domingo, 23 de novembro de 2014

Confirmo.

O tempo de Sócrates acabou.

Inês é morta?

Sócrates está preso. Inês é morta? 
A prisão daquele que foi o primeiro-ministro de Portugal anterior ao actual deve criar em nós, portugueses, mais preocupação do que regozijo. Prisão e não condenação, claro, mas tu e eu sabemos que, se não fôr Sócrates condenado será apenas porque a máquina da justiça está bem mais oleada do que antes mas ainda não chegou aquele ponto onde. 
Vamos elencar os primeiro-ministros do Portugal democrático: Mário Soares, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Mário Soares outra vez, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho. 
Sim, a coisa pública tem vindo a degradar-se. A política é a arte de um povo a governar-se como um todo. Arte esta que historicamente foi condicionada pela raíz ideológica do governo empossado. As ideologias políticas foram construções teóricas, nascidas em momentos históricos próprios, para a governação das gentes, da polis, que pretendiam gerir as relações entre os diferentes estratos do povo, suas forças e fraquezas, suas razões e queixas. Da teoria à prática sempre houve a distância que vai do sonho – ou do pesadelo sonhado - até à dura realidade dos dias. Hoje não há ideologias. 
Ninguém governa, repito. É um povo que se governa através dos seus representantes eleitos. Esquecido isto, quem sobe governa-se. E sem outro projecto nem destino que não a aquisição de poder, de riqueza. Sócrates não viu a parede à sua frente nem se apercebeu dos seus limites, continuando a assaltar bancos. Passos Coelho, via Tecnoforma, não é mais do que um carteirista. Apanhando-se no governo desmultiplicou o gesto assaltando dez milhões de carteiras. Inês é morta.

O último país europeu que viveu um período justicialista parecido com o nosso foi a Itália. Depois aconteceu  Berlusconi. Temo pelo futuro político deste meu país.
  

domingo, 16 de novembro de 2014

Dos avós que temos ou tivémos, Paulo.

Não conheci o meu avô Manuel, o pai da minha mãe. Das grandes penas da minha vida esta é, sem dúvida, a mais irrevogável. Que se pode aprender com um avô ou uma avó? Nada que tenha a ver com palavras. Os avós são uma espécie de calor que nos acontece. As lições não têm princípio, nem meio, nem fim. Nem são lições mas momentos, episódios, achados que não vamos querer perder. Dos meus avós paternos, Guilherme e Piedade, pouco posso dizer porque o tal calor de que falo nunca foi muito. Alguém me disse recentemente que eu era o neto preferido. Que outros por isso sofreram. A culpa nas costas de uma criança é muito mais do que um casaco mal vestido. Eu não era o neto preferido. Era o rapaz primeiro, filho do irmão mais velho, e isto foi um peso. Os meus avós serviram-me apenas para eu aprender a ler o meu pai. Ao fim de muitos anos aprendi. A minha avó materna, Rosa, também nunca me transmitiu muito do calor de que falo. A casa dela foi-me quase sempre estranha e, para o fim, ficou cada vez mais longe, até se perder. Para a minha avó Rosa eu era o resultado de um casamento mal visto, não querido, indesejado. Aqui eu não precisei de a conhecer bem para aprender a ler a minha mãe. O meu acesso muito directo, horário, à minha mãe e aos seus problemas de vida deram-me toda a leitura necessária, que até hoje se prolonga. Ainda a semana passada alguém terá ido bater à porta da casa de meus pais para formalmente pedir desculpa por coisas passadas há trinta, quarenta, cinquenta anos. Assim são as famílias que, de mal construidas, acabam por perecer bem antes da morte dos seus elementos. É engraçado, toda a minha vida tenho-me encontrado com pessoas que elevam o altar familiar a grandes alturas. Eu não, nem qualidade nem defeito. Não aconteceu. É também por isto, meu caro amigo Paulo, que queria dar-te os parabéns, pela tua - contaram-me - grande tristeza pela recente morte da tua avó. E "os meus sentimentos" são estes. Um abraço.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O Professor Daniel Serrão.

Entrei para este Hospital há 32 anos. Sim, porque a Faculdade de Medicina estava então nas entranhas deste Hospital, escondida por baixo, espalhada por entre. Agora é menos assim, e eu estou de acordo. Sempre achei que a exposição precoce ao sofrimento alheio e à doença passeada em cadeira de rodas ou em maca dessensibilizava. E, porém, cheguei ao meu Ciclo Clínico da Faculdade com o medo ao doente e à doença intacto. Mas hoje só vou falar de um professor que eu tive de nome Daniel Serrão, e que fazia de cada aula uma narrativa. Sei hoje, e já então o pressentia, que, por ele e mais dois, três ou quatro outros como ele, no Ciclo Básico da FMUP - no Ciclo Clínico não - eu fui um aluno privilegiado. As aulas do Professor Daniel Serrão eram um privilégio. A Cadeira que ele regia uma referência. O Professor Daniel Serrão está muito doente neste Hospital por onde há 32 anos vagueio. Saber que ele também por aqui andava mitigava-me a descrença. Desejo-lhe as melhoras, rápidas ou lentas, mas as necessárias melhoras. Qualquer ser humano é insubstituível. No caso do Professor Daniel Serrão esta evidência toma a dimensão de um mundo.