto. Era intoxicante. 

Vidago é o Palace Hotel... e arredores. Fomos lá lanchar para dar conhecimento à descendência. O parque do Hotel podia estar melhor... o Hotel não.Vidago, terra de boas águas  - as mais alcalinas do país - portanto, tem um núcleo de aldeia trasmontana no alto que depois visitámos. O Vidago Palace tem um pequeno Centro de Congressos onde eu apresentei a minha última comunicação nas então Reuniões da Sociedade Portuguesa de Hipertensão - foi no fim de Janeiro de 2004. Fui operado dias depois.










As Pedras Salgadas são a marca de águas com gás mais conhecida do país - outras estão aqui ao lado - Carvalhelhos e Vidago. A única concorrente que não fica perto é a Água Castelo - do Alentejo. As Pedras já pertencem ao concelho de Vila Pouca. A estrada é rugosa entre as duas estâncias termais. Nas Pedras o Parque está mais bem conservado e hoje tem a mais valia das famosas "casas no parque", algumas das quais são "nas árvores". Fomos espreitar.

Comer bem? Numa simpática pizzaria em Vidago.

Ruy Cinatti.


ANUNCIAÇÃO



Não tenho palavras, nem entendo
formas visiveis.
Elas vêm concretas como aragem
a que dou nome.

Tenho-me, eis tudo. Acontece.
Há uma folha que desce,
que sobrenada, que desce,
que submerge no ar e depois desce
longe de mim no ar fundo.

Nós não somos deste mundo.

Fresca e limpa como a chuva,
ouço a tua voz cantada
descer do céu ao silêncio
que vem da terra molhada.

Nós não somos deste mundo.

Ouso dizer-te o meu nome
como quem se atreve a dar-te
a minha imagem.

Nós não somos deste mundo.

O que não vejo, entendo.
Pelos rios do meu sangue,
atrevo-me.

Anoitecendo, a vida recomeça.

Dou-me em palavras
que ressuscitam.
Algures no céu amanhece.

Só, intranquilo, pela vereda, desce
o nómada meu amigo.




in Corpo - Alma, ed. Presença, 1994.

sábado, 24 de outubro de 2015

O Gerês visto da Paradela em 2014.

A segunda fase das férias foi passada no Hotel Vista Bela no lugar do Outeiro, sobranceiro ao espelho da Barragem da Paradela, o Gerês em frente. A Barragem é a primeira no Alto Cávado e vem dos anos cinquenta. A aldeia de Paradela do Rio fica mais abaixo e existe à volta de uma rotunda onde um café nos vendeu ao longo dos dias Magnum's e informações. Junto à barragem existe praia fluvial mas não é, digamos, classe A. O Hotel onde ficámos vários dias tem um bom atendimento e óptima cozinha. A sua lógica é "familiar" - como público alvo,


o que implica um certo"gregarismo" que não é a minha praia, e uma sobrepopulação crónica da piscina. Já as vistas, bem, as vistas... são incomparáveis. E querer conhecer o Gerês implica vir a este lado mais violento, mais rude, menos minhoto, e olhar para aquela parede de arestas que nos olha e desafia. Visão que depois, quando subíssemos a Pitões das Júnias, se iria repetir com maior proximidade...

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A Frente Popular.

Isto da Frente Popular tem uma certa história. E só pelo gozo ter conversado com alguém hoje que estará a ponderar exilar-se para o Brasil já terá valido a pena este frisson.

Vamos esquecer a Frente Popular original - que aconteceu em França antes da Segunda Grande Guerra. A cópia veio depois da eleição de Miterrand, em 1981. Miterrand encarregou Pierre Mauroy de fornecer 4 ministérios ao PCF. Georges Marchais, o secretário-geral do PCF, ficou fora do governo. Isto foi o princípio do fim do PCF, ainda antes da implosão da URSS. 

Aqui o Governo de Esquerda vai ser possível. O BE e o PCP vão adquirir concessões nos "chamados temas fracturantes"  - aborto, adopção por homossexuais, drogas leves und so weiter - e que não contam para as contas da mercearia. Nestas, a retoma mais rápida de determinados salários - olha, o meu - e pensões, etc. obrigará a alguma ginástica orçamental mas - parece-me a mim - nada de extraordinário ou impossível. Talvez aconteça dar com uma mão e tirar com a outra. Nada a que não estejamos habituados. 

Por um cheiro de poder o BE e o PCP venderão a mãe e cinco tostões. Estamos todos espantados com isto. É que quando o CDS, por ex., faz o mesmo, pronto, é dos nossos. Agora que os outros tenham comportamento daquilo que são... políticos, não se pode! Na merda, meus caros, é mesmo importante que as moscas mudem!

A Barragem do Alto Rabagão em 2014.

Lembro-me bem de me fixar no mapa de Portugal em dois lagos - artificiais - que se destacavam, um a Norte, o outro a Sul. A sul a Barragem de Montargil, que já visitei e sobre ela escrevi. Faltava-me aquele rectângulo de água que se localiza pouco abaixo da fronteira e que se adivinhava enorme. A Barragem do Alto Rabagão foi inaugurada em 1964 e é mesmo muito grande. Atravessá-la - em ziguezague - é atravessar quase dois km de paredão. O lago artificial, bem recortado, mede uns quatro por vinte km. E para sul tem o remate artístico das Alturas do Barroso. O aproveitamento turístico de tudo isto é escasso. Compreendo não ser fácil o acesso. Há um parque de campismo em Penedones, uns restaurantes, umas pensões e algum turismo de habitação. Há umas zonas onde os pedregulhos sofrem o intervalo da presença de algum cascalho e que é usado para um arremedo de praia fluvial. Não percebo - o Alto Rabagão mete a Albufeira do Azibo no bolso a dormir! 


Montalegre e o Larouco em 2014.

Não sei porque não tenho fotografias deste dia no computador mas cá vai: Montalegre é uma vila que fica numa estrada, ou rua, se lhe quiserem chamar, que sobe por uma encosta que depois termina no Castelo. Tem um Hotel onde podíamos ter ficado mas não aconteceu, e ainda bem – almoçámos e havia muita gente, muita confusão, não teria sido bom. Tem rotundas quanto baste para afiançar que estamos em Portugal. E tem uma nave espacial gigante, no meio da terra plantada, que dá pelo nome de “Pavilhão Multiusos”. Em sentido contrário – isto é, “para baixo” está o SASU onde fizemos uma visita rápida – estava lá a prestar serviço uma pessoa amiga. Sobre o castelo não vou falar, é um castelo de postal e por isso é muito visitado. As vistas são boas e as esperadas. E para norte o que se vê, sobretudo, é o Larouco. E o que é o Larouco? 

Isto das estatísticas tem que se lhe diga. Nas montanhas, e perdido o Ramelau timorense e esquecendo o Pico nos Açores, nós sabemos bem que as montanhas portuguesas são a Estrela... e o resto. À frente do pelotão do resto, a 400 e tal metros de diferença, e à frente, do Gerês-Parque Nacional, está o Larouco. Quem visita o Larouco? A partir de 2014 a Volta a Portugal… e nós. Não muito mais gente. O Gerês é, efectivamente, a segunda maior mole montanhosa do “País”. Prolonga-se, para além do mais, no Xurez galego. O Larouco não é nada disto. Montalegre fica um pouco elevada em relação a um irregular planalto que se prolonga até Espanha. Agora imaginemos que em cima deste planalto, que está nos 700-800m de altura, metemos uma Serra de Sintra, uma Arrábida ou um Montejunto: ficamos com os 1525m do Larouco! O Larouco é isto, umas bonitas e perfeitas e imponentes corcovas, debruadas a eólicas, que acrescentam 600m ao chão de Montalegre. A estrada, sinuosa e panorâmica, vai subindo por entre a vegetação rasteira, castigada pela neve todos os invernos, e lá em cima a vista é excepcional. Em 2014 ganhou o David Belda, em 2015 Delio Fernandez.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Chaves em 2014 - e o mais.

Mas falta falar mais algumas coisas sobre Chaves.

1. O castelo é de brincar. É um recinto amuralhado que domina o rio e com uma torre de menagem altaneira. Há muito tempo que já não tem espaço para acobertar a população da terra, se atacada.


2. Um rio tem dois lados. E o lado nascente de Chaves é muito importante. É a Madalena. Freguesia cujo nome terá sido religioso mas cujo prefixo "Santa Maria" não interessa a muita gente. A Madalena é o que há de Chaves do outor lado da famosa ponte de Trajano: um pequeno conjunto urbano onde terminava a recta do Raio X em ângulo, ângulo este que enquadrava um bonito Jardim Público. E é por aqui que eu posso redefinir a qualidade de vida da Chaves de hoje. Este Jardim Público há muito extravasou os seus limites, expandiu-se a sul até ao rio, ganhou espaço para as caminhadas e corridas anti-oxidantes que todo e qualquer flaviense queira executar. O Jardim passou a Parque, um extenso e agradável parque. O Parque... da Madalena!


3. Eu não sei nadar. Não vou elaborar muito sobre este assunto. Mas eu não sei nadar. Umas pedras há que atravessam o rio Tâmega deste o Parque da Madalena até ao outro lado, toc toc, desafio benigno para qualquer mortal que nadar saiba. Porque atravessei? Porque sou um palerma e não quis dar parte de fraco diante da minha filha. O risco era na realidade muito baixo. Umas das pedras a meio do rio buliam.


4. Os flavienses são trasmontanos sim, mas mais suaves, mais sonoros, mais abertos. O comércio, o rio, o vale fizeram isso. Grande parte dos flavienses não nasceram em Chaves mas sim nas aldeias à volta, nas serranias à volta. Não interessa: Chaves é como se fosse um cantão, o "País de Chaves", uma coisa à parte, e para a pequena cidade desce o melhor de todos os lados que para ela convergem. Tanto que quando vamos para sul e atravessamos para as Pedras Salgadas, é sempre uma dolorosa despedida.

5. A ficar em Chaves e gastando algum dinheiro sugiro fortemente - passe o pleonasmo - o Forte de S.Francisco. Sobretudo se estiver bom tempo e a piscina fôr uma opção. A fotografia explica. 



Luíza Neto Jorge.

MINIBIOGRAFIA.

Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.

Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda

E se nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.

in A Lume, ed. Assírio & Alvim.

PS: 'coda' - parte final de um trecho musical, frequentemente com um floreado...

domingo, 18 de outubro de 2015

Chaves em 2014 - 3.


A parte velha de Chaves parece a parte velha de uma pequena cidade galega, ponto final parágrafo. E agora finalmente as fotografias disto tudo.







Chaves em 2014 - 2.

Não voltei a Chaves de autocarro mas sim de automóvel. Agora pela Auto-Estrada do Alvão entra-se por norte, mas antigamente a entrada era pela estrada que desce de Vidago e que termina numa recta, agora muito alterada e que tinha o engraçado nome de Recta do Raio X. 

O grosso de Chaves fica a poente do Tâmega. Atravessando a ponte romana - fantástica ponte - uma rua sobe e apanha à sua frente o Largo do  Arrabalde. A parte "oficial" fica à direita com o Palácio da Justiça e a parte popular fica à esquerda com as tabacarias e os cafés e o início das ruas que dão para a parte velha da cidade. Nós seguimos em frente pela Rua de Santo  António e chegamos ao Jardim das Freiras, que hoje já não é jardim. Ali fica uma escola secundária - o antigo convento, uma Biblioteca e dois dos principais cafés da cidade. É seguir mais um pouco e chegamos ao Jardim do Bacalhau, cujo nome nasce do formato do largo, um trapézio que equivale ao bicho, se seco. Para norte e oeste a cidade já é mais recente. Logo ali subindo uma rampa à direita fica o Forte de S.Francisco. Mas o que importa é o que fica à esquerda desta Rua de St António: a parte alta da Chaves, com o Castelo e a Igreja Matriz, e as ruas que daqui descem para o Arrabalde e o rio, perfazendo a zona de bares e de "movida" de Chaves, com um marcado perfume de marginalidade e de degradação como não há outro em Trás-os-Montes. Junto ao rio fiçm as termas e uma zona verde com cafés e tal e coisa.
Chaves só não é a terra mais povoada da província de Trás-Os-Montes porque Vila Real ganhou muita população com a UTAD e, depois, com a promoção do Hospital a Central. Chaves tem também direito aos seus mamarrachos - e tem bastantes. E tem um Hotel-Casino a norte, num descampado junto à Auto-Estrada, para os desmandos trasmontanos e galegos acontecerem a bom recato. Eu gosto de Chaves.

Chaves em 2014.

Conquistada a mui nobre etc. cidade do Porto - porque é onde vivo, confesso que não haverá terra em Portugal que mais me fascine e à qual tenha mais vontade de voltar do que Chaves. E não, não tem só a ver com a minha história pessoal.

O nome de Chaves não tem explicação óbvia na internet. Aquae Flaviae para os romanos pelas águas termais, só me resta assumir que a preguiça conterrânea fez descer o "fl" até um "ch", portanto de "Flaviae" até "Chaves", suavizando e sonorizando a coisa. Não interessa aqui meter o bacoquismo de que "ch" até é um som muito popular na zona.... galega. No brazão as chaves lá estão mas entenda-se que, embora cidade de fronteira, Chaves nunca defendeu grande coisa na exacta medida que por ali nunca houve grande guerra. Há muralhas, há tum forte e um castelo, mas as suas funções defensivas nunca foram postas terrivelmente à prova. A avenida dos Defensores de Chaves em Lisboa celebra a bravura republicana de uma terra contra uns melancólicos monárquicos chefiados em 1912 por Paiva Couceiro, já então a utilidade de castelos e muralhas pertencia à história.

Assim sendo, Chaves sempre foi terra não de muros e de exclusão mas sim de comércio e de encontro com o outro lado, legal ou ilegal, terra de muito contrabando - sobretudo de bebida, tabaco e animais - e de feira - vidé os "Santos", a grande feira do início de Novembro, que sem os galegos não faria sentido. Lembro-me ainda quando havia fronteira e de a ter passado a pé. Do outro lado uma terreola com o infeliz nome de... "Feces de Abaixo". Agora que não há fronteira, Feces não tem nem metade do trânsito - intestinal? - que antes tinha. Que o nome derive de um rio que se chama "Feces" não ajuda.

Chaves cresceu então ancorada em quatro pilares a saber: as águas termais, a fértil veiga do Tâmega, o comércio com a Galiza e a distância para o resto de Portugal. Chaves é o centro de um vale que será dos mais férteis do país. Também dos mais inacessíveis. A primeira vez que fui a Chaves foi na carreira da A-V do Tâmega. Quem sabe sabe que não há terra onde - até há muito pouco - uma empresa de transportes seja tão nuclear à sua qualidade de vida. O terminal de camionagem em Chaves é tão importante como o mercado ou o hospital. Nessa primeira viagem, a IP-4 ainda em construção, subia-se o Alvão a partir de Fafe, parava-se no Arco - do Baúlhe mas o hábito chamava-lhe só "o Arco" - para tomar um café, havia dois, o melhor ficava à esquerda - e eu vomitei no caminho. Depois percebi o que era um planalto ao chegar ao Barroso mas o mal já estava feito. Eu vomito pouco mas bem, estrategicamente, nas ocasiões mais importantes.
Naqueles tempos atravessar o Alvão e o Barroso para chegar a Chaves era a menos má das hipóteses, pois as voltas do Marão ainda eram não um mito mas a realidade, e a estrada a partir de Vila Real ainda era alguma. Hoje já não é assim. Chaves cresceu portanto, parece-me, como a mais galega das terras em Portugal. E isso não lhe fez nada mal.

2014 - as férias.

Quando eu despachei a escrita das f´rrias de 2015 reparei que anos havia que tinham ficado em branco. Recuperei então 2011. Agora vamos a 2014.
Preparados? Mete montanhas mágicas, boa comida, chuva intensa, ciclistas e perigos impensados!

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O que fazer com esta crise.

Esta crise está engraçada. O problema está na falta de bondade dos intervenientes.
Num mundo de 100% de votantes as eleições demonstraram uma deslocação do eixo dos votos para a esquerda. Tendo em atenção a votação na coligação governante a interpretação mais simples era a de que o colégio eleitoral - ou seja, nós - aceitávamos a manutenção dos governantes PAF mas com um escrutínio mais atento e da gente à esquerda do que o governo iria fazer a seguir. Pode dizer-se que votámos com a lembrança não só do que o governo anterior fez mas também do que o governo anterior ao governo anterior fez.
Por outro lado uma campanha desastrosa e/ou a incapacidade talvez intrínseca - e aqui está o cerne da questão - de António Costa nos convencer da bondade das suas propostas levou o PS a um resultado desastroso.
Porém números são números. E a maioria no parlamento é... de esquerda. Se considerarmos nós o PS um partido de esquerda. Sê-lo-á? Grande parte dos votantes do PS considerar-se-á... do centro, e não se vê a dialogar com as abas esquerdas do hemiciclo.
E António Costa... perdeu as eleições. Isso foi óbvio para todos... excepto para o próprio. Comparando, o seu resultado foi pior do que o resultado de Seguro nas Europeias. Só um PS renovado para jogar à esquerda. Não era esse o projecto de Costa. Qualquer coligação por-baixo-da-mesa PS-PCP-BE será um jogo visto como sujo pelos portugueses: a esquerda a fazer joguinhos como se fosse a direita. Ou então uma lembrança de outros tempos, um fenómeno à Limiano, mas à esquerda.
O Bloco e os comunistas competem para cavalgar o cavalo-Syriza às custas do PS. Qualquer governo PS será um governo a prazo. O PS terá sempre que negociar com PCP e BE que, por sua vez, competirão pela boa imagem de parceiros puros e inteiros, defensores do verdadeiro povo, etc. A renegociação da dívida será o "deal breaker", ponto final, parágrafo.

Cavaco Silva pode não estar perfeito mas está bem aconselhado. Vai indigitar Pedro Passos Coelho e bem. Passos Coelho vai levar um projecto para-o-moderado ao Parlamento. E António Costa vai deixá-lo passar - e partirá/perderá o partido. Ou vai chumbá-lo - e partirá/perderá o partido. Passos Coelho entrará em gestão - e os governos em gestão habitualmente fazem-nos poupar dinheiro - e renegociará a situação parlamentar com o novo líder do PS. Que será moderado o suficiente para deixar passar - com adequadas reservas - o governo PAF. Que se arrisca a ganhar as próximas eleições, quando elas forem.

Nem o BE nem o PCP têm soluções para Portugal. António Costa é um escroque. Péssimo momento para termos uma maioria de esquerda...

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ruy Belo.


TEMPORA NUBILA



Chove há muito no mundo sobre o homem
Empurram-no as ondas como horas para a praia da manhã
lá onde a ponta mais ocidental dos dedos já percorre
as mais agrestes árvores do sonho
O homem nada sabe sem queimar os pés no fogo
As luzes brilham cedo certos anos o Natal não vem
e é opinião comum de todos os doutores
que a culpa pode ser secreta e primitiva
pois a ninguém cabe servir a dois
muito menos a mais e mesmo muito mais que dois senhores
Morremos todos da maneira mais mortal possível
mas todas as crianças se conhecem e reconhecem
na praia que talvez - quem sabe? - alguma outra praia encubra
Essa é na verdade a mais pequena de todas as sementes

Talvez eu espere simplesmente um amigo que de longe venha,
ó tecelão de outonos nos cabelos

.............




in O Problema da Habitação Alguns Aspectos / Todos os Poemas I, ed. Assírio Alvim.

domingo, 11 de outubro de 2015

Carlos Bica.

Carlos Bica é um gentil ogre de olhos azuis e voz suave. Debruça-se sobre o contrabaixo e ora com dedilhares decididos ora com o manejo do arco pontua e dirige o trio Azul, Jim Black  - um enorme baterista, e Frank Mobius, um altíssimo guitarrista.
Acabei há uma hora de os ver no Theatro Circo de Braga - meia casa? como é possível? 

O meu ano lectivo  de 2015-16, com esta começo de temporada, promete!

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A. M. Pires Cabral.


ARADO - I



A mecânica do arado é rudimentar,
clarividente e sóbria. Nada tem
em demasia: o que a função requer
e nada mais.

No perfil eficiente do arado
há qualquer coisa de navalha, qualquer coisa
de falo em riste, em transe de fecundar.

De facto, noutros tempos,
era o arado que rasgava a terra,
fazia dela um ventre aconchegado -
cenário certo para o deflagrar da vida
que vai dentro das sementes.

Isto foi no tempo em que havia agricultura
nos gestos quotidianos dos homens
e das mulheres.





in Arado, 2009, ed. Livros Cotovia.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Uma velha notícia do bloqueio.

"Agora entendo o casal oriental que diviso na praça da alimentação enquanto tomo por dois euros um
sumo "multivitaminas". Ele carrega acolchoado instrumento escondido, o que faz deste Centro Comercial um intervalo da Casa da Música.
Juntos são um jogador de básquete norte-americano, pouco mais."

Vamos?

"Vamos de avião.

E caimos. Não

Sei ao cuidado

De quem."

"Sou um homem".

"Sou um homem para o

Moderado com

Circunstâncias que

Vão complicando."

Lanoxin.

" Da flor à boca do enfermo

Temos a digitalina, es-

Treita janela terapêutica,

Medicina que pode ser

Porta para o Desconhecido.

Ela revigora, o coração

Late com mais força e

Parece haver mais espaço.

Porém, se em excesso,

Esgota, bradicardiza,

Bloqueia, paraliza, pode

Até - matar.

Não consigo porém

Imaginar morte mais

Doce, tomada por

Inteiro a caixa de

Lorenins de minha

Mãe - logo  a seguir.



Dizem - da digitalina - que

Deprime e entristece.

Também o  amor se

Passado."

Termino.

"Começo a esquecer as coisas, Vou então escolher. E arrumar

os dias em secos e molhados. As ligações em assumidas e

grelhadas. Não junto as minhas mãos a nada. Não sei de nada

há uns dias, aliás. Compro água, faço dieta, na mão esquerda

meço a extensão de uma queimadura, cresce. Perco-te, e

uns quilos."

Ás de Paus - 3.

Se há coisa que eu me lembro de 75 é de eu, onze anos feitos, perguntar: onde está Sá Carneiro? O PSD esteve grande parte de 75 entregue a Emídio Guerreiro, um velho senhor anti-fascista com bastante prestígio e alguma desorientação. E isto porque Sá Carneiro viveu um período de doença complicado, passado predominantemente no estrangeiro. Quem lê a descrição destes meses na biografia de Sá Carneiro apercebe-se do quadro, podemos chamar-lhe "psicossomático" que atrasou a volta de Sá Carneiro a Portugal. Sá Carneiro estava profundamente desanimado consigo e com o país. O mesmo aconteceu em 77. E também, prestando alguma atenção aos acontecimentos, se nota um envolvimento psicológico da doença que atrasou o retorno de Sá Carneiro à actividade. O primeiro-ministro era... Mário Soares. Das duas vezes Sá Carneiro acabou por voltar como se fosse um furacão - pequeno, claro, um metro e sessenta e quatro, lembro, mas furacão na mesma -  destroçando as hostes inimigas, habitualmente uma ala "elitista" de esquerda rendida aos cantos de sereia do PS ou de Eanes. É ainda mais curioso ler que, nas acaloradas discussões internas desses tempos, Sá Carneiro foi acusado de "ciclotímico", "desequilibrado mental", etc., e o seu bem estar físico e psíquico foi questionado, quase pedindo-se documentação médica para verificar que Sá Carneiro estava.. adequado para os cargos em disputa. Em 77, Joaquim Pinto Machado, médico de formação embora não clínico, e, já agora, um dos melhores professores que eu já tive na minha vida, acusou Sá Carneiro de "maniqueísmo", e várias outras coisas. Foi outro que abandonou o PSD. "Maniqueísmo" é aquela coisa de "ou branco ou preto", ou estás comigo ou contra mim". Nas suas lutas pelo poder assim era Sá Carneiro, efectivamente. 
Em 75-76, após reconquistar o PSD a Emidio Guerreiro, e em 78-80, após superar a crise das "Opções Inadiáveis" e criar a AD, a actividade de Sá Carneiro foi, pelo contrário, frenética, imparável, excessiva. Sá Carneiro queira empurrar o país para a frente quase como que a "murro legislativo". Ansiava por devolver os militares aos quartéis e transformar Portugal num país europeu normal, sem Conselhos da Revolução nem equiparados. Já então o atrapalhava aquela palavra do "socialismo" na Constituição... que o seu partido tinha aprovado! 
Vendo bem, sto é... ser pelo menos um pouco ciclotímico, sim, definido como um traço de carácter, não uma doença. É também uma constante da sua história o flirt com o perigo, o expor-se a situações perigosas ou complicadas. A morte de Sá Carneiro, independentemente de ter sido um atentado ou não, não foi a primeira vez que ele passou por apuros no ar em pequenos aviões Cessna. A sua condução era... selvagem, digamos, e, quando primeiro-ministro, tinha como desporto escapar-se aos seguranças. Dizia que "ia morrer novo"... e cumpriu.

Socorro-me de outra biografia de Sá Carneiro , a feita por Maria João Avillez, que eu não li, mas ouvi citar. Sá Carneiro não teve uma paixão amorosa mas duas. A segunda foi Snu Abecassis, como é bem sabido. Conta Maria João Avillez que  assistiu a uma reunião em 1976 onde estavam todos os principais líderes partidários e onde Francisco Sá Carneiro pouco tinha participado - "ele tinha conhecido Snu recentemente e estava visivelmente apaixonado". Isto em Mário Soares, o "agricultor" de Nafarros, seria impensável. Sá Carneiro foi um metro e sessenta quatro centímetros de extremos. Um homem apaixonado e apaixonante. Felizmente ninguém o medicou a não ser com analgésicos nem ninguém o diagnosticou de, sei lá, bipolar, por exemplo, arrumando para o estatuto de doente mental. Hoje, se fosse vivo, possivelmente estaríamos de lados opostos da barricada. Não importa. Portugal não conheceu nos últimos cinquenta anos outro político como ele. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Yeats.

"The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity."


versos cirúrgicos do poema The Second Coming de Y.B.Yeats, em 1919.

Ás de Paus - 2.

O PSD foi criação de Francisco Sá Carneiro e só. Da velha tríade de fundadores que as imagens retiveram, Magalhães Mota nunca foi a força por detrás de nada e Pinto Balsemão servia apenas para fornecer o catering, dinheiro, casa e um jornal - o Expresso. A figura mais conhecida da Ala Liberal era Miller Guerra e, antes ainda do PPD aparecer, foi o seu primeiro dissidente e por confronto directo com Sá Carneiro. O PPD/PSD nasceu portanto em guerra mas sem Miller Guerra. E, até ganhar as primeiras eleições como AD em 1979, continuou em guerra permanente interna, onde a figura de Sá Carneiro era a referência - ora de amor ora de ódio marcado e profundo. Esta dicotomia aliás passou para o país, onde no geral as opiniões também assim se dividiam. O PSD viveu sucessivas cisões e divisões, com entradas e saídas de Sá Carneiro da primeira linha. E Sá Carneiro foi eliminando ou afastando Sá Borges, Magalhães Mota, Sousa Franco, Emídio Guerreiro, Rui Machete, Mota Pinto, Guilherme d'Oliveira Martins, Jorge Miranda, etc., etc. Muitas destas figuras voltaram depois de 1980, isto é, depois da morte de Sá Carneiro. Vieram reforçar Pinto Balsemão na AD-2, ou participar no Bloco Central onde a figura de proa do PSD foi... Mota Pinto, um ex-dissidente. 
A visão de Sá Carneiro foi bastas vezes minoritária nas cúpulas, as ditas "elites", e ele só conseguiu ganhar e ganhar congressos porque os seus adversários se apercebiam, a bem ou a mal, que a capacidade de captar povo e votos era dele, só dele e de mais ninguém. O PSD foi um partido de um homem só na cabeça de muita gente, bem mais até do que o PS e Mário Soares. Nesse sentido o populismo está na génese e nas tripas do PSD. Até 1980 o PSD foi... Sá Carneirista ou... nada. Lembro-me bem do "Povo Livre" dos primeiros tempos, 75-77, leitura ocasional lá em casa. A JSD tinha uma página que era sua e cujo título era... "Pelo Socialismo!". O PSD sabia que qualquer cheiro de direita podia acicatar os militares e atirá-lo para a irrelevância. Sá Carneiro, embora às vezes compondo o seu discurso, foi sempre frontalmente contra estas contemporizações onde todos eramos obrigados a alinhar à esquerda. 
Sá Carneiro tinha também duas outras inimizades fora do partido: Eanes e Soares. Este triângulo de gente que nos conduziu até à normalidade democrática odiava-se profundamente. Soares via em Sá Carneiro a única figura na área democrática com carisma para lhe fazer sombra. Eanes era ainda e sempre um militar e Sá Carneiro queria os militares fora do poder o quanto antes. Daí a "criação" de Soares Carneiro para as Presidenciais de 80, na realidade uma "não-pessoa", um "não-candidato".
Analisando a história das intervenções políticas de Sá Carneiro e do construir do programa do partido que fundou, dá para perceber que Sá Carneiro de social-democrata não tinha assim tanto. Hoje, aos 81 anos, talvez ainda se mantivesse no PSD, neste PSD de Passos Coelho. Duvido sim que o fenómeno Cavaco alguma vez tivesse acontecido. Até porque as relações entre Cavaco Silva e Sá Carneiro no governo que partilharam não foram perfeitas. Sá Carneiro abriu um pouco os cordões à bolsa para ganhar as eleições de 80, como ganhou. Cavaco discordou muito dessa política económica de contra-ciclo que pode ou não ter ajudado a precipitar a segunda intervenção do FMI, em 1983. Sá Carneiro morreu antes da derrota de Soares Carneiro e antes da economia internacional de 81-82 fazer tremer o barquinho luso. Esses dois testes não os passou. Passou o teste da história com a distinção de "Mito". E a suprema ironia de dar o nome a um Aeroporto Internacional, o da sua cidade natal, o Porto, tendo-se despenhado num avião quando de Lisboa para essa mesma cidade se dirigia. A minha filha não se cansa de me assinalar esta triste coincidência.
Mas ainda não acabei.

domingo, 4 de outubro de 2015

Ora bem, aconteceram eleições.

Houve coisas boas e coisas más. António Costa  - ainda? - não se demitiu. A alternativa parece ser Álvaro Beleza, por isso espero que não se demita.
O único objectivo que me restava para estas eleições era que a PAF não ganhasse maioria absoluta outra vez. Está feito. O desmantelar do país talvez pare.
Por outro lado o mapa político português está mais "limpo". A diferença CDS-PSD está esbatida como nunca. Fala-se em fusão de bancadas, tal a vontade de re-poder. Enquanto isto, o PS está numa encruzilhada. Obrigado a viabilizar um governo PAF - porque é isto o que vai acontecer, a forma e o conteúdo desta viabilização vão determinar o futuro do PS e, porque falamos de um orçamento, do país.
Finalmente a esquerda à esquerda do PS. Catarina Martins venceu as eleições "dos pequenos", ou foi algo diferente? Se há expressão que eu odeio é a do "arco da governabilidade". Porque um voto CDU é igual a um voto PAF, a um voto PNR, etc. A democracia é isto. Porém, as propostas da CDU são não deste século. E as propostas do BE são ainda bastante fora da realidade: a dívida não se reestrutura - ou se se reestrutura é sem falar disso -  e os portugueses também não querem sair do euro. A médio prazo eu quero uma Europa diferente, política, económica e financeiramente. Por agora não é - muito - possível. 
Pedro Passos Coelho, um homem que já foi das Doce e agora é de crucifixo, vai voltar a ser primeiro-ministro. mas a história, COMO SEMPRE, não acaba aqui.

Ás de Paus - 1.

Faltam minutos para terminar o período de votação nos Açores. E vou terminar o meu quarteto de ases atribuindo o Ás de Paus a... Francisco Sá Carneiro.
É difícil de explicar porque vou falar de Sá Carneiro. Talvez porque detesto Mário Soares. Talvez porque, com a minha mãe, fui PSD durante bastantes anos, sobretudo quando ainda não podia votar. Ela ainda é. As razões para uma criança escolher um partido podem ser as mais curiosas. A minha cor favorita em pequeno era o laranja. Havia um jogo que se jogava com dados e onde eu sempre escolhia o peão laranja. Por outro lado, tendo vivido o 25 de Abril com dez anos, a escolha do PSD - via a minha mãe - deve ter sido a óbvia, filho de uma família minimamente pequeno burguesa numa terra entre o Centro e o Norte. Em 75 Ovar votou PS mas o distrito de Aveiro PSD. Lembro-me bem da campanha de 76, uma campanha difícil. Fomos - a minha mãe e eu - para o Largo do chafariz esperar Sá Carneiro. A malta da UDP e do MDP não parava de mandar bocas do outro lado da rua. Sá Carneiro passou, de pé a ver-se pelo tejadilho de uma Citroen Diane... e não parou. A minha adolescência aconteceu tarde, lembro-me de me consolarem falando-me de Sá Carneiro como um homem pequenino que tinha conseguido chegar longe - Sá Carneiro media 1,64m.
Mas ainda não expliquei porque vou falar de Sá Carneiro. Ofereci á minha mãe vai para anos a biografia de Sá Carneiro, escrita por Miguel Pinheiro. Acabei de a ler há alguns meses. No seu tempo Sá Carneiro foi considerado emocionalmente instável e alguns colegas de partido chegaram a sugerir uma avaliação médica - ie, psiquiátrica - para aferir das suas qualidades para seguir à frente do partido. Sá Carneiro leva-me directamente ao cerne da discussão sobre se estamos ou não a hiper-diagnosticar doenças psiquiátricas. Quando falei dos outros ases, Copas, Espadas e Ouros, apliquei-os a histórias que eu vivi de perto e onde a doença psiquiátrica era evidente e grave. Sá Carneiro é - foi - outra guerra.

VI Festiblas - e 6.

E os anos passam. O Hector segue a sua vida em Lugo, e eu por aqui. As amizades a sério serão para sempre, mas quando eu não espreito o que andas a fazer na tua horta há anos... Mas as amizades a sério são para sempre. Por isso, Hector, tolerei os teus dez minutos de euforia Messi - só a ti tolero uma euforia Messi o meu lado, tu que és do Barça desde sempre e tens a felicidade de ter o melhor jogador do mundo no teu clube. Contaste-me sim do como sofreste com a saída do Luis Figo, e eu compreendi-te, pois eu também achei uma cagada o que o Figo fez. Lembrámos Zidane e concordámos que Portugal tem a mania das medalhas de prata no que ao futebol diz respeito. Na manhã de sábado não só não tinha o telemóvel esperto comigo como o saldo do roaming tinha-se acabado. A tarifa easy roaming, tão prática em Atenas, resultara um roubo em Lugo. Tomei o pequeno almoço e fui ao carro buscar moedas. Telefonei-te de uma cabine pública, coisa que já não fazia desde o século passado. O almoço era familiar, eu também tinha alguma inconfessada pressa em voltar. Esperei por ti, fui até à Totem vasculhar comics, verifiquei como Lugo estava em festa pelo San Froilán, Fazia um sol de inverno óbvio. As temperaturas de 20 graus do litoral norte não eram para aqui chamadas. Apareceste, bendita Lugo que, quando se pede uma água sem gás te oferece uns pinchos de graça. Da cozinha ainda pediste um pouco de bucho. Eu estava um pouco instável ainda dos excessos da noite, resolvi passar. Fomos até à Praza Maior, onde a acaldesa dava início oficial às festas de San Froilan, ao som de gaitas, era? Logo depois e também em galego um senhor forte de voz bem colocada começou a apresentar um senhor boi, resoluto representante das raças bovinas galegas - da Terra Chá? - que, apesar de enorme e resoluto, se recusou a avançar até ao meio do "palco". - Só em Galicia, disse! Sem me censurares foste esclarecendo que o San Froilan sempre foi uma feira agrícola e de gado, portanto... E assim vi Lugo resumida, a cem metros a livraria de comics Totem, com coisas que no Porto não há, outros cem metros o Clavicémbalo onde eu passara uma noite divina e se tocava música que ao Porto não chega - excepto Mujeres, LOL. Na Praza Maior um boi era apresentado à multidão. E viva a Galiza, pá. Mesmo! 
Hector, até Abril!

Festiblas - 5 ou tenho mesmo que fazer a barba mais amiúde.

Claro que muito mais aconteceu neste Festiblas - e na manhã a seguir. Um só episódio conto, ainda da noite. O Hector apresentou-me a duas colegas do Hospital, uma pneumologista e outra hemodinamista. Mais novas do que ele um pouco, será? Olharam "através" de mim, para mim não, com toda a certeza. Coube-me a difícil tarefa de elogiar as "partes clínicas" do Hector quando no meu Hospital, tempos que já lá vão, o guaperas do caralho tinha ido buscar mais cerveja e deixara-me ali com as  minhas barbas brancas e sem o andarilho! Uma perguntou-me, mas continuando na realidade sem me ver: "Se el era así de bueno, por que no luchasteis por el?". Respondi-lhe que não estava nas minhas capacidades, nas minhas, lutar a esse nível por quem fosse, e que o Hector provavelmente tinha querido volta para a sua querida cidade blablabla, afinal eu não precisava de andarilho tinha duas canadianas ali à minha disposição, a da extrema velhice a agora também  a da impotência. Nunca me tinha sentido tão... infodível! Aí voltou o Hector com mais uma Estrella e as coisas compuseram-se um pouco.

VI Festiblas - Mujeres.

Os Mujeres são 4 rapazes de Barcelona já com cartaz firmado, ao contrário das Bala. Estiverm por ex no Optimus Primavera Sounda aqui no Porto em 2012. E têm óptimas recordações do Parque da Cidade. As orientações sexuais deles já não nos interessaram tanto, nem ao Hector nem a mim. O baterista num determinado momento pareceu-me querer beijar o baixista, ao que este não correspondeu, limpando a barba do contacto. Os Mujeres têm um som pop esgalhado onde as duas guitarras criam uma espécie de "wall of sound" muito fim dos anos noventa - corrige-me Hector se estou errado, com um toque curiosamente rockabilly. Têm a curiosidade de usar com frequência dois vocalistas, o que cria uma segunda muralha - de palavras - sobre a muralha das guitarras. São muito bons, efectivamente. E as suas t-shirts esgotaram. Confesso que me lembro um pouco menos do concerto. Estrella Galicia é mesmo uma boa cerveja...

VI Festiblas - Bala.

As Bala são galegas. A baterista é de Lugo - o Hector apontou-me a família, incluindo o entusiasmado pai, no público - e a guitarrista é da Coruña. A baterista dá pelo nom de plume de "V" - de Violeta, O nom de plume da guitarrista é "Anx Bf" - de... sei lá! Os White Stripes tornaram popular esta coisa de fazer rock só com bateria e uma guitarra. Mas não é fácil. E as Bala não soam a White Stripes. Tudo começa em V: V é relativamente pequena e o seu look gótico com uma discreta tatuagem no braço não promete o vendaval que V é capaz de produzir. Tudo o que aquela bateria é capaz de dar V vai obter, competamente engalfinhada no massacre. É muito poderio. Eis senão quando Anx Bf começa a "serrar" a guitarra. Anx Bf não é de subtilezas. Embora fosse com uma simplicidade de liceal  que me agradeceu a compra de uma t-shirt e os elogios, horas depois, com as suas simples e leais calças de ganga e uma camisinha azul florida, cabelo extenso e castanho. A destruição sonora que a guitarra produz em cima do maremoto da bateria cria o pesadelo sonoro adequado para se passar uma hora - como se passou - em verdadeiro nirvana cataclísmico. Ah, e falta falar das vocais. Cantam as duas - cantarão? V vocifera coisas as mais das vezes ininteligíveis, que depois Anx Bf "corrige" gritando os refrões e o argumento ao ritmo da metralhadora da bateria. A rendição foi completa. Foi-me oferecido um vinil que eu não vou ouvir - o disco chama-se "Human Flesh" e foi editado pela... "Mata-Padres". O Hector não é tão mais velho do que eu e informou-me que a baterista é lésbica. Mais disse: "Espero que quando a minha filha fôr grande seja assim!". Estava a falar da qaulidade musical, não da orientação sensual. Não mencionou que Anx Bf é heterosexual e tem um relacionamento explicitado no face com um tal de Hugo. 

sábado, 3 de outubro de 2015

VI Festiblas - 2.

Como a minha vida não é isto, mal tinha tido tempo para prestar adequada atenção ao cartaz. In illo tempore tinha ouvido alguma coisa dos grupos contratados e a sexta-feira tinha-me parecido mais interessante, porque mais esgalhada. Também evitava eu cortar em Ovar, etc. Ficar dois dias também obrigaria a mais catering pelo Hector e a minha função nunca seria essa, chatear o próximo. Os grupos eram dois: "Mujeres" e "Bala". Pouco depois de entrar percebi que um dos grupos era constituido por duas raparigas - com cara e corpo para serem colegas da minha filha - embora depois ficasse a saber que eram bem mais velhas; o outro grupo era constituido pelos quatro rapazes com tem tinha conversado antes - com dois deles, pelo menos. Demorou três quartos de hora  - e duas cervejas - para perceber que tinha entendido mal a distribuição dos nomes: as miúdas afinal chamavam-se "Bala" e os rapazes... "Mujeres"! Tendo as duas miúdas um aspecto verdadeiramente adolescente tinha-me parecido que o nome "Mujeres" lhes acertava a 100%. Por outro lado, a piada de um grupo masculino chamado "Mujeres" parecia-me curta pois a música deles era bem mais elaborada do que isso. Se este engano de três quartos de hora não me humilhasse um pouco, eu teria achado o nome "Mujeres" um achado, claro. Nunca tinha assistido a um sound check. Tanto já aprendi com o Hector - e fiquei a saber que quem faz o sound check depois é porque toca primeiro. 

VI Festiblas - 1.

"Clavicémbalo" é o nome italiano para aquilo que em português se chama "cravo", instrumento de teclas popular nos séculos XVII-XVIII e que antecedeu o pianoforte. Curiosamente em Espanha e a acreditar na Wikipedia, o cravo é popularmente conhecido como "clavicórdio" ou, eruditamente, como "clavicémbalo", dá para escolher..
Clavicémbalo é também um clube de música em Lugo onde um amigo meu organiza uns festivais. Ontem estive por lá: o VI Festiblas.
O Clavicémbalo é palco todos os anos de um Festival de Jazz. O dono vive a perder dinheiro com tudo isto. Ontem não terá sido o caso: a casa encheu. No Clavicémbalo já tocaram grandes nomes do jazz espanhol - Tete Montoliu - europeu e americano. As fotografias nas paredes não estão ali, como é costume, por acaso. No Hostal onde fiquei, curiosamente, não me souberam indicar o caminho. Porém, quando desci e cheguei cá fora, adivinhei. Eu lembrava-me, era logo ali como quem desce. O dono esquecera-se de que naquele mesmo dia - ontem - havia uma performance, um teatro, então a coisa estava atrasada. Entrei, abracei o Hector, peguei numa Estrella Galicia, os testes de som estavam em curso. O Hector apresentou-me uns rapazes que estavam por ali - percebi depois que eram os cabeças de cartaz. Disse-lhes que ia escrever sobre eles no meu blogue em Portugal, portanto, ojo, cuidao! Depois descansei-os: "No os preocupeis, nadie me lee!"

The Hours - Michael Cunningham.

Escrever sobre um livro depois de termos falado do filme é fácil: não é preciso contar a história. E à pergunta se o livro ultrapassa o filme a resposta também é fácil, neste caso
: sim,  e muito.
"The Hours" é ainda a obra mais conhecida de Michael Cunningham. Saiu em 1998 e ganhou o Pulitzer no ano seguinte. A história do filme segue aproximadamente a do livro. Há a criação de alguns momentos de maior dramatismo  - no filme - que no livro são espalhados pela prosa brilhante de Cunningham. E digo brilhante porque me lembra, sim, Virgina Woolf. A prosa de Cunningham é uma sucessão de palavras e palavras e palavras a brilhar e a brilhar, dando-nos todos os detalhes, os olhares, as pessoas qie passam que contam, que desaparecem, como um trabalho de pedraria que se deixa ver em acumulação mas nunca em excesso. Dito isto, só transcrever:





"Beijam-se de novo. Clarissa aconselhará Sally, quando a ocasião parecer certa, a não usar o casaco cor de mostarda.
Enquanto continua a atravessar o átrio pensa, admirada, no prazer que sentiu - quando tinha sido? - há pouco mais de uma hora. Neste momento, às 11.30 de um quente dia de Junho, o átrio de entrada do prédio onde mora lembra uma entrada para o reino dos mortos. A floreira está no seu nicho e os mosaicos castanhos vidrados do chão devolvem silenciosamente, de modo turvo, a cansada luz ocre dos candeeiros. Não, não é exactamente o reino dos mortos, há algo pior do que a morte com a sua promessa de alívio e sono. Há poeira a subir, dias intermináveis e um átrio mudo e quedo, sempre cheio da mesma luz castanha e do cheiro húmido e levemente químico que vai passando, até aparecer alguma coisa mais exacta, pelo odor real da idade e da perda, o fim da esperança. Richard, o seu amante perdido, o seu amigo mais sincero, está a desaparecer na sua doença, na sua insanidade. Richard não a acompanhará, como estava planeado, na velhice.
Clarissa entra no apartamento e sente-se imediata e curiosamente melhor. Um pouco melhor. Tem de pensar na festa. Pelo menos há isso. Este é o seu lar, dela e de Sally, e, apesar de já ali viverem juntas há quase quinze anos, ainda a surpreende a sua beleza e a incrível sorte de ambas. Duas assoalhadas e um jardim em West Village! São ricas, claro, obscenamente ricas pelos padrões mundanos, mas não ricas ricas, não ricas estilo cidade de Nova Iorque. Dispunham de uma certa quantia para gastar e tiveram a sorte de encontrar estas divisões com soalho de tábuas de pinho, esta enfiada de janelas de batente que abrem para um pátio de tijolo onde cresce musgo esmeralda em tinas de pedra pouco fundas e uma pequena fonte circular, uma bandeja de água clara, borbulha em obdiência ao toque de um interruptor. Clarissa leva as flores para a cozinha onde Sally deixou um bilhete - "Almço c/Oliver - esqueci-me de te dizer? - volto às três o mais tardar. XXXXX" - , Clarissa sente-se, de súbito, deslocada." 



"- Vem cá - diz Laura, como diria ao seu filho, e, como se Kitty fosse o seu filho, não espera que lhe obedeça e vai ela ao seu encontro. Agarra-a pelos ombros e, após um certo constrangimento, inclina-se até ficar praticamente de joelhos. Tem consciência da sua estatura, de quanto é alta ao lado de Kitty. Abraça-a.
Kitty hesita e depois deixa-se abraçar. Rende-se. Não chora. Laura sente o abandono, sente-a entregar-se. E pensa: é isto o que um homem sente quando abraça uma mulher.
Kitty passa os braços à roda da cintura de Laura, que está inundada de sentimento, de comoção. Aqui, aqui nos meus braços, estão o medo e a coragem de Kitty, a sua doença. Aqui estão os seus seios. Aqui está o coração resoluto e prático que bate por baixo deles; aqui estão as luzes líquidas do seu ser: luzes rosa-carregado, luzes vermelho-ouro, cintilando, vacilantes, luzes que se congregam e dispersam; aqui está o mais íntimo, o mais profundo de Kitty, o coração debaixo do coração, a essência intangível com que um homem - e logo o Ray! - sonha, pela qual se sente atraído, que procura à noite tão desesperadamente. Aqui está, à luz do dia, nos braços de Laura. Sem ter bem consciência disso, beija Kitty demoradamente no alto da testa. Sente-se inundada pelo perfume dela, pela essência fresca e pura do seu cabelo louro-acastanhado."







E é isto todo o livro. O que é muito bom.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Ruy Cinatti.

"JUVENTUDE



Arde e não queima
 o que sinto agora
junto à lareira.

Não foi desejo,
não, infelizmente,
o que perdi.
Foi o coração,
mais que demente
esteio da vida.

Palavras tenho
para queimar."



Ruy Cinatti, in O Tédio Recompensado, 1968

Cristina.

"Duas pessoas jogando
no entardecer
da praia de Santa Cristina

À distância
parecem
sacos de lixo."