segunda-feira, 6 de abril de 2015

E agora?

Sim, agora? Ou ainda é cedo para tirar conclusões?
Estava eu tão entretido e eis que surge... é a última página?

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Espuma de Sexta - 2.

A Maria Madalena é uma hipertensa estranha. Herdada da minha orientadora, o controlo tensional coincidiu sempre marginalmente com a entrada dos fármacos. Nos últimos anos percebi um pouco melhor a vida desta mulher. Tem uma filha de vinte e seis. O primeiro marido não seria um prodígio de amizade. Depois apareceu alguém que tomou conta dela e de quem ela – não todos os dias – ia tomando conta. Esta Maria Madalena usa mais vezes a palavra “amante” do que ela aparece na poesia de Eugénio de Andrade. Um cérebro enfraquecido por enfartes e epilepsias, uma arcada dentária inenarrável de encavalitada, as poucas frases que solta são reforçadas por um par de olhos verdes de primeira água. A Maria Madalena é agora viúva do único homem que a quis e que nunca foi seu marido. A palavra “amante” – que eu agora respeito mais, foi-me por ela explicada. A filha, em todas as consultas elogiada, trabalha na Zara de Viana e visita-a, às vezes, pelas festas.

Há apelidos que como nomes artísticos deviam estar proibidos. A sra. D. Emília Iglesias (ora façam a extrapolação) é uma rapariga algo mais velha do que eu. Terá tido qualquer coisa isquémica transitória para vir parar às minhas mãos. Lutou anos e anos contra uma alopecia, fazendo a alegria de variadíssimos Dermatologistas do Grande Porto. Desistiu deles sob minha supervisão e, com tempo, admitiu que uma boa peruca era a melhor solução. Os Dermatologistas choraram. Coincidindo com um estudo renal descobriu-se e operou-se o mais inocente dos tumores do pâncreas. A filha oferece-me dedicadamente livros de que não gosto e a D. Emília faz-me elogios que eu não mereço. Vai ser operada a um joelho. Como em Camilo Castelo Branco, beijamo-nos mutuamente as mãos, bom, não é bem assim mas quase.

Espuma de Sexta - 1.

A D.Palmira criou uma minha doente antiga, a Ernestina. A D. Palmira teve um AVC e agora está também na minha consulta, calhou. Teve o AVC como se nada. Oitenta e seis anos. Na consulta é ela que manda e dispõe. Eu concordo e pouco mais faço. A Ernestina observa, deliciada. A Ernestina era uma doente hipertensa refractária até que o seu marido morreu, de morte natural, esclarece-se. Está agora em monoterapia. Se algum pico hipertensivo acontece é indagar do filho os trabalhos. Se eu tivesse conhecido a D. Palmira antes teria percebido a Ernestina mais cedo: era perguntar-lhe.

O Sr.Capitão teve um AVC. Este (como os outros) não é o seu nome. A cabeça está toda ali, excepto a parte que faz mexer o lado esquerdo, essa não está. Natural e residente em Fânzeres, Gondomar. Trabalhou com brilhantes em novo, décadas de arte. Terá ido fazer um curso à Dinamarca, ele até teria merecido o 2º lugar logo atrás do italiano, sem dúvida o melhor, mas havia um dinamarquês… O Sr. Capitão é casado com a Maria Emília, um mar de fúria e de rugas. Não param de discutir, a consulta uma extensão do que será lá fora. Olhos vivos são quatro, mas a paixão que já terá sido muita e furiosa agora é esquartejada pelo medo da morte. Às vezes fogem um do outro. Vão morrer a chorar pelo outro, ido ou por partir, está escrito porque escrevo eu. A Maria Emília não gosta de médicos. E o Sr. Capitão explica-me que existem três tipos de brilhantes: os "universais" – os mais fracos, os "de cu-rapado" – e explica-me com as mãos porque se chamam assim, e os "de pêlo", que brilham mais. Não há no Google um confirmar desta classificação mas nem por um minuto duvido.

Caramulo ao Domingo.

No domingo fui tentar reaver o Caramulo.
Ainda bem que as previsões metereológicas são ainda apenas previsões: o dia de sol que ia acontecer não aconteceu. Reaver o Caramulo foi portanto um risco.
Eram as quatro da tarde, acabara de sobreviver a um filme juvenil com a Kate Winslet. Para chegar ao Caramulo é descer até Albergaria-a-Velha e depois ultrapassar o mar de eucaliptos que ocupa as traseiras de Águeda e de Sever do Vouga, os queimados e os por queimar. E subir. Chega o momento em que se sai da auto-estrada e, a espaços, há campos bonitos e/ou floresta autóctone. Até que passamos a montanha, descemos um pouco e o ambiente insular do Caramulo com as ruas empedradas por entre árvores alpinas aparece.
Estacionei em frente ao Museu, estarrecido por do outro lado da rua estar um hotel fechado. O Museu do Caramulo era, na época pré-Berardo, o único sítio de Portugal onde se podia ver um quadro de Picasso ao vivo. A minha filha, ainda impressionada pelo Guernica que visionou o ano passado em Madrid, não ficou nada impressionada. Mais um Léger, um Amadeo Souza-Cardoso, e, num pavilhão anexo, Bugattis, Ferraris, e um Hispano-Suiza. O Museu do Caramulo é um museu “à antiga” – a exposição de uma colecção de objectos que de privados passaram a públicos – e que bem vale umas missas. Não houve tempo para tudo.
Perguntámos o sítio certo para lanchar mas antes fomos até ao Cabeço da Neve ver das melhores vistas de Portugal. Toda a espessura de Portugal ali está. Do Caramulo à Estrela está a Beira Alta toda. Para lá da Estrela o planalto de Almeida e Espanha. Para cá do Caramulo as fiadas de eucaliptos e a ria - de Aveiro – e o rio – Vouga, que se faz tardar mas acaba por terminar (como todos) no mar. Há quem diga que o primeiro rei nasceu em Viseu.
No Cabeço da Neve está uma impressionante rampa de parapente. Fica para quem sabe. Ao Caramulo voltámos para lanchar na Giesta Dourada – pastéis do Caramulo com recheio de castanha e nozes. Perdoei-lhes a publicidade a um tal “Pão de Ló tipo Ovar”.
Bom, voltámos por Ovar onde se jantou. De noite tentei também reaver o filme “O Leitor” – Oscar de Winslet a contrastar com o filme da tarde, lembram-se? Tentei mas não consegui.