quinta-feira, 30 de abril de 2020

Giorgio de Chirico (1888-1978)

Não tenho por costume dar particular atenção a pintores cuja obra só foi relevante durante, por ex., uma década. Vou abrir uma excepção para de Chirico.

Pintor italiano nascido na Grécia, estudou pintura em Atenas e depois passou pela Alemanha e por Paris antes de se fixar na Itália onde criou um estilo único de pintura que espantou todos os seus contemporâneos. A chamada "Pintura Metafísica", com todo o seu angst e simbolismo apaixonou o movimento Dada e os proto-Surrealistas. Só que quando o surrealismo arrancou tendo de Chirico como um dos mestres, já este tinha "voltado à ordem clássica", imitando os velhos mestres. Os Surrealistas, que inda agora o tinham descoberto, arrasaram-no. De Chirico não se importou com o acontecido. Continuou a produzir "obra metafísica" a pedido, porque vendia, muitas vezes cópias ou reinterpretações dos seus quadros conhecidos dos anos 1911-19, a que chamava, ironicamente verifalsi. Chegou ao detalhe de os assinar com a data antiga, para valerem mais.
Quando uma Biennale de Veneza mostrou um quadro seu recente como antigo (ou seria uma cópia?) de Chirico denunciou a exposição e montou anti-Biennales anos seguidos. A sua postura de "copy and paste" foi admirada (e copiada...) por Warhol. De Chirico assinava as suas obras como "Pictor otimus". How post-modern can you get?

"O enigma da hora" chama-se este quadro de 1911 e é dos primeiros quadros da fase áurea de de Chirico. "Ed quid amabo nisi quod aenigma est?" ou "e que posso amar senão o enigma?", são palavras do pintor. 

The Enigma of the Hour, 1911 - Giorgio De Chirico

"Hector e Andrómaca", de 1912 é o quadro com manequins mais conhecido do pintor, que aliás fez dele várias réplicas e "evoluções". Não é difícil de perceber o quão revolucionário este tipo de pintura foi nesses anos nem o quanto o Surrealismo a quis.

Hector and Andromache, 1912 - Giorgio De Chirico

De 1914 é o "Retrato de Guillaume Apollinaire", o grande apóstolo de de Chirico em Paris. O pormenor dos óculos escuros é completamente pop avant-la-lettre.

Portrait of Guillaume Apollinaire, 1914 - Giorgio De Chirico

Este "S.Jorge a matar o dragão", de 1940, é o exemplo de muitos quadros que o pintor fez depois dos anos vinte e que são difíceis de engolir. É verdade que a voluptuosa senhora presente é uma actualização provocante  e dissonante da princesa que habitualmente é salva do dragão. 
St. George Killing the Dragon, 1940 - Giorgio De Chirico

sábado, 25 de abril de 2020

Joan Miró (1893-1983)

O pintor catalão nasceu em Barcelona e foi em Paris que, depois de navegar entre o Fauvismo e o Cubismo, conseguiu um estilo de pintura aceite pelos seus amigos surrealistas e que se tornou a sua imagem de marca, embora sempre com algumas variações de percurso que lhe deram uma originalidade e uma frescura sempre renovada. As pinturas de Miró parecem mesmo produzidas em sonhos. A influência das artes nativas pre-colombinas, africanas e pre-históricas ibéricas não é também de desprezar. Voltou frequentemente à sua terra natal e fixou-se depois em Mallorca, onde morreu.
Esta pintura, "Maternidade", será uma das suas primeiras pinturas ao mesmo tempo surrealistas e mostrando já o seu mundo, o seu carimbo. É de 1924.
Maternity, 1924 - Joan Miró
Esta "Pintura", de 1933, mostra a importância da cor na pintura de Miró, completamente dominada e em equilíbrio total.
Painting, 1933 - Joan Miró
A "Mulher rodeada pelo voo de um Pássaro", de 1941 é de uma fase onde Miró preenchia a tela com um rendilhado de linhas que acrescentavam intensidade ao quadro. Falamos muito da cor de Miró mas o preto tinha sempre também uma presença importante nos seus quadros.
Woman Encircled by the Flight of a Bird, 1941 - Joan Miró
Mas Miró também sabia abdicar do excesso das cores e ser mais discreto na expressão, como em "Azul II", de 1961, num abstracionismo perfeito.
Blue II, 1961 - Joan Miró

Max Ernst (1891-1976)

Max Ernst, nascido alemão perto de Bonn, e após andar a acolher influências várias, ajudou a fundar  com Jean Arp um grupo Dada em Colónia em 1919-20. A segunda exposição do grupo foi fechada pela polícia por "perturbação da ordem". A recusa de toda a ordem, lógica, liderança, tradição, etc., guiou os Dada até ao Surrealismo embora não sem violência. O putsch liderado por André Breton serviu ao progresso da obra de Max Ernst, que se mudara para Paris em 1922, terra onde o Surrealismo "engoliu" os Dada. A pintura imaginosa de Ernst socorre-se de novos métodos de atacar a tela. Se no início os Dada tinham feito muitas collages, Ernst inventa ou utiliza a "frottage", depois a "grattage", a aplicação do pigmento directamente na tela. O Surrealismo ocupa os anos trinta até à 2ª Grande Guerra. Preso num campo-de-concentração em França, Max Ernst foge para os Estados Unidos onde a sua presença, em conjunto com a de outros exilados europeus, vai influenciar a pintura norte americana do pós-guerra. A procura do sucesso devolve-o porém a França onde é encarado já como um pintor consagrado.
Morre cidadão francês em Paris, ano de 1976,  depois de ter sido durante uns anos cidadão norte americano.
Max Ernst foi O Pintor Surrealista.
Uma pintura completamente "Dada" é esta "Demonstração Hidrométrica", de 1920.
Hydrometric Demonstration, 1920 - Max Ernst
"Mer et Soleil" é de 1925. A pintura mais sintética de Max Ernst, como esta aqui, antecipa muito do que se fez depois da 2ª Guerra Mundial.
 Sea and Sun, 1925 - Max Ernst
Max Ernst "inventou" muitas florestas, como esta "Fôret- Arêtes", de 1927. Também aqui vemos obra a antecipar obra que aconteceria bastantes anos depois.
Fishbone Forest, 1927 - Max Ernst
Para que não digam que eu fujo ao Max Ernst mais figurativo eis "Napoleon in the wilderness", 1941, da fase americana do pintor. Aqui, pelo contrário, uma obra que poderia ter sido produzida 15 anos antes. 
Napoleon in the Wilderness, 1941 - Max Ernst

Marc Chagall (1887-1985)

Marc Chagall nasceu em Vitebsk, numa remediada família judia russa, hoje Bielorrússia. Muitos anos depois naturalizou-se francês.
A sua procura de uma educação pictórica levou-o até S. Petersburgo e depois Paris, onde o contacto com a vanguarda do momento lhe deu a côr para compor o seu modelo muito particular de pintar, algures entre o simbolismo e o fauvismo, com uma liberdade muito grande na composição do quadro e um lirismo evidente na evocação dos temas da sua origem judia, russa, e da sua família.
O seu modo de pintar estava constituído quando voltou à Russia em 14 e, preso pela Grande Guerra, por lá ficou. Já com alguma fama teve alguns cargos de importância depois da Revolução de Outubro mas, desiludido, partiu para Berlim em 22 e para Paris em 23. Era agora um pintor famoso, e quando o nazismo ameaçou, foi prontamente importado pelos Estados Unidos, mais concretamente em 41.
Voltou depois para França, onde viveu no sul até morrer, pintando sempre de alguma forma o mesmo quadro, com o mesmo lirismo, talvez menos solto de formas e temas. A seguir a Picasso pode ser considerado o maior produto da dita Escola de Paris.
"Moi et le Village" é de 1911 e inaugura a pintura que conhecemos como de Chagall. A cor solta, as figuras perdidas ou não pelo quadro mas no sítio certo, algum toque do cubismo então presente, um quadro pintado em Paris mas a falar da terra de partida.
I and the Village, 1911 - Marc Chagall
"Paris par la fenêtre" é, pelo contrário, o retrato de Paris pelos olhos encantados do pintor.
Paris through the Window, 1913 - Marc Chagall
"Sur la Ville", pintado na Rússia em 1918, prolonga o período fulcral da obra de Chagall. Só ele poderia pintar com a maior das naturalidades um casal voador de apaixonados, neste caso ele e a sua esposa.
Over the town, 1918 - Marc Chagall
"La Crucifixion Blanche", pintado em 38 em Paris, antecipa a Guerra que começaria no ano a seguir, e o sofrimento russo, ortodoxo e, de uma forma diferente e mais definitiva, judaico.
White Crucifixion, 1938 - Marc Chagall

Edward Hopper (1882-1967)

Edward Hopper foi o expoente máximo do chamado "Realismo Americano". Nasceu em Nyack, um pouco a norte de Nova Iorque e nesta faleceu em 1967.
Visitou Paris mas para estudar os clássicos e nem prestou atenção às novidades que por lá aconteciam. Modesto, discreto, sério, os quadros que pintou são um reflexo provavelmente da sua personalidade e a melancolia que lhes pomos será a nossa, bem como qualquer narrativa ou simbolismo. Por meados dos anos 20 começou a ser reconhecido e deixou de ser ilustrador, que era o seu ganha-pão.
A sua obra é um bloco único, e influenciou algum figurativismo do pós-guerra. Muitos quadros seus hoje são ícones pop mas nada perderam do seu mistério.

"House by the railroad" é de 1925 e inspirou a casa de "Psycho", o filme de Hitchcock.

House by the Railroad, 1925 - Edward Hopper - WikiArt.org

Do ano a seguir é este "Sunday". A alegria deste Domingo é evidente.

Sunday, 1926 - Edward Hopper

"Nighthawks", de 1942, é a sua obra mais conhecida, e o título do quadro faz pensar que pelo menos um mínimo de interpretação foi colocado pelo autor neste jogo de personagens, magistralmente coreografado.

 Nighthawks, 1942 - Edward Hopper
Nem as cores claras permitiam alguma alegria a Hopper. Vidé "Rooms by the Sea", de 1951. O aparecer directamente do oceano na imagem sugeriu a alguém um leve toque de surrealismo. Juro que se Hopper pintou assim é porque era assim.

Rooms By The Sea, 1951 - Edward Hopper

terça-feira, 21 de abril de 2020

Negro attaqué par un jaguar dit aussi Paysage de foret vierge au soleil couchant.

Negro Attacked by a Jaguar, 1910 - Henri Rousseau

Henri Rousseau, dito Le Douanier Rousseau por, vagamente, ser essa a sua profissão, foi um pintor autodidacta, nascido em 1844 e falecido em 1910, e que frequentou, embora bem mais velho, os meios modernistas da Paris do fim do século XIX. Dizem também que inventou a pintura naif.

É engraçado ler vários textos sobre Henri Rousseau. Nunca falta - como aqui não faltará - o mencionar da sua fraca técnica, da sua limitação temática, de que os seus quadros eram versões imaginosas de fotografias ou desenhos de outros sobre países ou locais que Rousseau nunca tinha visitado. Cria-se o instantâneo de um tipo um bocado "incompleto", que frequentou determinados sítios "porque lhe achavam piada". Picasso fez-lhe um jantar de homenagem em 1908, coisa séria segundo alguns, uma brincadeira para outros. Provavelmente ambas as duas coisas. Nele participaram Juan Gris, Apolinnaire, Gertrude Stein.

Um quadro não é mais do que um rectângulo de tela pintada. Um resultado. Com muita ou nenhuma técnica, aqui como em outras coisas na vida, o que conta é o resultado. 

O quadro acima, o fantástico quadro acima, oferece-nos uma selva luxuriante que mais parece pré-histórica, com um redondo sol laranja que se põe, domina e cala, a sombra negra apanhada por um gato listrado apenas um detalhe naquilo que parece ser uma versão do paraíso. Os vários verdes dominam quase toda a tela, deixando o "V" onde o sol de põe para um creme melancólico. As flores são amarelas, brancas, laranja. A paleta de cores não é alegre, note-se. Será na verdade o paraíso? No paraíso os jaguares também atacam os negros? 

domingo, 19 de abril de 2020

Um vírus relativamente bonzinho.

1. Ontem era capa no Expresso a expressão de uma cientista portuguesa que dizia "Este é um vírus relativamente bonzinho." Por outro lado repetiam na SIC as imagens da alta de um homem com a minha idade das Infecciosas do meu hospital. Ele é dono de uma confeitaria aqui da Maia, donde seguiram hoje quatro rocas para o mesmo hospital. Ele sobreviveu ao mesmo "vírus relativamente bonzinho". Um de poucos, depois de entrados nos intensivos.

2. Quando tudo isto começou, isto do Covid-19, lembro-me de ter feito um screening rápido aos doentes que enchiam os intensivos do meu hospital. Internados em cuidados intensivos estavam dois doentes com pneumonia grave por Gripe A, bem mais novos do que eu. Ambos sobreviveram e tiveram alta, eu sei.

3. Hoje voltei pela primeira vez desde 17 de Março a visitar os meus pais, 82 e 93 anos de idade, em Ovar. Isolados como estão, ao cuidado de uma senhora que, com máscara e higiene de mãos frequente, os atende nas manhãs de 2ª a 6ª, visitei-os mascarado. Não os abracei, não lhes dei um beijo. Como substituição agarrei-me a uma cadela que por ali estava e sempre os acompanha que primeiro me latiu, estranhando o disfarce, culpando-me da ausência de mais de um mês.

4. Faz sol, as temperaturas roçam os vinte graus. A valerosa ministra da nossa Saúde volta a insistir que já passou o pico. Começamos a ouvir as palavras praia, missa. As escolas vão abrir, algumas, não tarda nada. Curiosamente nada de futebol. E continuam a pingar quinhentos positivos dia, trinta mortos também.

5. Chego a casa pela hora do lanche, no meu bairro um vizinho oferece uma sessão de karaoke a quem o queira ouvir e aos outros, porque o tempo e as regras de higiene pedem que se abra as janelas.

6. Este vírus não é para graças. Para além dos pulmões pode atingir cérebro, coração,  rins, a coagulação... Uma letalidade de 2% em cinco milhões, por exemplo,  equivale a cem mil mortos. Mas a praia, a escola e o turismo. Outra forma de ver a coisa é a mortalidade nos doentes que necessitam internamento hospitalar. Na gripe A esta mortalidade foi de 1-3%. Na Covid 19 esta mortalidade será dez vezes superior ou mais.

7. Este vírus não tem tratamento. Não tem.  Um ventilador não tem propriedades antimicrobianas.

8. Celebro o Professor António Sarmento do meu hospital,  que confessou,  caso isolado, o mistério que ainda é o Covid 19. Devo-lhe isto,  o diagnóstico de uma mononucleose infecciosa vai para trinta anos e a melhor aula sobre choque séptico que eu já ouvi, vai para dez. 

9. Quinhentos positivos e trinta mortos por dia. E o norte do meu país a manter uma visível transmissão comunitária. Não saio de casa sem máscara. 

10. Para quando um filme no cinema, entrar numa livraria sem hora de saída,  assistir a um concerto e trautear a voz aberta aquela canção? 

11. Uma sorte eu tenho, temos aqui por casa, os quinhentos positivos e as trinta mortes dia asseguram os nossos empregos. Não os  de  milhões. 

12. Este vírus acrescentou um grau de aleatório à minha vida e à  dos meus que eu não queria. Um aleatório que atrapalha. Morreu o Sepúlveda.  Safou-se o Fernando Rocha. Mas cuidado ó filho-da-puta, olha que a imunidade se calhar não é definitiva! Virá não uma vacina mas cem. Mas o vírus já se dividiu em três sub-estirpes. Dizem que o vírus, inteligentemente, para sobreviver vai adaptar-se a nós. E se o vírus se engana? 

13. Eis a lição deste vírus: nesta vida, se calhar, nada é definitivo. A não ser... 

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Juan Gris (1887-1927)

José Gonzalo-Péréz nasceu em Madrid. Partiu para Paris em 1906 e foi aí que conheceu Matisse, Braque, Léger e Picasso. A sua pintura evoluiu naturalmente para o cubismo. Desde 1914 o seu estilo ancorou num Cubismo Sintético cuja harmonia e equilíbrio faziam a inveja nomeadamente de Picasso. Já sob o nome que o tornou conhecido tinha pintado em 1912 um retrato deste. Disse Dali: "Picasso était constamment tourmenté par le désir de comprendre la manière de Gris dont les tableaux étaient techniquement toujours aboutis, d'une homogénéité parfaite, alors qu'il ne parvenait jamais à remplir ses surfaces de façon satisfaisante." Gertrude Stein confirmou por escrito esta rivalidade. Gris manteve o seu estilo de pintura pelos anos fora e a morte por uremia acabou por resolver a dúvida sobre por onde iria caminhar a sua obra. Tinha 40 anos.

"Le Livre", 1913 acontece no começo do tal Cubismo Sintético.

The Book, 1913 - Juan Gris

"La Fenêtre Ouverte", 1921, admite a paisagem no Cubismo, o que não é frequente.

The Open Window, 1921 - Juan Gris

Também "La Fenêtre du Paintre", de 1925, demonstra o mesmo equilíbrio de composição, a mesma paleta de cores, dois anos antes da morte do artista.

The Painter`s Window, 1925 - Juan Gris


Francis Picabia (1879-1953)

Francis Picabia nasceu numa família rica com um pai espanhol nascido em Cuba. 
Aprendeu a pintar conforme lhe era pedido e navegou com sucesso pelo impressionismo até 1909 quando por alguma razão rompe com a sua receita de sucesso e envereda primeiro por um Fauvismo interessante, depois pelo Cubismo do grupo de Puteax onde conhece Marcel Duchamp. A influência deste e uma visita com exposição a New York em 1913 alteram-lhe a trajectória e nascem os primeiros quadros "Dada", reconhecidos a posteriori. Picabia está fascinado pelas máquinas e pelos maquinismos. Depois da Grande Guerra é o grande agitador do Dadaísmo e dos primeiros tempos do surrealismo. Depois zanga-se com toda a gente, excepto Duchamp. A sua pintura fica "monstruosa", embora figurativa, e depois quase neoclássica, ao pintar uma série de "transparências" onde a sobreposição de motivos cria uma neo-perspectiva. Nos anos 40 - porque está sem dinheiro? o jogo e os carros eram a sua ruína - pinta quadros "hiper-realistas", frequentemente baseados em fotografias de revistas eróticas - how "dada" can you get? Completamente apolítico durante a 2ª Grande Guerra, como bom "dada", consegue reganhar os favores do público com um abstraccionismo minimalista que mantém com poucas variações até ao AVC que o inutiliza para a pintura em 51. Morre dois anos depois.

Esta aguarela é o primeiro quadro abstracto de Picabia e é de 1909. Chama-se "Caoutchouc". Um anos antes de Kandinsky.

L'œuvre Caoutchouc - Centre Pompidou

"Etdaonisl", de 1914, nasce quando Picabia volta da América e retrata uma dançarina que ele viu no barco de volta. O nome do quadro nasce da spbreposição das palavras "Etoile" e "Danse". Eis um cubismo fim-de-época cheio de movimento e cor.

Edtaonisl (Ecclesiastic), 1913 - Francis Picabia

A fase mecanicista de Picabia já é pura provocação "dada" e vai a par com a obra de Duchamp. "Fille née sans mére", é de 1917. Os mecanismos como novos génesis...


Francis Picabia, Fille née sans mère [Girl Born without a Mother]

Este quadro pintado durante a 2ª Grande Guerra - filho da necessidade ou não - é "Pop" avant-la-lettre. Picabia gostava muito de cinema mas os modelos aqui são fotografias. A apropriação "dada" levada até ao limbo do kitsch.

Women and Bulldog, 1941 - 1942 - Francis Picabia





Kasimir Malevich (1878-1935)

Malevich nasceu em Kiev filho de pais polacos. Partiu para Moscovo e começa a pintar obras com muita atenção à cor. Estamos nos tempos imediatamente antes da Revolução Russa e Malevich aparece na primeira fila das movimentações. A sua pintura vai evoluindo à procura de alguma coisa - teve contacto com o cubismo - que só em 1915 percebemos o que é. Malevich inventa o Suprematismo e nele aparece o famoso "Quadrado Negro em Fundo Branco", como que o umbigo de uma teoria, sendo o branco a ausÊncia e o negro o acúmulo de todas as cores. A partir daí tudo era possível. Torna-se conhecido mas nem sempre reconhecido. Chega a participar na segunda exposição do "Cavaleiro Azul" na Alemanha. Escreve, escreve, escreve. Nos anos vinte chega a parar de pintar. Em 27 cai em desgraça e é preso e provavelmente torturado. Os últimos anos de obra alternam entre um figurativismo geométrico que já era seu antes e um realismo estranho - talvez Malevich pintasse apenas o que adivinhava ser possível pintar naqueles tempos de "realismo socialista".

"Carré Noir sur Fond Blanc", 1915. Uma das obras ícone da pintura do século XX.

Carré noir sur fond blanc, 1915 - Kasimir Malevitch

"Suprematism", é de 1916 e é uma reinvenção do espaço e da cor segundo as teoirias de Malevich. É um mundo novo.

Suprematism, 1916 - Kasimir Malevitch

"Camponeses", 1930 representa uma das linhas de trabalho nos últimos anos de Malevich, um figurativismo geométrico agreste.

Peasants, c.1930 - Kasimir Malevitch

"Trabalhadora", de 1933, tem as cores do suprematismo, o realismo que os sovietes exigiam e algo mais...

Worker, 1933 - Kasimir Malevitch

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Ernst Ludwig Kirschner (1880-1938)

Kirschner é o pintor mais importante do Expressionismo na Alemanha. Não deixou porém de participar também no rearranjo do papel da cor na pintura do início do século XX. 
Embora nascido na Baviera foi em Dresden que se tornou conhecido e fundou com outros o grupo "Die Brücke", em 1905. A figura feminina e o rebuliço das ruas são os temas da sua pintura. A pintura de Kirschner é angulosa, rude, solitária. É mais "fauvista" do que os fauvistas.
Mobilizado para a I Grande Guerra é dispensado por um esgotamento nervoso. Corre durante vários anos vários sanatórios mentais, por instabilidade psíquica, alcoolismo e dependência de comprimidos. 
Ao fim de alguns anos encontra alguma paz em Davos, na Suiça. Ganha notoriedade e é reconhecido finalmente na Alemanha mas o nazismo avança. Suicida-se em 1938 por medo de que a Alemanha nazi invada a Suiça.

"Marzella" é de 1909 e é um retrato da puberdade completamente às avessas do que até então se tinha feito.

Ficheiro:Kirchner 1909 Marzella.jpg

Os seus retratos en abîme das ruas das metrópoles alemãs fizeram história. Aqui temos a "Potsdammer Platz" de 1914.

Ficheiro:Ernst Ludwig Kirchner - Potsdamer Platz.jpg

O quadro "Cozinha Alpina" de 1918 não deixa de lembrar o quarto de Van Gogh e pode ter significado algo de parecido para o pintor: o ninho onde lhe era permitido sofrer à vontade?

Ficheiro:Ernst Ludwig Kirchner - Cocina alpina.jpg



Paul Klee (1879-1940)

Paul Klee nasceu na Suiça filho de pai alemão. Foi portanto como alemão que foi para Munique para se fazer pintor. O seu crescimento artístico foi lento. Visitou Itália e Paris. Participou na 2ª exposição do "Blaue Reiter", com Marc e Kandinsky, em 1912. Mas foi só com a sua visita à Tunísia que, perante as cores do Norte de África Klee passou a considerar-se "pintor". E assim foi.
É difícil precisar de onde vem Klee. Uma pista é o pintor considerar parte da "sua obra" uma vasta colecção de desenhos de infância". O sua obra, imensa, privilegiando o pequeno e médio formato, inventa um mundo outro, ora abstracto ora figurativo. Qualquer obra de Klee faz-me sorrir. É um mundo mágico, cheio de alegorias e que ora elogia ora se zanga com este mundo cá fora. Sim, é uma pintura muito espiritual. E simples, porque a verdadeira espiritualidade, como o génio, é simples. Klee não pertence a uma escola nem a um movimento. Coincidiu com alguns mas o seu percurso foi sempre só o seu.
Klee deu aulas em vários sítios da Alemanha, na Bauhaus, por ex. O advento do nazismo amputou uma brilhante carreira. Paul Klee fugiu para a Suiça. Tinha-lhe também sido diagnosticada uma esclerodermia. Procurou a naturalidade suiça, que só lhe foi concedida semanas após morrer, em 1940.

"Hamamet" é de 1914 e exemplifica o ponto de partida tunisino do novo Klee.
Paul Klee - Hamamet

No trabalho de Klee não há obras menores, a maravilha pode aparecer num bocado de papel sobre o qual se pinta a aguarela: "Avec les marches", c.1918


"Polyphonie - Ad Parnassum" de 1932 assume uma ligação à música. Klee tinha formação musical e pretendia que os seus quadros tivessem um ritmo… polifónico.
Polyphonie, par Paul Klee

O figurativismo de Klee tem uma graça própria. Uma melancolia. Vidé "L'Homme Marqué", de 1935, pintado já no exílio suíço.
Homme marqué, par Paul Klee

Klee é o meu pintor do século XX.

Fernand Léger (1881-1955)

Fernand Léger nasceu na Normandia num meio rural. Faz a sua educação artística em Paris e aproxima-se da vanguarda do momento, fazendo-se amigo de Modigliani, Apollinaire, etc. Contacta com Braque e Picasso e inventa uma leitura pessoal do cubismo, fazendo um caminho só seu, que Apollinaire apelidava de "tubismo", com um fascínio especial pela modernidade, os mecanismos, o movimento.
O seu primeiro quadro a ganhar notoriedade, "Nus dans la fôret", é de 1909.

Nudes in the forest, 1909 - 1910 - Fernand Léger

A partir daqui Léger vai passo a passo reorganizando as formas, aplicando cada vez mais as cores puras, e criando a sua versão mecanicista de um cubismo sintético.
Vejamos "La Ville" de 1919.

The Сity, 1919 - Fernand Léger

Pouco depois readquire para si a figura humana, como se estivesse a responder um pouco ao "retorno à ordem" que corria pelas artes nesses anos como o neoclassicismo de Picasso. Eis "Les deux figures (Nus sur fond rouge)" de 1923.

Two Figures, naked on red bottom, 1923 - Fernand Léger

A linguagem final de Léger estava encontrada e reconhecida. Léger experimentou cinema, escultura, etc. Até à sua morte, em 1955, manteve a qualidade do caminho encontrado como em "Plongeurs", 1941-2, sem facilitar. A cor, a forma, o desenho.

Plungers II, 1941 - 1942 - Fernand Léger


Georges Braque (1882-1963)

Georges Braque foi o outro tipo que, com Picasso, inventou o Cubismo.
Nascido numa família de pintores-decoradores, estudou belas-artes em cursos nocturnos. Parte para Paris no virar do século e pouco anos depois pintava paidsagens num estilo fauvista discreto. O seu contacto com as "Demoiselles de Avignon" e o contacto com a obra de Cézanne fizeram o declic. Uma exposição sua em 1908 motivou críticas exacerbadas e a referência a "pequenos cubos" que deu nome ao movimento. Pintou em íntimo contacto com Picasso até 1914 quando foi chamado para a Grande Guerra. Entretanto tinham os dois inventado o "Cubismo Analítico", onde numa tela se sobrepunham e acumulavam todas as perspectivas possíveis do objecto, num jogo que deliberadamente desafiava o espectador, e usando cores neutras e amorfas, nas antípodas do resto da pintura europeia. E depois (peri 1912) inventaram o "Cubismo Sintético", bem mais importante para o futuro da pintura, onde apenas parte do jogo era apresentado mas com o acrescento de pedaços de jornal, madeira, collages, desautorizando a tela como "aquele terreno sagrado onde só se pintava". E voltaram a ligar um pouco mais à cor. 
A Grande Guerra "acabou" com o Cubismo. Não subscreve o "regresso à ordem" aplicado por Picasso e Matisse embora simplifique um pouco a sua linguagem. A base ainda é a adquirida com a invenção cubista. Entre naturezas-mortas e algum figurativismo, a sua obra merece atenção até ao fim.

"Les Maisons a l'Estaque", de 1908, são a primeira grande contribuição de Braque para a História da Pintura. Ele e Picasso atravessam a fase "Proto-Cubista" ou "Cubismo à Cézanne".

Houses at Estaque - Georges Braque

"Le Portugais" é de 1911. Será o retrato de um músico português que Braque encontrou num bar em Marselha. Este quadro, com a letragem sobreposta, anuncia o Cubismo Sintético, que ainda não é.



"Le Musicien" é de 1918. Braque continuava no seu "Cubismo Sintético". Era o ano do fim da Grande Guerra. Viria outra pintura.

The Musician - Georges Braque

Alguma pintura tardia de Braque é mais simples. Não esta. "La patience", pintada em 1942, mantem a linguagem habitual numa tela grande. Uma mulher procura nas cartas o futuro. Acontecia outra Grande Guerra, desta vez a 2ª.


The Patience, 1942 - Georges Braque - WikiArt.org

Pablo Picasso (1881-1973)

Picasso é outro pintor cuja história e trajectória pictórica está demasiado por todo o lado para eu aqui a reinventar. 
Picasso é o maior expoente da "Escola de Paris", ou seja, daquele conjunto de pintores não franceses que, partindo para Paris, reinventaram a pintura ocidental. Nascido em Málaga e um menino prodígio no que aos pincéis diz respeito, os seus perídos "Azul" e "Rosa" serão uma espécie de antecâmara simbolista ao choque das "Demoiselles d'Avignon" de 1907, uma resposta à "Joie de Vivre" de Matisse usando os valores de Cézanne e a estética da arte africana. O quadro, que só conheceu o desdém do público em 1916, foi porém muito estudado antes por Braque.  Braque foi o único pintor a pintar no mesmo estúdio que Picasso. Juntos criaram o Cubismo. Durante um par de anos foram gémeos na pintura. O cubismo evoluiu, da fase "analítica" para a fase "sintética", apareceram as primeiras collages, aconteceu a Grande Guerra. No final dos anos dez Picasso e Matisse protagonizaram um "regresso à ordem" que em Picasso representou o seu período "Neoclássico", ou não fosse a sua nova musa uma bailarina clássica russa. No entanto a fama do passado perseguia Picasso, e a paixão dos surrealistas pelas "Demoiselles" chamaram Picasso a criar a sua versão pessoal do surrealismo, que germinou de forma mais memorável na "Guernica". 
Acabada a Segunda Grande Guerra Picasso era o mais famoso pintor vivo. Exilado no sul de França os anos que se seguiram não acrescentaram nenhum novo percurso. Apaixonou-se pela cerâmica, manteve uma fixação no retratismo das suas companhias e dos filhos, no mito do Minotauro, revendo-se no velho touro enganado. Idolatrado mas já fora das correntes principais da pintura, um génio que sempre conseguia colocar nas suas pinturas os seus truques para que fossem reconhecidas e valorizadas, boas ou não. Nunca parou de pintar. Os últimos anos são considerados precursores do "Neo-Expressionismo"  dos finais dos anos setenta. Go wonder...

É difícil fugir ao quadro que arrancou definitivamente  o século XX do passado e em direcção a um futuro incerto. Só apresentado ao público em 1916 e a medo, já então tinha provocado pela sua visualização eg por Braque, uma revolução na pintura. E, porém, é do século XIX esta mania de pintar prostitutas, e as cores são de Cézanne...



"L'Homme aux cartes" é Picasso na sua fase "Sintética", com letras, números...



A passagem de Picasso pelo Surrealismo teve como ponto alto "Guernica", em 1937.

Arte do Dia: Guernica de Pablo Picasso

"Este "Las Meninas" de 1957 entra em diálogo com Velazquez e fez parte de uma das linhas de trabalho de Picasso por estes anos, repintar clássicos de Delacroix, Velazquez, Manet.

Las Meninas (Velazquez), 1957 - Pablo Picasso



"Homme assis (Autoprortrait)" é de 1965. Picasso tinha 84 anos e vivia com uma mulher 45 anos mais nova. Pelo que se vê abaixo ele sabia disso.

Seated man (Self-portrait), 1965 - Pablo Picasso