terça-feira, 15 de setembro de 2020

L de "O Leitor"


Revi este filme sobre o qual já escrevi. O filme vale por Kate Winslet. Cuja personagem não entende que o amor não vence tudo. Não vence o horror do assassínio inexplicado, não vence o horror de um passado alemão de que por muitos banhos que se tomem (ou dêem) há um odor que não vai embora. A personagem interpretada magistralmente por Kate Winslet mostra-nos como alguém não especialmente mau ou bom pode amar e pode também matar. Adianto que a personagem em questão não sabia ler, e nela funciona esta limitação como se fosse um defeito físico grave e definitivo, daqueles que marcam o construir de uma pessoa para a vida. 

Como o filme termina demonstra a inteligência da nossa iletrada, que finalmente tinha aprendido a ler e a escrever. Há prisões que não são para sempre mas memórias, sobretudo as más, as piores, que são perpétuas.  

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

P de Peste (ou de Covid, é o mesmo).

Fomos almoçar a uma cafetaria uns simpáticos hambúrgueres e assim desfrutar dos últimos acenos deste fim de férias. Os hamburgueres estavam bons, as "batatas rústicas" também.

Não sabia que na Maia só há bombeiros em Moreira. Vimos passar uma ambulância de Moreira e um outro carro, pequeno, também dos bombeiros de Moreira, à nossa frente. Com as luzes ligadas passaram para cima, para baixo, para cima. Moreira conhecer Vermoim ao detalhe não será fácil... Acabaram por estacionar. Telefonaram, telefonaram. A questão estava no prédio em frente à esplanada onde estávamos a tomar café. Apareceram à janela, à varanda, os vizinhos do terceiro e também do segundo, estes aproveitaram para fumar. Os bombeiros usavam máscaras cirúrgicas. Para quê o segundo carro? Assumimos que seria preciso arrombar uma porta, algo assim. 

A ambulância deu mais uma volta para estacionar à porta do prédio. Os bombeiros, entravam, saíam, entraram. Pouco depois saíram, um deles completamente equipado com uma EPI, a acompanhar alguém que entrou para a ambulância. Claro que essa pessoa me pareceu logo ter um aspecto muito pouco saudável. Era um suspeito de Covid, que mais? Entrou na ambulância, nunca mais a vi, e um dos bombeiros, uma bombeira por sinal, começou a fazer chamadas. Que destino dar à doente? Os telefonemas estavam demorados. 

Viemos embora.

L de The Limey.


"The Limey" é um filme de Soderbergh de 1999 e é um filme que posso ver vezes sem conta. Tinha a certeza de já ter escrito sobre ele mas, com isto dos vários blogs, não encontrei onde. Acho que já escrevi e vou voltar a escrever. Agora. 

Gostava tanto de me parecer com Terence Stamp quando velho. Ou novo. Ou agora. Não vai ser. Stamp é Wilson, um velho criminoso inglês que voa até LA para vingar o provável assassínio da sua filha por Valentine, um também velho executivo musical, papel desempenhado por Peter Fonda. No fim do maravilhoso filme, realizado com o glit de Soderbergh e o savoir faire de dois grandes actores, a lição que Stamp/Wilson aprende é que o que antes mal feito foi hoje corrigir não se consegue. O que Stamp não consegue é recuperar da atenção não dada anos fora à filha matando um crápula onde a mesma pode apenas ter procurado longe um substituto do pai que, alegremente, foi estando preso. Os paralelismos são bem desenhados, as imagens de Stamp filmado 32 anos antes no primeiro filme de Ken Loach, chamado "Poor Cow" ilustram um tempo antigo e possivelmente feliz de uma presença paternal que é descrita como manifestamente escassa. E o tempo que não houve não volta a haver. 

"The Limey" é um dos meus filmes de ilha deserta. Também porque sou pai de uma filha. 



  

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

P de Parasitas.





 Foram quatro os Óscares ganhos este ano pelo filme sul-coreano "Parasitas", realizado por Bong-Joon Ho. Quatro. Melhor filme, melhor filme estrangeiro, melhor realizador e melhor argumento original. Várias vezes na história do cinema foi dito que o futuro do cinema estava a Oriente. Ele foi o Japão de Ozu. Mizoguchi e Kurosava, ele foi o Irão e a Índia e a China, incluindo ou "excluindo" Taiwan e Hong Kong. Mais recentemente a Coreia do Sul, a Tailândia. 

"Parasitas" conta a história de uma família pobre sul-coreana que consegue, progressivamente, entrar e "tomar conta" da vida de uma família rica sul-coreana. Fica logo aqui a piada, o subentendido: quem são aqui os "parasitas"? Os ricos são bonecos quase inanimados, a sua vida não lhes é própria, são caricaturas. São eles os parasitas. Talvez a Academia de Hollywood tenha adoptado este filme ao sentir-se retratada, por culpa. Os pobres são personagens de carne e osso, embora a casa onde eles vivem, uma cave, seja susceptível a mais do que um tipo de inundações. E fumigações. Nos anos setenta do século passado vi com alguma dedicação, novinho que era, a "Família Bellamy", uma série inglesa que seguia pelo nome original de "Upstairs, Downstairs". Pretendendo representar uma família britânica aristocrática - e sua serventia - entre 1903 e 1930, decorre portanto um século antes do filme "Parasitas". Na série havia alguns estereótipos mas não havia bonecos. Em fogo lento os "Bellamy" iam descendo até à vida real. Mas um século depois, ao contrário do que dizia Karl Marx, a verdadeira tragédia faz-se coreana.  

O filme evolui para um final "gore" (spoiler) quando a família pobre fica sozinha na casa dos ricos que foram de fim-de-semana. As coisas começam a não correr bem. E as casas dos ricos na Coreia do Sul têm frequentemente um abrigo subterrâneo anti-nuclear, que passa a ser nuclear no desenvolver da história. 

Mais não digo. Podemos ou não gostar do fim do filme, havia várias formas para fechar o mesmo depois da tese ter sido apresentada, a "tese dos parasitas". 

Foi um prazer ver este filme.