quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Uma ida a Braga.

Devo assumir que antigamente era fácil entrar em Braga de carro. Já não é. Braga não devia ser um destino interessante para os meus pais. A estrada fazia-lhe uma tangente e depois seguia para o Gerês. E na verdade ainda assim é. Braga já engoliu tudo o que rodeia essa estrada para o Gerês mas ela ainda existe, bem como o Gerês como destino de fim-de-semana. E as pessoas para lá vão, comendo por ali entre a Caniçada e as Caldas, felizmente não se aventurando pela serra propriamente dita. Braga: a antiga Braga ainda existe, mas é preciso optar se escolhemos sair em Braga - Celeirós ou em Braga - Sul ou ainda em Braga - Oeste para fazer a necessária aproximação. O resto é tentativa e erro. Braga não compete com o Porto - acha que já o ultrapassou. Por isso tem um Centro Comercial que emula o Colombo: o Braga Parque. Estive ontem aproximadamente 45 minutos dentro das suas entranhas para conseguir estacionar no menos três. Explico aqui como Braga ultrapassou o Porto: nem o Norte Shopping nem o Arrábida têm um menos três. O Braga Parque associa a atracção de uma Fnac ao imediatismo da Primark. Mas não se gastou nele um cêntimo para além de um apressado lanche. A ida ao Braga Parque foi como ir à praia no verão, sendo Domingo: quando consegues estender a praia é hora de lanchar e, logo depois, de programar a volta a casa. 

Tenho, descobri há pouco tempo, duas profissões, ambas começadas pela letra "M": numa delas sou motorista. E talvez nesta hoje seja mais feliz: sempre transporto e guio carga preciosa. Braga bem merece uma missa: até porque, hoje em dia, graças a um determinado autarca seu que o foi trinta e sete anos, já não reza apenas e oferece os seus edifícios de apartamentos feitos em decalcomania orgulhosamente para o alto, e engloba subúrbios com nomes tão interessantes como Lomar e Dume. Com tempo descobrirá a jóia de S.Frutuoso de Montélios. 

O que tem de bom ir a Braga é reconciliar-me com os centros comerciais da... Grande Porto! 

domingo, 27 de dezembro de 2015

Parabéns a Portugal! Mais uma vez batemos Espanha!

Bom, vou então dar os meus parabéns a Portugal. Porque, no meio destas confusões eleitoralistas, vai conseguir ter novas eleições mais tarde do que Espanha.

E o que separa Espanha de um governo de esquerda? Um referendo. Um simples referendo. Que aparentemente Catalunha quer mas a Constituição não deixa. Pablo Iglesias, o simpático rapaz do Podemos, sempre com aquele cabelo apanhado atrás que eu invejo, marcou a sua linha vermelha negocial na admissão desse referendo. Que, em sentido contrário, o é também para Pedro Sanchéz, o SG do PSOE. Curiosamente fica aqui por esclarecer quem é mais teimoso, já que juntos PSOE e Podemos não assegurariam governo nenhum, precisariam de apoio adicional de partidos autonomistas. parece-me a mim portanto que o PSOE se esconde na primeira negativa porque a seguir teria que dizer não ao que a Esquerda Republicana Catalã iria exigir, e não também às exigências da Bildu vasca. 

Isto dos referendos para a independência de uma região de um país - não levem a mal a palavra região, uso-a com um intuito meramente geográfico - Espanha não é mais do que uma região da Europa, certo? - dizia eu que isto dos referendos para a independência de uma região de um país criam-me uma certa brotoeja, pois se o resultado é de tipo 51-49%, não podemos dar a independência a metade da coisa ficando a outra metade onde estava, nem vice-versa. Acho eu que uma coisa tão grande e poderosa como isso da independência pediria assim um consenso de uns 70%, ou mais. Para que a sociedade dessa região não ficasse, hum, um pouco para o partida. Infelizmente acho que esta minha opinião deve ser muito minoritária.

Espanha deve também ser um país, coitado, muito inseguro de si próprio. Portugal alegremente já fez inúmeras revisões da velha constitução de 75. E mais vai fazer, aposto. Espanha não, vive agarrada à Constituição de 78 como se fosse uma tábua de salvação contra o caos. E o caos chama-se autonomias e, Deus nos levivre, independências. Em Portugal esse problema é apenas insular, embora o caso particular da Madeira já nos tenha custado uns quantos milhões. Em Espanha - e porque em 78 ainda a transição era um passado presente - diluiu-se muito bem diluida a vontade autonómica de umas quantas regiões na criação de dezanove autonomias, dezanove repito, se contarmos com os anacronismos coloniais  de Ceuta e Melilla. Estão por fazer as contas do dinheiro desperdiçado por Espanha com a criação destas dezanove "Madeiras". E digo isto mandando um abraço aos meus amigos madeirenses, cujo direito autonómico era e é óbvio, e a toda a grande Espanha, país de mais de meio milhão de km quadrados, e cuja descentralização governativa era uma necessidade. Custa-me perceber porém a necessidade de um parlamento em Cantabria, em La Rioja, regiões com menos população do que o distrito de Braga.

Curiosamente houve em 2014 um referendo para a independência da Escócia - que falhou. Falhou? Um referendo nunca falha, o resultado é o que é, a Escócia permanece no Reino Unido que se assim se chama por alguma razão é. Uma Escócia independente colocaria alguns problemas sérios, sendo um deles onde iria a Rainha Isabel II passar o verão. O facto é que o Reino Unido conseguiu sobreviver a um desses referendos. Parece que a Espanha não se atreve a arriscar.

Engraçado que a maior parte dos espanhóis não se interrogará seriamente porque para aí metade dos catalães e dos vascos, e talvez um terço dos galegos, não querem ser o que eles são: espanhóis. Engraçado que as metades catalãs e vascas que não querem ser espanholas não reflectem muito sobre o que fazer - depois, imaginemos, de um referendo ganho, que sempre o seria rés-vés - com a outra metade da sua região agora país que não queria deixar de ser espanhola. 

Este texto já vai longo. Mas ainda faltam coisas. Eu, por exemplo, simpatizo imenso com a Catalunha e os Catalães. Julgo porém que vivem um momento histórico de maus governantes e má governação. "España me roba!" é um slogan miserável. E, pelo que sei, mentiroso. Artur Mas é um escroque e filho directo de uma infecção que atacou a Cataluña há umas décadas e que deu pelo nome de Jordi Pujol. Quem me desmente?

A Europa tem poucos países grandes - no sentido de "extensos". Esquecendo a Europa de Leste onde a "grandeza" da Ucrânia foi recentemente questionada militarmente pela Mãe-Rússia, grandes são a França, a Itália, a Alemanha e o Reino Unido. E a Espanha. Cada um deste países nasceu de uma forma original e única. 
A Alemanha e a Itália nasceram no século XIX, sendo a Alemanha uma criação de Bismarck onde se reconheceu um nacionalismo unificador - a Alemanha, não esqueçamos que o alemão é a lingua-mãe mais falada na Europa, a seguir ao russo. A Itália foi uma invenção de Garibaldi, hoje também em perigo, dadas as terríveis assimetrias entre o Norte e o  Sul italianos - mas aqui também existindo uma unidade linguística e de história: a Itália sempre existira, só faltava inventá-la.
Sobre o Reino Unido já falámos, ele afirma-se plural e, lentamente, aceita uma diversidade. A sua necessidade de ser "grande" - já não foi "aquele império"? - leva-o não só a manter-se "Unido" mas também a ponderar, curiosamente, sair da UE, onde é apenas mais um.
A França é um país especial cuja especialidade é acreditar que o mundo ainda acredita que tudo nasceu da Revolução Francesa. É essa especialidade em se acreditarem únicos que une os franceses. Deixá-los.

E a Espanha? Vá, já escrevi sobre a Espanha que chegue, essa invenção de uns Reis ditos Católicos - que há quem queira santificar! - criada numa aliança conjugal que, ao mesmo tempo, conquistou Granada e descobriu a América. Este Super-Mito curiosamente há muito que, acho, deixou de seduzir muitos espanhóis. A maioria? Para quando o elogio da Espanha da fantástica diversidade? 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Ted Danson.


Talvez seja estranho dizer isto mas Ted Danson é o meu actor de televisão preferido. Embora no cinema Ted Danson nunca tenha feito um papel com o mínimo de relevo. 
Ted Danson nasceu em 1947. Já com anos de trabalho na tv e na publicidade, a grande oportunidade aconteceu com a série "Cheers", em 1982. Esta série durou onze anos e fez história. Sam Malone, o papel de Ted Danson, marcou-o o suficiente para que as suas hipóteses no cinema fossem nulas. A imagem de Sam, ex-jogador de baseball a atender num bar este mundo e outro - americano, claro, colou-se-lhe e num filme só podia ser daí para cima.


Cinco anos depois Ted Danson iniciou outra sitcom, "Becker", onde fazia de médico de bairro de uma carrada de personagens os mais variados. O doutor da série era um misógino e introvertido bem intencionado, mal disposto as mais das vezes. A série foi bem recebida porque era Ted Danson a fazê-la e a fez muito bem. Claro que a série não mereceu o êxito de "Cheers" porque nem era tão diferente assim: Ted Danson era o planeta, todos os outros personagens satélites a girar à volta, satélites saídos da paisagem americana de pessoas esquisitas e/mas engraçadas.


Ted Danson envelheceu, separou-se, casou-se. separou-se, fez uns filmezitos, em 2007 entrou na série "Damages" numa interessante segunda fila, e em 2009 entrou nos três anos da série cómica "Bored to Death". Dizer que ele é o melhor que na série acontece quando ele contracena com Jason Schwartzman e Zach Galifianakis não chega. Ele é um executivo offside que fuma umas coisas e faz com frequência o que não devia fazer sem nunca desalinhar o que por esta altura já se tinha tornado a imagem de marca de Ted Danson: uma impecável cabeleira branca.


Finalmente Ted Danson entra na série "CSI" original no seu ano doze, em 2011,  e consegue, enquanto D.B. Russell mantê-la a flutuar durante mais quatro anos, refinando uma imagem de introversão, originalidade e humanismo, trazendo a CSI algo mais para o mainstream e oferecendo-se como pai não só da sua família - esposa e quatro filhos - mas também daquela gente toda estranha que ali trabalha. Ted Danson saiu directamente de "Bored to Death" para a CSI. Só grandes actores de televisão conseguem dar assim um salto. Claro que, a voz, as frases, são parecidas. E em Ted Danson o trabalho da voz é fundamental. 

Danson está em vias de fazer 68 anos. Continuando no franchise CSI rodou em Outubro de 2015 para o "CSI:Cyber" - série 2 - possivelmente para a salvar. Ted Danson há muito que deixou de ser Sam Malone para ser... D.B.Russell, mas -  ao mesmo tempo - é o xerife da segunda série de "Fargo"!
Não há melhor!

Yin Shi Nan Nu.

"No other culture is as food-conscious as that of the Chinese.  As an integral, indeed a central, aspect of Chinese culture, food in the way ingredients are chosen and prepared, the utensils in which they are cooked and served, the manner in which they are first displayed and then consumed, and the properties they are believed to possess is more than nutrients for sustenance.  Food may be used as demarcation of cultural identity, as ritual, as medicine, as means of communication, and as a prelude to and the conclusion of sex." Richard Shek, paper presented at the Sinology Conference, held at California State University, Sacramento, 2005.


"Yin Shi Nan Nu" ou, em Inglês "Eat Drink Man Woman" é o terceiro filme de Ang Lee e aquele que o trouxe para o mainstream americano. Logo no ano a seguir fazia "Sense and Sensibility".
Dividem-se os sites sobre a que parte de Confúcio está o filme ligado mas, como sempre, a resposta é que o segredo está nas duas ligações: por um lado Confúcio assumiu que comer, beber e o sexo eram os desejos principais dos humanos e como tal deviam ser encarados. Por outro lado este filme trata dum dos pilares da sociedade chinesa, o "respeito e dedicação que é devida pelos filhos aos pais". Neste caso três filhas e um pai, viúvo.

O Sr.Lung é um chef que cozinha para as suas três filhas um banquete todos os domingos, a que elas chamam "o ritual de tortura de domingo". Ele era um grande chef mas perdeu o paladar. E o gosto pela vida ao que parece. O que terá desaparecido primeiro? Tem um irmão, Wen, cujas caretas lhe dizem, quando necessário, se o tempero está bom, se o vapor não cozeu demais. As três irmãs vivem na casa do pai como se numa prisão, as suas vidas amorosas em diferentes encruzilhadas. Cada uma delas acaba por resolver o seu puzzle através das linhas de escape habituais - não vou dizer quais. Uma das filhas herdou a qualidade culinária do Sr.Lung - ou seria da falecida mãe? - e no fim é ela que "fica". Como assim? Aconselho a ver o filme - que num pequeno sketch até lembra Almodovar - mas que vale a pena porque ele há problemas e ele há soluções e nada aqui é inventado. No fim o Sr. Lung recupera o paladar ao deixar que cozinhem para ele e conseguiu alargar a família. Ang Lee filma Taipé como a metáfora mais óbvia para uma China que já não é a China que era mas demora a aperceber-se por completo disso. E filma a confecção culinária como ninguém. Anos depois em "O Tigre e o Dragão" e em "A Vida de Pi" teremos a prova provada da excelência visual dos filmes de Ang Lee. Mas bem mais cedo temos o comprovar das suas qualidades. em "Sense and Sensibility" Ang Lee abandona Taiwan e viaja até à sociedade mais parecida, a Inglaterra Vitoriana e, voltando a lidar com os fenómenos do "coming of age" feminino inventa Kate Winslet. 

Ang Lee não é um génio mas é um óptimo artesão, como o era... Michael Curtiz? 

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Os Girassóis de Van Gogh




Aprendi que a arte comprava-se e valia muito dinheiro quando nos anos oitenta um japonês - ou um conjunto de japoneses, não lembro bem - comprou uma versão dos "Girassóis" de Van Gogh por uma pipa de massa, traduzindo, umas dezenas de milhões de dólares. Era um record. Van Gogh em vida só vendeu um quadro das centenas que pintou. Por isso e mais umas merdas suicidou-se com um tiro aos 37 anos de idade. Hoje já ninguém escreve sobre a pintura de Van Gogh, porque vulgarizada. O salto que ele e o seu agressor/agredido amigo Paul Gauguin deram a partir do impressionismo - nos anos oitenta do século XIX, tornou possível a pintura moderna, isto é, a pintura moderan do século XX. A máquina tinha sido posta em movimento, só o dinheiro a podia parar. E parou - hoje não se faz história da pintura, não há pintura nova. Há evoluções de mercado. É portanto hoje que se pode voltar a falar dos "Girassóis". 
A história da pintura de Van Gogh desenha-se através da cor. O estado mental - demasiado estudado - de Van Gogh cruzava-se com o caminho que ele procurava para a sua pintura. O amarelo desempenha um papel fundamental neste caminho.
Os "Girassóis" têm sobretudo duas grandes versões, pintadas com pouca distância no tempo. Uma está exposta em Munique, a primeira, a segunda na National Gallery de Londres. Sucedem-se três versões destes dois quadros. E há dois ensaios prévios, policromáticos, portanto ainda num tempo de indecisão.
A diferença entre as duas pinturas está  nos girassóis e na parede de fundo. Na primeira versão conseguimos ver com nitidez que os girassóis estão em diversas fases de floração. A parede do fundo é azul. Na segunda versão as diferentes fases de floração estão lá mas a sua definição é secundária. A parede de fundo é dum amarelo claro e transforma este quadro num diálogo quase exclusivo entre dois tons de amarelo: um carregado, o dos girássois, do tampo da mesa e da parte de cima do jarro, e o mais claro da parede e da parte de baixo do jarro. Podemos adivinhar uma evolução apontada - seria? - onde o caminho seguinte seria abolir o motivo e criar uma mar de pintura abstracto em tonalidades de amarelo. Van Gogh suicidou-se dois anos depois de pintar estes dois quadros. Sobrevivesse cinco anos e teria pintado isto que está aqui ao lado?

O Vitorino.

O Vitorino não estava bem. Amigos não desde sempre mas quase, a face seca e abstracta do Vito era o meu espelho deformado, eu onde os anos tinham já acrescentado excessos e redundâncias. O Vito vivia em Alfena - por opção. Era engenheiro de minas suficiente mais - nunca excedera a eficiência, nunca progredira em nenhuma carreira. Quando alguém novo na sua vida perguntava "mas afinal o que é isso  - ser engenheiro de minas?", muito provavelmente esse personagem novo, habitualmente uma mulher, passaria ao mundo pretérito em dias, senão horas. Porque o Vitorino tinha um mundo pretérito extenso, antónimo da minha paz familiar, onde só o número de cães variava. Considerava eu uma honra saber-lhe o nome de todas. E ele respondia-me "Sabes que, a ser homem, serias tu, mas agora estás pró pesado, aliás a Gena não se tem queixado?". Por estas e outras a visita do Vito a minha casa não era frequente.  E lá estavamos nós no café do costume.
"Ó Vito, que se passa? Que merda te dói?" "Pá, nada! Sabes como aqueles cabrões da Mota-Engil me exploram, mas estou habituado!" "Voltaste a fumar?" "Não." "Bebes mais do que o costume?" "Não." "Compraste um dragão de Komodo e não sabes o que vais fazer com ele" "Não, nada cómoda essa cena de Komodo!" 
O Vitorino olhava para algures depois para mim depois para algures, eu diria talvez para a altura de um vigésimo piso. Há semanas que ele não me informava de um novo filme que eu não iria ver, de um livro que eu não iria ler, de uma catástrofe cultural que eu iria apoiar online - porque sou mesmo muito amigo do Vito e só por causa dele tenho Face e Twitter e Tumblr e mais duas ou três coisas dessas que já em minha casa motivaram alguma ciumeira e - apercebi-me - alguma espionagem informática que me adjudicou um estranho orgulho.
"Então, Vitorino, que se passa?" O olhar do Vitorino de repente saltou do céu para o outro lado da rua e alegre e triste como a canção tentou ganhar vida, a tal vida que me parecia estar-lhe ausente desde pelo menos aquela derrota do Sporting com os albaneses. Ambos somos sportinguistas. Tentou mas não conseguiu.
"Não te preocupes, eu habituo-me!"

Da Quiche ou A Tua Fome.

A quiche tem um
Molde que a
Contém e reduz.
Uma omelete é
Dobrada e nela
Mesma se satisfaz.

Fizesses sem
Molde o teu comer
E, porque o mundo é
Convexo, teríamos
Então um grande
Problema.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Penso agora, vírgula.

Penso agora ao ir para casa que, mesmo quando, não hoje, hoje não, o piso não estiver molhado, será adequado manter uma distância de segurança.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O Bolhão e a Bolsa.

Há aproximadamente um mês pude visitar o mercado do Bolhão de manhã. Adivinha-se que o mercado não consegue a azáfama de outros tempos, mas as mulheres de sempre ainda ali estão, os cães, os sanitários "à indiana". E as bifanas, o verdadeiro prato popular do Porto, já que a francesinha é na verdade uma invenção tardia e burguesa. O Bolhão é uma preciosidade, uma jóia, um leão ferido mas que ainda vive. Quase lhe confere dignidade adicional a presença dos  andaimes e a noção de qua há ali um risco, de que a qualquer momento um pedaço de parede, de reboco, de tecto pode dar-nos a honra de ruir e nos mandar para o hospital ou para o cemitério.
O palácio da Bolsa curiosamente está numa parte mais antiga da cidade. A Bolsa já não existe, claro, e muita da capacidade burguesa da cidade migrou para sul, para a capital. Capacidade que em parte era inglesa - e a Feitoria Inglesa fica a cem metros - e em outra parte era "brasileira" ,pois só um gosto brasileiro pode explicar o faiscante Salão Árabe. Hoje o mesmo gosto que sanciona o Yeatman como "a varanda para ver o postal". O Porto é uma cidade desigual, injusta e


bruta. É uma paixão muitas vezes não correspondida. Entra-se numa sala e sentimo-nos em casa só porque reconhecemos as fartas patilhas do falecido Paulo Valada. E descansamos no facto de Rui Moreira ainda não se ter retratado, detalhe que em Lisboa, terra de vaidades fáceis, não seria compreendido. A Bolsa já não existe. O seu palácio merece uma que outra visita. Ao mercado do Bolhão queria eu poder ir todos os dias...

France, troisiéme tour.

Portanto, não é com desistências e coisa e tal que se resolve o problema Marine Le Pen. O elefante na sala não é ela mas sim os 50% de eleitores que não votam. Os candidatos socialistas ainda não perceberam o que fazer, por isso, confusos, desistiram dois em três para fazer a chamada "barragem republicana". Sarkozy sim ,que percebeu - e não desistiu. Sarkozy ainda acha que pode "comer" le Front National. No fim vai perceber quem come quem. A direita sempre achou que a extrema-direita podia ser útil. Mas no fim da história a direita vai ser apenas "a terminação" no dia em que a Le Pen sair a sorte grande. Enquanto isto não acontece, deixem a FN governar! Ou têm medo que afinal o seu governar não se diferencie dos governares do "arco da governabilidade"? Hitler subiu ao poder numa Alemanha com instituições democráticas muito muito muito frágeis. São assim frágeis as instituições democráticas em França?
Para finalizar, porque 50% dos franceses não votam? Uma razão será Hollande. Outra será... Sarkozy! Fico contente por dizer que - apesar de tudo, as opções portuguesas de há meses eram - ambas - menos más!

France, second tour.

Mais de metade dos franceses não votaram a seis de Dezembro. Os votos do Front National correspondem apenas a 13% do colégio eleitoral. Mas os votos nos Socialistas correspondem a 11%!. O problema não está no fascismo, está no desinteresse.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano - extracto.

"A doença punha a descoberto os piores aspectos daquele carácter seco e superficial; a mulher visitou-o; como sempre, a sua entrevista acabou com palavras amargas; ela não voltou mais. Trouxeram-lhe o filho, uma bela criança de sete anos, desdentada e risonha; olhou-o com indiferença. Informava-se com avidez das notícias políticas de Roma; interessava-se por elas como jogador, não como homem de Estado. Mas a sua frivolidade continuava a ser uma forma de coragem; despertava de longas tardes de sofrimento ou de torpor para se entregar por completo a uma das suas brilhantes conversações de outrora; aquele rosto molhado de suor sabia ainda sorrir; aquele corpo descarnado erguia-se com graça para receber o médico. Seria até o fim o príncipe de marfim e ouro.
À noite, não podendo dormir, instalava-me no quarto do doente; Céler, que gostava pouco de Lúcio, mas que me é demasiado fiel para não servir com solicitude aqueles que me são caros, dispunha-se a velar a meu lado; subia dos cobertores uma respiração ofegante. Invadia-me uma amargura profunda como o mar; ele nunca me tinha amado; as nossas relações tornaram-se depressa as do filho dissipador e do pai benévolo; esta vida escoara-se sem grandes projectos, sem pensamentos graves, sem paixões ardentes; ele tinha dilapidado os seus anos como um pródigo deita fora moedas de ouro. Apoiara-me a uma parede em ruínas: pensava com cólera nas enormes somas despendidas com a sua adopção, nos trezentos milhões de sestércios distribuídos aos soldados. Num sentido a minha triste sorte acompanhava-me: estava satisfeito o meu velho desejo de dar a Lúcio tudo quanto pode dar-se; mas o Estado não sofreria com isso; mas não me arriscaria a ser desonrado por aquela escolha. Bem no fundo de mim mesmo chegava a temer que ele melhorasse; se por acaso se aguentasse ainda alguns anos, eu não podia legar o império aquela sombra. Sem nunca fazer perguntas, ele parecia penetrar o meu pensamento nesse ponto; os seus olhos seguiam ansiosamente os meus menores gestos; tinha-o nomeado cônsul pela segunda vez; ele inquietava-se por não poder desempenhar as suas funções; a angústia de me desagradar fez piorar o seu estado. Tu Marcellus eris... Repetia para mim estes versos de Virgílio, consagrados ao sobrinho de Augusto, ele também destinado ao império e que a morte arrebatara no caminho. Manibus date lilia plenis... Purpureos spargam flores... O amador de flores não receberia de mim mais que inanes ramos fúnebres.
Julgou-se melhor; quis regressar a Roma. Os médicos, que já não discutiam entre si senão o tempo que lhe restava para viver, aconselharam-me a fazer-lhe a vontade; levei-o, por etapas, para a Villa. A sua apresentação no Senado na qualidade de herdeiro do império devia realizar-se na sessão que se seguiria quase imediatamente ao Ano Novo; o uso queria que ele me dirigisse nessa ocasião um discurso de agradecimento; essa peça de eloquência preocupava-o há meses, limávamos juntos as passagens difíceis. Trabalhava nela durante a manhã das calendas de Janeiro quando lhe sobreveio uma expectoração de sangue; sentiu uma vertigem; apoiou-se às costas da cadeira e fechou os olhos. A morte não foi mais que um atordoamento para aquele ser frívolo. Era o dia do Ano Novo: para não interromper as festas públicas e os regozijos privados, impedi que divulgassem imediatamente a notícia do seu fim; só foi oficialmente anunciada no dia seguinte. Foi enterrado discretamente nos jardins da sua família. Na véspera daquela cerimónia, o Senado enviou-me uma delegação encarregada de me apresentar as condolências e de oferecer a Lúcio as honras divinas a que tinha direito, como filho adoptivo do imperador. Mas eu recusei: todo aquele caso havia já custado demasiado dinheiro ao Estado. Limitei-me a mandar-lhe construir algumas capelas fúnebres,  a erigir-lhe estátuas aqui e ali, nos diferentes sítios onde ele tinha vivido: aquele pobre Lúcio não era deus."

Vinte Anos Depois, de Alexandre Dumas - extracto.

"Vol 2 - cap XXXIII

O Regresso.

Atos e Aramis seguiram o itinerário que lhes tinha indicado d'Artagnan, e caminharam tão depressa quanto puderam. Parecia-lhes que seria mais vantajoso para eles serem presos perto de Paris, do que longe da grande cidade.
Todas as noites, com receio da prisão enquanto dormiam, traçavam, ou na parede, ou nos vidros, o sinal combinado; mas pela manhã acordavam livres com grande espanto seu.
À medida que se aproximavam de Paris, os grandes acontecimentos a que acabavam de assistir, e que tinham agitado a Inglaterra, apagavam-se-lhes da memória como se tivessem sido sonhos, ao passo que, pelo contrário, os que durante a sua ausência tinham emocionado Paris e a província, lhes acudiam à mente em confuso tropel.
Durante aquelas seis semanas de ausência, os incidentes que se desenrolaram em França foram tais e tantos, que quase constituiam um grande acontecimento. Os parisienses, ao despertarem pela manhã, sem rainha e sem rei, ficaram muito contrariados com esse abandono, e a ausência de Mazarino, tão vivamente desejada, não compensou a dos seus augustos fugitivos. 
O primeiro sentimento que emocionou Paris, quando soube da fuga para Saint-Germain - fuga a que fizemos assistir os nossos leitores - foi essa espécie de terror que se apodera das crianças quando acordam de noite na solidão. O parlamento agitou-se e decidiu que se enviasse uma deputação à rainha a pedir-lhe que não privasse por mais tempo Paris da sua real presença. 
Mas a rainha sentia ainda a impressão da vitória de Lens, e o orgulho da sua fuga, tão felizmente executada.
Os deputados não só não tiveram a honra de ser recebidos, como forma obrigados a esperar, na estrada, onde o chanceler Séguier, que vimos na primeira parte desta obra procurar tão obstinadamente uma carta no espartilho da rainha, lhes veio entregar o ultimato da côrte, dizendo que se o parlamento se não humilhasse ante a majestade real, condenando todos os motins que tinham originado esta separação, Paris seria cercada no dia seguinte; que já, na previsão desse cerco, o duque de Orleans ocupava a ponte de Saint-Cloud, e que o senhor príncipe, ainda na força do entusiasmo pela sua vitória de Lens, ocupava Charente e S.Dinis.
Desgraçadamente para a côrte que com uma atitude moderada teria talvez atraído grande número de partidários, esta resposta ameaçadora produziu um efeito totalmente contrário ao que se esperava. Feriu o orgulho do parlamento, que sentindo-se vigorosamente apoiado pela burguesia, cheia de prestígio pelo perdão de Broussel, respondeu declarando Mazarino autor de todas as desordens e inimigo do rei e do Estado, e ordenou-lhe que se retirasse nesse mesmo dia da côrte, e da França em oito dias; expirado esse prazo, se ele não tivesse obedecido, era lícito a qualquer súbdito matá-lo. 
Esta resposta enérgica com que a côrte nunca contou, punha ao mesmo tempo Paris e Mazarino fora da lei. Ia ver-se agora de que lado estava a vitória. A côrte fez então todos os seus preparativos de ataque, e Paris todos os seus preparativos de defesa."

Para a Ilha Deserta é que vamos!


Alexandre Dumas - Vinte Anos Depois.

Ana Maria Matute - O Gafanhoto de Ouro - versão portuguesa de Maria Alberta Meneres.

António Franco Alexandre - Aracne.

Joaquim Manuel Magalhães - Segredos, Sebes, Aluviões; Uma Luz Com Um Toldo Vermelho; A Poeira Levada Pelo Vento.

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano.

Neil Gaiman - Neverwhere.

Raul Brandão - As Ilhas Desconhecidas; Os Pescadores.

Ruy Belo - Toda A Poesia.

Virginia Woolf - Mrs. Dalloway.