sábado, 30 de abril de 2022

Bessarábia, Budjak e várias coisas sobre a Rússia, a Ucrânia, etc.



Talvez seja importante, nestes tempos incertos em que ver bem o que está acontecer será uma arte, conhecer de que partes se compõe o país chamado Ucrânia. Lembrando que a Ucrânia é, em extensão, o segundo maior país europeu, logo atrás da... Rússia.

Não sei onde anda um livro muito antigo, dos anos trinta do século passado, que eu antigamente lia com imensa atenção. Era um "Memento Larousse", uma enciclopédia condensada, e que tinha imen sos dados geográficos de interesse. Nos anos trinta os impérios coloniais europeus estavam na sua extensão máxima, incluindo o francês, de que este livro fazia vasta propaganda. Sobre a Rússia, ainda numa fase de transição após a revolução bolshevique, era dito: "(...) a Rússia é um país com muita sorte, pois ao contrário dos outros países europeus, tem contiguidade geográfica com as suas possessões imperiais." Portanto, a Rússia era (e será ainda) não um país mas um império. 




Sendo assim, é a Ucrânia uma ex-colónia? Vamos até ao nascimento da coisa chamada Rússia. A Rússia terá nascido no sul, de uma mistura entre tribos locais e da incursão dos escandinavos pelos rios das estepes abaixo. A primeira capital? Kiev. Ao longo dos séculos a bússola da Rússia, dos Rus acabou por girar para norte e para Moscovo, as terras do sul atravessadas e invadidas por populações do leste, cobiçadas pelos Otomanos do sul, e também pela coligação Polaco-Lituana do oeste. Kiev passou de ser a capital para ser uma cidade de fronteira, perdida e reconquistada várias vezes. Algures no crescimento da Rússia foi criada a noção da existência da Grande Rússia - as terras à volta de Moscovo,  da Rússia Branca - as terras mais a ocidente em fronteira com a Polónia, e da Pequena Rússia - a Ucrânia (cujo nome quer dizer "fronteira"). Não, a Ucrânia não é uma ex-colónia da Rússia. É mais uma cisão, um território que historicamente e culturalmente acabou por ganhar uma história própria e ganhou uma entidade única. Hoje a expressão "Pequena Rússia" é entendida pejorativamente.


Chegamos agora à Bessarábia. A Bessarábia é uma região geográfica que fica no leste da Europa entre os rios Prut (a oeste) e o Dniester (a leste). O Prut é um tributário tardio do Danúbio- A Bessarábia é portanto uma larga tira de terra que vai desde a costa do Mar Negro, a norte da desembocadura do Danúbio, em direcção a norte e oeste. Terra fértil, relativamente plana. Uma porta aberta para invasões, destruições, colonizadores. 



O sul da Bessarábia pertenceu ao Império Romano, tendo antes tido colonização grega. Posteriormente a sua terra foi disputada ente Bizantinos e Russos, depois entre Otomanos e Russos. Progressivamente a Bessarábia foi começando a fazer parte de uma entidade maior e com alguma correspondência étnica, a Moldávia, que se estendia para oeste do Prut até às montanhas da Transilvânia. E quem diz "moldavos" iria começar a dizer "romenos". A partir do início do séc XIX a Bessarábia fez parte do Império Russo, enquanto a Moldávia foi congregando terras à volta e deu origem ao Reino da Roménia em 1881. Depois da Revolução Russa de 1905 começaram as movimentações nacionalistas na Bessarábia. Depois da I Grande Guerra a Bessarábia primeiro declarou a independência, depois a sua união à Roménia. E assim ficou até à II Grande Guerra. A Rússia, que perdera o território, criou do nada (ou melhor, terra ucraniana) a RSSA da Moldávia numa pequena faixa de terra a leste do Dniester, ie, fora da Bessarábia. Essa faixa grosso modo ainda hoje existe, é a Transdnístria.

Na 2ª Grande Guerra a Roménia foi inicialmente obrigada a ceder a Bessarábia à União Soviética, embora depois transitoriamente a tenha reocupado. Muitos colonos de origem alemã foram evacuados para a Alemanha, a importante minoria judia foi praticamente toda deportada e morta ou morta directamente. No fim da 2ª Grande Guerra a Bessarábia constituia a RSSR da Moldávia incluindo a RSSA prévia (ie, a Transdnístria), perdendo os terrenos em que os "moldavos" eram minoria para a RSS da Ucrânia a saber: Budjak, ou as terras da Besssarábia que contactam com o Mar Negro, e um chapeuzinho a norte que hoje pertence à província ucraniana de Chernitski.

E

No colapso da União Soviética a independência da Moldávia surgiu como quase uma inevitabilidade. As minorias russas da Transdnístria e "gagauz" (uma população turca cristã ortodoxa do sul) tentaram a sua própria independência, respondendo a alguns excessos nacionalistas do novo poder, a Transdnístria conseguiu com o apoio de tropas russas, que mantém, os "gagauz" ganharam uma autonomia importante que mantêm. 


A Moldávia neste 30 anos tem tido um percurso curioso. A reunificação com a Roménia nunca foi um projecto unificador. O antigo Partido Comunista voltou com frequência ao poder através de eleições mais ou menos democráticas, perdendo-o depois da mesma forma. Hoje tem uma presidente da república e uma primeira ministra e uma política pro-ocidental. O país mais pobre da Europa e cuja maior exportação é o vinho, depende energeticamente por completo da Rússia.


E a Ucrânia no meio disto tudo? A Transdnístria tem uma população que se pode dividir em terços, um terço moldavos, um terço russos, um terço ucranianos. O governo não é democrático e o homem mais rico do país é dono do clube Sheriff de Tiraspol, que derrotou o Real Madrid em Madrid o ano passado. Tem hino, bandeira (com foice e martelo) e a moeda é o rublo. Embora a sua fronteira a leste seja com a Ucrânia, as relações transfronteiriças são escassas.




E a Ucrânia? Pertence-lhe então a região de Budzak, ou Bessarábia do Sul, a fértil terra que fica entre a Moldávia, a Roménia, o rio Dniester (a Ucrânia) e o Mar Negro. Adminstrativamente pertence à província de Odessa mas é uma região muito própria, um mosaico de gentes, ucranianos, búlgaros, moldavos, russos, turcos gagauz, judeus não, claro... e onde as comoções de 2014 não tiveram grande eco. A língua franca é o russo. A ligação com a Ucrânia é assegurada apenas por duas pontes duas. Esta invasão russa não seria nada benvinda.  Ah, grande parte dos russos são Lipovanos, ie, pertencem a uma seita ortodoxa que segue um ritual diferente. Fugiram da Rússia no séc. XVIII.



Até dava vontade de a visitar (a imagem acima é de lipovanos no delta do Danúbio).

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Aleppo.


Neste momento em que a invasão russa da Ucrânia evolui para uma nova fase centrada no Leste e um novo comandante russo foi chamado para por ordem nas operações, Alexander Dvornikov, talvez seja o momento de lembrar Aleppo.

A Síria é uma entidade geográfica antiga. Foi província romana com geografia variável, já antes era entidade reconhecida no império selêucida, herança das aventuras e deambulações de Alexandre. Aleppo porém antecede em muito o nascimento da "Síria". É tradicionalmente reconhecida como das cidades mais antigas do mundo, a par da rival Damasco. O "antigo" significará aqui uma ocupação ininterrupta eg oito milénios! A zona da Síria onde Aleppo e Damasco se localizam é o braço ocidental do Crescente Fértil e das poucas zonas ainda férteis do mesmo a poder fazer jus ao nome, embora a política de retenção de águas da Turquia a norte não ajude.

Vinte coisas a saber sobre Aleppo e a Síria: 

Aleppo é a cidade mais populosa da Síria. Ou era. A sua capital económica. Centro industrial e sobretudo comercial, rodeado por terras com boa capacidade agrícola, a 100 kms do mar a oeste e do Eufrates a leste, muito perto da fronteira turca a norte. Mais de dois milhões de habitantes antes da Guerra Civil, hoje não se sabe. As pessoas estarão lentamente a voltar.

A Guerra Civil Síria começou por não ser uma guerra civil. Os protestos que aconteceram na Síria em 2011 fizeram parte da Primavera Árabe que começara em 2010 na Tunísia. Protestos que começaram pacificamente contra o regime autoritário de Bashar Assad e que atravessavam os vários grupos da sociedade avançaram para uma rebelião armada quando a repressão do exército e da polícia foi mais violenta. Isto aconteceu para o fim de 2011. A revolta armada, em grande parte organizada por dissidentes do exército sírio, começou por ser secular, mas rapidamente a interferência de forças externas polarizaram e extremaram posições seguindo linhas religiosas. Ao fim de algum tempo as forças rebeldes seculares perderam protagonismo e o que havia em campo de um lado eram milícias ligadas à Al Qaeda e ao Exército Islâmico, que chegou a ocupar parte do território sírio e, do outro lado, milícias ligadas ao Hezbollah libanês e apoiadas pelo Irão milícias alauítas (a minoria religiosa a que pertence a família Assad) e o Exército Sírio. Há quem diga que a seguir à Primavera Árabe veio o Inverno Árabe. A Guerra Civil Síria foi efectivamente decidida quando a Rússia começou a apoiar maciçamente o governo sírio através de bombardeamentos aéreos sistemáticos e indiscriminados.

A população síria  - lembro-me de o ter lido num pequeno livro de divulgação dos anos setenta-oitenta - tinha fama de ser a mais educada do Médio Oriente. Sendo difícil encontrar números de escolaridade recentes, consegue-se perceber porém com uma pesquiza rápida que a escolaridade síria estava, antes da Guerra Civil, próxima da escolaridade turca. Não esqueçamos que a escolaridade turca não está nada longe da escolaridade portuguesa! Com uma paridade de género nada má! Foram estas gentes que a Europa não quis receber, ao confundi-los com gente outra bem diferente mais a leste (os afegãos) e por medo de eventuais infiltrações extremistas, dado o desenrolar das hostilidades.

Aleppo nunca foi capital de nenhum grande reino ou império. Mas chegou a ser a terceira cidade mais populosa do Império Otomano, depois de Constantinopla e de Cairo. 

O Centro Histórico de Aleppo é Património da Humanidade desde 1986. Imensos edifícios foram atingidos pela Guerra Civil. O seu desenho de ruas era ideal para uma guerrilha de proximidade e foi isso que aconteceu. Grande parte foi destruido. A reconstrução está acontecer lentamente.

A Cidadela de Aleppo é um enorme castelo no cimo de uma enorme colina, em parte artificial, situada no centro da cidade. Com vestígios de ocupação desde 3000 ac, terá sido uma acrópole macedónia/helenística no tempo dos descendentes de Alexandre. As paredes que subsistem datam da reconstrução feita pelo filho de Saladino, no início do séc. XIII. Nesses tempos, mais do que um castelo, era uma cidade dentro de uma cidade. Desde 2017 voltou a ser visitável.

A Grande Mesquita Omíada de Aleppo, construída pouco depois da congénere de Damasco, em terrenos que tinham sido a Ágora da Aleppo macedónia, já tem uma história de vários atentados e destruições.  A Guerra Civil Síria quase a destruiu por completo, deitando abaixo o seu elemento mais identificativo, um lindíssimo e altivo minarete do séc. XII, a época da última reconstrução da Grande Mesquita, por Saladino. Dentro da mesquita fica o Altar de Zacarias, com relíquias do mesmo, o pai de João Baptista, venerado na Bíblia e no Corão. Estará lentamente a ser reconstruída (a mesquita, o minarete suponho que não).

O Souk de Al-Madina é um conjunto de souks e caravanserais que, no seu conjunto de 13 km de sinuoso comprimento, constituem o maior mercado coberto do mundo. Constituiam. A maior parte do Souk está hoje em ruínas. Grande parte dos souks tinham a sua origem nos séculos XV, XVI, XVII. Mas já em 1184 escrevia Ibn Jubayr: "Aleppo é uma cidade proeminente e em todas as idades a sua fama tem voado alto... Está construída como uma fortaleza e a sua disposição é a adequada e de uma beleza rara, com amplos mercados dispostos em filas adjacentes, de forma a que se passa passar de uma fila de lojas e de misteres para o próximo... estes mercados têm todos telhados de madeira, de modo a que os seus ocupantes desfrutem de uma ampla sombra..."  

Um dos souks era especializado em sabão, o Sabão de Aleppo, uma receita muito antiga misturando azeite  e lixívia com o óleo de louro que o distingue dos outros sabões artesanais. Quanto mais óleo de louro melhor e mais caro.

Jdeideh é o bairro cristão de Aleppo e fica imediatamente fora das muralhas da Cidade Velha. Pouco mais de 1/10 dos Sírios são cristãos. A percentagem sobe em Aleppo. Este bairro tinha uma forte presença arménia, reforçada após o genocídio arménio na 1ª Grande Guerra e que tinham grande proeminência no comércio. Os cristãos sírios dividem-se pelas seguintes igrejas: A Igreja Grega Ortodoxa de Antioquia, a Igreja Católica Grega, a Igreja Ortodoxa Siríaca, a Igreja Apostólica Arménia, a Igreja Assíria do Leste e a Igreja Católica Caldeia. Não supreendentemente ainda subsistem neste bairro igrejas alocadas a muitos destes ramos de devoção. As mais conhecidas a Igreja de S.Elias e a Catedral Arménia dos 40 Mártires, esta completamente reconstruída a expensas da diáspora arménia. Sim, Jdeideh sofreu imenso com a Guerra Civil.

Os cristãos tinham classicamente posições de relevo na sociedade de Aleppo. A elite sunita de Aleppo por outro lado também convivia razoavelmente com a cúpula alauíta do regime de Hafez Al Assad, o pai de Bashar Al Assad. Quem em Aleppo quis uma Primavera Árabe? Com a tomada de posições pelas guerrilhas extremistas muçulmanas a população cristã de Aleppo diminuiu e muito.

Os últimos judeus de Aleppo, pouco mais de meia dúzia, abandonaram a cidade em 2016. A Grande Sinagoga de Aleppo, cabeça dos judeus na Síria, foi atacada e incendiada em 1947, um ano antes da independência de Israel. O edifício foi bastante recuperado mas já não serve como sinagoga. Nele estava guardado desde o séc XIII o chamado "Códex de Aleppo", um conjunto de textos escritos no séc. X e que são o texto mais antigo e importante a servir de base à Bíblia judaica e o Antigo Testamento. O Códex desapareceu em 1947, sendo apenas parcialmente recuperado anos depois e estando agora na posse do Estado  de Israel. Os judeus da Aleppo antiga seguiam um ritual seu específico (o "ritual velho de Aleppo") que depois se encontrou com o rito sefardita dos chegados da península ibérica.

Dizer que em Aleppo terminava uma das antigas Rotas da Seda é verdade mas também não é verdade. O mar e a costa para onde se dirigiam as caravanas que saiam de Aleppo hoje é porém turco (uma cedência dos franceses a Kemal Ataturk), e a velha cidade rival/irmã de Antioquia, cristã no tempo das Cruzadas, chama-se Antakia e é uma pálida imagem do passado. 

Pela baixa de Aleppo serpenteia um simpático rio, o Queiq. Por nascer na Turquia a progressiva retenção das suas águas fez com que ele secasse nos anos sessenta. Depois, um projecto que puxou água do Eufrates deu vida nova ao rio de Aleppo. Entre Janeiro e Março de 2013 começaram a aparecer no rio Queiq cadáveres de jovens sírios, mãos atadas atrás das costas, a boca selada com fita adesiva, um tiro na cabeça. Muitos deles com sinais de tortura. Vinham da área controlada pelo governo, varavam em terra nas áreas rebeldes. Foram mais de duzentos corpos no total. A contagem parou quando as forças rebeldes fizeram baixar o nível da água do rio para evitar que os corpos flutuassem rio abaixo.

Quase nos esquecíamos que Aleppo é cabeça da província mais populosa da Síria. A parte norte desta província está sob domínio do Exército Turco desde 2016, com uma extensão adicional em 2018. Estes territórios estão sob administração "mista" de um governo da oposição síria e das autoridades militares turcas. A Turquia tem feito aqui um esforço importante de reconstrução. Um status quo permite alguma paz nesta nova fronteira. O futuro destas terras é incerto. Serem anexadas pela Turquia seria algo mal visto pela comunidade internacional e um insucesso para a oposição síria, que ainda a há.

Na parte norte da província de Aleppo (e também no norte da província vizinha de Idlib) persistem as ruínas abandonadas de umas dez a vinte vilas do período romano-bizantino. Património da Humanidade desde 2011, nestas vilas estão as ruínas do maior conjunto de igrejas romano-bizantinas do mundo. Uma delas é a Basílica de S.Simeão Estilita, o santo que dá nome à montanha onde esta igreja se situa. S.Simeão o Estilita foi um asceta que viveu grande parte da sua vida sobre uma coluna de forma a estar mais perto de Deus. A Basílica de S.Simeão Estilita foi construída no séc V  e os seus restos foram bombardeados primeiro pelos russos em 2016 e depois pelos Turcos em 2018 (aqui para expulsar combatentes curdos da zona). Os restos do pilar de sustentação do santo desapareceram. O pouco que resta tem a seu lado um posto de observação turco. A igreja dista apenas 30 km de Aleppo mas está na zona controlada pelos turcos.

Aleppo sempre foi uma cidade multiétnica, como qualquer grande centro comercial. Já falámos sobre os judeus e sobre os cristãos. Falemos agora dos curdos e dos turcos (também chamados de turcomanos). Ambas as etnias têm uma presença importante quer na cidade quer nas zonas rurais, mais no norte. São dois grupos que a história fez rivais senão inimigos. O distrito de Afrin, no norte da provínicia, constitui uma entidade curda "independente" durante a Guerra civil síria. A intervenção turca serviu para expulsar as forças curdas de Afrin. As arbitrariedades, a violência inter-étnica, a deslocação forçada de populações aconteceu como acontece nestas terras desde sempre.

Morreram mais de 50000 pessoas na província de Aleppo na Guerra Civil Síria. Sim, a Batalha e Cerco de Aleppo durou quatro anos. Aleppo esteve quatro anos dividida como Berlim, mas em guerra. E a parte que viveu os últimos tempos cercada foi a parte leste. Esta parte leste, que esteve anos sob "governo" de guerrilhas radicais, chegou a viver sob a lei islâmica, a sharia. Lembro que o governo sírio desde a sua independência sempre foi secular e a sharia não tinha qualquer tradição na Aleppo cosmopolita.

As forças governamentais usaram gás cloro para ajudar a terminar a batalha e o cerco de Aleppo. O ISIS também utilizou gás mostarda quando em 2015 foi forçado a retirar da parte norte da provínica de Aleppo pelas outras forças de oposição.

Aleksandr Dvornikov, o actual comandante das forças russas de invasão da Ucrânia, foi o comandante das forças russas na Síria desde 2015. 


 


sexta-feira, 15 de abril de 2022

As Minhas 101 Leituras, 31-40.

 Descobrimentos Portugueses, Os - Jaime Cortesão

Este livro, que se mantém em fascículos na casa dos meus pais e que foi comprado pelo meu avô Manuel de Oliveira Muge, é uma obra monumental onde Jaime Cortesão, um homem da Seara Nova, criou o meu fascínio pela epopeia marítima portuguesa. Ele dá muita atenção aquelas áreas nebulosas que nunca se resolverão, nomeadamente se algum português chegou ao continente americano antes de Colombo, quer por Norte quer pelo Sul, a descoberta da Austrália, etc.  A obra não está completa, falta um misterioso fascículo, que portanto nunca li. Sei que alguma desta historiografia estará um pouco desactualizada, mas para mim, foi aqui que tudo começou.

Deus Passeando Pela Brisa da Tarde, Um - Mário de Carvalho

Este romance, dos melhores que li em toda a minha vida, tem dentro de si um mistério: porque não escreve Mário de Carvalho sempre assim tão bem. A história decorre em Conímbriga, e o governador da cidade, que receia uma invasão duns misteriosos bárbaros do sul, vive fascinado por uma mulher, filha de um homem de relevo na cidade, que abraçou uma nova religião, o cristianismo. Ninguém actualmente escreve melhor em Portugal que Mário de Carvalho. Ele faz da língua o que quer. O seu domínio de um abundante e não fácil léxico é supina. Mas este romance tem um extra que falta a muita escrita recente de Mario de Carvalho, tem uma Alma. Lê-se em deslumbre do início ao fim. E levanta depois a questão por resolver: onde está mais disto? "Ainda os toros crepitavam e o coro de carpideiras uivava os seus lamentos arrepiantes, já eu, quer pessoalmente, quer através dos lictores, convocava os decênviros da cúria para o pretório, aproveitando a presença de todos eles na cerimónia. Em surdina, remoeram-se protestos e tentativas de escusa: que o dia era funéreo e nefasto; que as togas de luto eram impróprias para o exercício de funções públicas; que seria grande desfeita furtarem-se ao banquete funerário; que a reunião não estava a ser convocada com as formalidades do costume. Não quis saber de pretextos nem de incómodos e mantive a citação com firmeza. Que viessem todos ao pretório, na próxima hora.". Uma delícia de prosa! 

Dos Líquidos - Daniel Faria

Não há poesia má de Daniel Faria. Mas o último livro que preparou em vida (publicado no ano a seguir à morte) excedia-se. Sobre Daniel Faria podia escrever muito. Que conheço o padre que lhe apresentou Sophia e o padre que lhe deu a extrema-unção no meu hospital, Gente Melhor. O Mendes, o Nuno. Lembro-me de uma interna de Medicina Geral e Familiar que passou pelo meu serviço, daquelas boas amizades transitórias, e que era de Baltar, a terra natal. Os olhos dela acendiam-se ao falar do Daniel. Daniel Agusto Faria. Deixo porém este link de um fantástico escrito da Alexandra Lucas Coelho no Público. Visito frequentemente a Igreja de Sta Maria em Marco de Canavezes. Mais do que à procura de Siza Vieira, vou à procura do Daiel e do livro que o Padre Nuno me ofereceu: "Legenda para uma casa habitada". Sim, o Daniel era um padre e caiu para a morte na sua casa de Singeverga, em Santo Tirso, vindo morrer ao Porto, à casa onde trabalho. "Tu moves as agulhas, tu unes de novo / As minhas asas à curva do céu.". 

Esquema, Um - Clara Pinto Correia

Houve um tempo em que a Clara Pinto Correia não conseguia fazer nada errado. Depois passou a ser o contrário. Eu só li o "Adeus Princesa", o seu best.seller, muito mais tarde. Saído pouco antes, o conto "Um Esquema", e que trata disso mesmo, de um "esquema" entre um homem e uma mulher, princípio, meio e fim. Fiz meu este bem escrito texto, embora a minha história não esteja bem aqui. "Mas, e mesmo sendo assim, nunca me passou pela cabeça tomar uma única iniciativa para encurtar a duração do que nos aconteceu no Verão. De posse do perfeito equilíbrio do meu segredo, senti-me nessa altura soberanamente confiante, manejando com total segurança os fios mal domesticados que regulam a atracção entre as pessoas, sem dúvida o jogo mais traiçoeiro a que nos é dado jogar. Nada escapava então ao meu alcance. E isso é bom. É raro.".

Estranho Csso do Cão Morto, O - Mark Haddon 

"Christopher John Francis Francis Boone knows all the countries in the world and their capital and every prime number up to 7057. He relates well to animals but has no understanding of human emotions. He cannot stand to be touched. And he detests the color yellow." Este livro, um best-seller de 2003, é um manual para entender o que é ser um Asperger, ou autismo (relativamente) leve, como quiserem. Escrito mesmo muito bem, conta como Christopher decide investigar a morte do cão do vizinho. Muto bom.

Expresso - Cartaz. 1980-2003.

O Expresso que eu conheci em grande parte já não existe. A parte política ainda lá está, agora ainda mais dominante. Mas o resto, o glorioso resto, em que o Cartaz era a parte mais importante, já não existe. Cinema, Escrita, Música. Acho que restará o João Lisboa, talvez. Quem eu lia já lá não está. Aprendi a ver Cinema com o Expresso Cartaz, idem Música e muita Leitura. Os tempos são outros. Mas não são melhores.

Farpas, As - Eça de Queirós

Não li todo o Eça. Mas sei da sua importância. As Cidades e As Serras e Os Maias são romances magistrais, o último o Grande Romance Português. Mas, sabendo que muita gente acha que vivemos tempos dourados no humor português, lembro As Farpas, que eu conhecia já parcialmente da minha juventude e que foram republicadas recentemente. O parlamentarismo do século XIX e a sociedade de então oh tão tão perto dos dias de hoje.."A honrada câmara municipal do Porto quis dotar a cidade com uma praça de peixe. Nada mais higiénico, mais gastronómico, mais justo. De todo o tempo, nas grandes cidades, o peixe teve os eseus aposentos definitivos. A vadiagem do peixe pelas ruas - fazendo concorrência à vadiagem dos filhos famílias - é sobremodo insalubre. (...) A câmara municipal do Porto, com uma nobre solicitude pelo peixe, para quem parece ser uma extremosa mãe - receando, com um carinho assustado, que o peixe se constipasse, ganhasse catarros ou sofresse a indiscrição dos vizinhos, construiu-lhe uma praça fechada, altas e fortes paredes, varandas,(...) com mais alguma despesa a câmara daria ao país o exemplo de uma grande dedicação pelo peixe! - Era mandar tapetar-lhe a praça, pôr-lhe pianos e sofás; os robalos estariam deitados em leitos de mogno; o polvo teria um tapete para se estender!"

Feira dos Imortais, A - Enki Bilal.

Enki Bilal é um dos grandes expoentes da BD europeia do último quartel do séc XX, com um grafismo unico e isolado. Nascido em Belgrado em 51 de mãe checa e pai bósnio, emigrou para Paris em 1961 e a família naturalizou-se francesa em 1967. Desde novo quis seguir o caminho da BD e seguiu os caminhos habituais de tirocínio na revista Pilote. Começou a publicar a sério com o roteirista Pierre Christin (da série Valérian), com O Cruzeiro dos Esquecidos, em 1975, mas a sua primeira obra só sua (letra e "música") é a A Feira dos Imortais, que sai a 1980. Conheci Bilal quando da minha fase de subscritor da revista (ASUIVRE). Bilal inventou um desenho glacial e frio, fantasmagórico, com textos enigmáticos e secos. A história cria uma Paris pos-apocalíptica (em 2023) sobrevoada por uma nave-pirâmide onde os deuses egípcios precisam de carburante. O herói Nikopol é acordado da sua cápsula criogénica, onde repousava castigado por deserção para fazer parte deste imbróglio. Embora Bilal se tenha dedicado à escrita, cinema, etc. o seu lugar eterno é na BD.

Forcenés - Philippe Bordas


Este livro serve para explicar o que é esta mania obsessiva do ciclismo profissional. São sublimes as páginas dedicadas aos "flandrianos", a De Vlaemynck, a Freddy Maertens, a Pollentier. A loucura ciclística só tem equivalente no sacrifício enorme da vida dum ciclista profissional. O herói maior é sempre Fausto Coppi, cuja fotografia decora a capa do livrinho. Há um capítulo também sobre o doping: "Les dopages étaiens desiroires, les exploits énormes. Que penser de ce dopage devenu énorme, de ces exploits désiroires? Que penser de ses nouveaux champions long à élaborer, aussi lents que l'orme à pousser, quand Merckx et Anquetil venaient à plénitude aussi vite que le peuplier argenté? (...) Le dopage primitf est de nature icarienne. C'est une rahausse psýchique, une ivresse, une exaltation - c'est une variété forte du dyonysiaque. On y risque l'écroulement." Este livro saiu em 2008, a obrigatoriedade do Passaporte Biológico em 2009.

Gafanhoto de Ouro, O - Ana Maria Matute

Este é o MEU LIVRO. Acompanha-me desde sempre. "- Esta criança perdeu a voz. Alguém lha roubou três dias depois de nascer. E nalgum lugar deve estar, mas quem sabe onde?" 

sábado, 9 de abril de 2022

Ghor




Ghor ( = "montanha") é uma província do Noroeste montanhoso do coração do Afeganistão. Táo remota é que nem sabemos bem a sua grafia. A capital chamava-se Chaghcharan até 2014, e foi renomeada Firozkoh (o nome de uma cidade desaparecida localizada nesta província e capital de um império desaparecido). A capital é uma cidade relativamente pequena, fica acima dos 2000m de altitude e as comunicações neste terreno montanhoso são realmente um problema. Antes da retoma talibã as estradas, de péssima qualidade, eram inseguras de verão pelos ataques destes, no inverno pela neve. A província é pobre porque muito atrasada. A população é sobretudo tadjique no oeste e hazara no leste. População inferior a um milhão. Migração interna frequente, por fome, agravada pela seca e pela guerra.

Seis coisas sobre a província de Ghor.

Firozkoh foi a capital de verão de um efémero mas importante império no século XII-XIII, os Ghúridas. O nome ficou na província, como se percebe. Em meados do século XII estes terrenos inóspitos, só recentemente convertidos ao Islão, revoltaram-se contra os Gháznividas e conquistaram Ghazni. Durante apenas duas gerações criou-se um império que para além de ocupar parte importante do actual Afeganistão e terras mais a norte e oeste, penetrou bastante na India, sendo o primeiro império muçulmano a ocupar terras do subcontinente, sinal para terrenos futuros. Firozkoh, ou a "Montanha Turquesa" desapareceu por completo dos mapas, pela razão do costume, a razia mongol pouco depois do império Ghúrida ter perecido. Terá sido uma cidade grande, letrada e durou aproximadamente um século. A capital da província, Chaghcharan, uma pequenina cidade com um aeroporto que hoje não funciona, tomou-lhe o nome e agora chama-se Firozkoh, embora a possível localização da antiga cidade lhe fique a 150 km de distância, na estrada para Herat.

O Minarete de Jam é o terceiro minarete mais alto (se não construído nos séculos XX-XXI) do mundo islâmico. É uma jóia da arquitectura que se encontrada ali, no meio de desolados montes, a aldeia de Jam ao lado e ruínas muito apagadas de um palácio, um cemitério judeu (!) e muitas mais coisas. Pouco restará das pilhagens, resta um minarete de 65 m de altura, uma espécie de torre dos Clérigos no meio do Larouco, para fazer uma comparação. Assume-se porque sim que aqui seria a antiga Firozkoh. O seu revestimento - aquele que ainda não foi roubado - é um trabalho brilhante. O minarete foi classificado pela Unesco em 2002, um ano antes da classificação dos Budas de Bamyan e, portanto, é hoje o único Monumento classificado pela Unesco que resta de pé no Afeganistão.  

Repete-se em Ghor o que se observa em quase todas as províncias do Afeganistão. As estatísticas anotadas em 2005 e 2011 mostram uma descida da percentagem de casas com água potável de 14 para 9% e da percentagem dos partos assistidos adequadamente de 9 para 3%. Lembro que em 2011 os Americanos já estavam no Afeganistão há 10 anos. A literacia no mesmo período de tempo melhorou apreciavelmente, no entanto. Água e saúde versus educação. As estatísticas são coerentes por todo o Afeganistão.

A pobreza do  terreno é potenciada pelo facto de não haver qualquer retenção das águas dos vários rios que passam pelas altas terras da província e vão irrigar outras terras mais afortunadas. Havia muitos rebanhos por estas paragens mas a seca, a erosão, as guerras, mataram muitos animais e afastaram muita gente. Há muita população ainda nómada ou semi-nómada nestas paragens, sendo a maior parte deles Aimaq's, uma colecção de tribos com origem "turco-mongol", isto é, algo desconhecida.

Em 2012 a Deutsche Welle sublinhava a percentagem de mulheres que na província de Ghor aprendiam a conduzir. Na wikipedia aparece assim: "Ghor province has a significant number of female drivers to the other provinces."

No Afeganistão cada região tradicionalmente defendia-se com a sua milícia local. Cada governo central tentou contrariar esta tendência. Em 2004 o governo de Hamid Karzai teve que combater uma milícia regional que rejeitou a ordem de desarme e que cercou e ocupou a capital da província, Chaghcharan. Combater não combateu, houve negociações e ao fim de dias a milícia retirou-se e uma força mista de tropa afegã e aguns americanos retomou a cidade. O que aconteceu à milícia em questão?  Provavelmente foram tratar dos campos, das cabras, a arma guardada até nova oportunidade, que haveria de surgir.


Mapa das línguas faladas no território ucraniano segundo o censo de 2001.

 


By Tovel, Spesh531 - File:UkraineNativeLanguagesCensus2001detailed.PNG, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31514035

sexta-feira, 8 de abril de 2022