sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Herat.



Herat é das províncias que dão extensão adicional e "envergadura" ao Afeganistão. Herat é uma cidade antiquíssima e historicamente dialogou sempre com os persas ali ao lado, ou com quem lá estava antes. A cidade tem mais de meio milhão de habitantes, inferior apenas a Kabul e, por um raspão, a Kandahar. A província terá pouco mais de dois milhões de habitantes, sendo a segunda mais populosa do país. Herat é dominada pelo rio (mais ou menos) do mesmo nome que cruza a província vindo de leste e é das províncias com mais agricultura. O comércio com o Irão a oeste e com o Turcomenistão a norte fazem também a riqueza da província e da cidade. A população é sobretudo tajique e farsiwan (persas). Há uma minoria pashtun importante. Os tajiques também eram conhecidos como os Persas do Leste. Os Tajiques são sunitas, os Farsiwan shiitas.

Doze coisas sobre a província e a cidade de Herat.


Herat pertence ao Afeganistão por influência britânica. Herat estava sob alçada persa no virar do séc. XIX e declarou-se independente. Os persas invadiram Herat e o Império Britânico, vendo a Pérsia como um aliado russo, entraram em guerra pela libertação de Herat. O que aconteceu. Herat foi libertada a 1857. Seis anos depois o Emir de Kabul conquistou Herat e assim se estava a construir o Afeganistão.

No Booking não se pode reservar nenhum hotel em Herat. No TripAdvisor aparecem alguns mas há logo acima um desaconselhar de viajar para o Afeganistão. O Hotel Arg tem site próprio e os quartos têm bom aspecto mas a maior relevância é dada ao corpo de segurança do hotel, aparecendo este em fotografia de destaque.



Vários edifícios de Herat estão propostos para Património da Humanidade pela Unesco. A proposta foi feita em 2004. Começemos pela Cidadela, construída no séc XIV possivelmente sobre as ruínas de uma construção do tempo de Alexandre, o Grande. O Complexo de Mussallah foi construído no séc. XIII e dele restam 5 famosos minaretes, os edifícios mais icónicos de Herat, e restos de uma mesquita, uma madrassa, um mausoléu, etc. Parte do complexo foi destruído pelos britânicos no séc. XIX por razões pouco convincentes. Tiveram a ajuda do Emir de Kabul. A Grande Mesquita de Herat é outro edifício mencionado. Com origem no ´sec. XIII, construida pelos Ghúridas, foi alterada e corrigida vezes sem fim. Ainda o é. E finalmente temos o complexo de Mausoléus de Kwaja Abdullah Ansari, vários edifícios do período Timúrida, séc. XVI sobretudo. Claro que a espera vai continuar. 


Herat é a capital vinícola do Afeganistão. Numa gravura do séc. XIX a cidadela aparece rodeada de videiras. Hoje em dia a produção e consumo de álcool é proibida no Afeganistão mas em Herat a lei não será cumprida. Quando da conquista talibã em 2021 foi exibida em vídeo a recheada adega do governador da província, que depois foi destruida. Que desperdício! 


O Império Timúrida, inventado pelo turco-mongol Timur (ou Tamerlão), teve como capital Herat durante o século XV, a "pérola do Khorasan", destronando a anterior capiutal Samarcanda. Herat era então uma capital pujante, vibrante, culturalmente influente. Conquistada pelos Uzbeques em 1507, pouco depois seria persa durante dois séculos.  

Sonita Alizadeh nasceu em Herat em em 2015 e tinha 15 anos quando gravou o clip que encima este artigo. O clip nasce não de uma eventualidade alheia mas sim da real possibilidade de ela ser vendida como noiva, para que por sua vez o seu irmão mais velho possa comprar a sua noiva. Um realizador iraniano "comprou" seis meses da vida de Sonita para realizar um documentário sobre ela e que foi um êxito no Sundance Festival. Ela hoje vive e estuda nos Estados Unidos.

Herat chegou a estar, no séc VII, muito brevemente sob domínio directo ou indirecto dos Tang, uma dinastia chinesa, o ponto mais ocidental que alguma vezes esteve sob controlo chinês. O interesse dos chineses aqui sendo sempre a estabilidade e segurança da Rota da Seda.

O primeiro Rei do Afeganistão "moderno", Ahmad Shah Durrani, nasceu em Herat no séc. XVIII, um pashtun da tribo Abdali, tribo que então governava a cidade. Foi porém em Kandahar que depois se fez Rei e onde está o seu mausoléu. Os Abdalis agora intitulam-se Durranis.


Em Herat existe o Museu da Jihad, celebrando a resistência afegã contra os soviéticos.

Ismail Khan é um comandante militar tajique que participou no levantamento de Herat em 1979 contra o governo da província apoiado pelos soviéticos. Treze anos depois os mujaheddin conquistaram Herat e Ismail Khan foi nomeado seu governador. Perdeu Herat para os Talibã em 1995 mas recuperou-a em 2001 e voltou ao posto de governador. Foi promovido a Ministro da Energia em 2005, uma forma do governo de Karzai lhe retirar o poder absoluto que detinha sobre Herat. Em 2021 foi transitoriamente preso pelos Talibã e vive presentemente em exílio no Irão.

 O governo afegão de Kabul nunca questionou Ismail Khan demasiado sobre corrupção ou abuso de poder. Ismail Khan foi afastado por não entregar os impostos provinciais devidos ao governo central, sendo esta província das mais ricas do país.


E terminamos com um rio, já mencionado. O rio Hari, ou Herat, nasce no Hindu Kush e termina nas areias do Karakorum a oeste. Irriga Herat e faz dela uma cidade agrícola como não há outra no país. Uma das culturas mais lucrativas é o açafrão, exportado para o Médio Oriente e o Ocidente. Dos rios do Afeganistão só um tem as suas águas a terminarem (por via indirecta) no Oceano índico, o rio Kabul, que é um afluente do Indo.


domingo, 4 de setembro de 2022

Helmand (voltemos ao Afeganistão)


Helmand é a maior província do Afeganistão. Fica no sul inóspito e desértico, sob a influência de Kandahar, e dependente do rio que lhe dá o nome, o rio Helmand, o maior rio do Afeganistão, nascido no Hindu Kush e que depois desce para sudoeste indo terminar as suas vidas numa zona pantanosa no Irão. As águas deste rio e do seu afluente Arghandab enchem um sitema de irrigação complexo que fornece água para várias culturas nas zonas bafejadas com a mesma. Muita desta água servirá também para a cultura da papoila. Esta província sozinha produz mais ópio do que Myanmar. A capital é Lashkargah e fica na confluência dos dois rios acima mencionados. Helmand é uma província Pashtun, com excepção de algumas populações que foram importada para os trabalhos agrícolas. As gentes de Helmand sãodo mais conservador que se consegue arranjar por estes lados. Foi a província que mais trabalho deu durante a ocupação americana, ou chamemos-lhe da NATO, porque Helmand esteve entregue aos Ingleses durante vários anos, Ingleses que aqui perderam bastantes soldados.

Onze coisas sobre a província de Helmand:

1. Entre os anos de 4500 e 2000 ac está descrita uma "Cultura de Helmand", com uma forte interacção com a chamada cultura do vale do Indo (Harappa, Mohenjo Daro...) mas com início talvez anterior até. Terá tido expressão urbana e, apesar do nome, os sítios de excavação mais relevantes ficam no Irão e na província de Kandahar. O nome da cultura refere-se ao rio: o rio Helmand é o único rio perene (ie, que não seca no verão) entre o complexo Tigre-Eufrates a oeste e o Indo a leste.



2. Após ensaios em anos anteriores em 1952 constitui-se como agência governamental a Autoridade para o Vale de Helmand, fortemente subsidiada e orientada pelos Estados Unidos, e que, nos vinte anos seguintes, construiu um projecto de irrigação aproveitando as águas do rio Helmand, com várias barrragens e canais, projecto este que incluia também a produção de energia eléctrica, estradas, a construção de novas cidades, a fixação de populações nómadas. Foi um êxito razoável até à invasão soviética. A mesma empresa que tinha construido a hisstórica Barragem Hoover no rio Tennessee foi parte principal neste projecto.



3. Lashkargah é a capital da província, terá para aí 200000 habitantes. Fica junto à confluência do Arghandab com o Helmand. Muito perto ficam as ruínas de Qala Bost, a capital de inverno dos Ghaznávidas (j+a mencionados na provínica de Ghazni), incluindo um famoso arco decorativo do séc. XI que reside na nota de 100 afganis. A leste da cidade de Lashkargah estão as ruínas dum palácio Lashkari Bazaar, uma construção sobretudo Ghaznávida mas com origem em tempos mais antigos que vão até aos Partos.



4. Parte da Lashkargah moderna foi desenhada pelos americanos como sede da sua Helmand Valey Authority. Ruas largas desenhadas em quadrícula, casas de tijolo com jardim à frente... após muitos anos de guerra ainda alguma coisa se consegue adivinhar disto, embora uma casa com jardim à frente e sem muros não seja grande modelo para defesa de um qualquer inimigo. Estes bairros, estas terras construidas à volta deste projecto foram até chamados de "Little America"... 

5 . Sendo a província com o maior complexo de canais de irrigação do Afeganistão é portanto também hoje a província que mais cultiva a papoila e mais produz ópio. A irrigação foi criada sobrdetudo pelos americanos mas as centenas de toneladas de heroína produzidas são sobretudo consumidas por europeus.

6. Os talibãs tentaram erradicar o cultivo da papoila pela primeira vez em 2000, invocando razões religiosas. Depois, durante a guerra, deixaram de se preocupar com isso, taxando os agricultores e os transportadores da coisa. Em Abril deste ano voltaram a emitir uma ordem de suspensão do cultivo da papoila. Estando o Afeganistão na sua maior crise económica de sempre tem lógica...



7. O complexo conjunto de barragens e canais que controlam as águas do rio Helmand e do seu afluente Arghandab matou por completo um complexo de lagos chamados Hamun que ficavam na fronteira entre o Afeganistão e o Irão e deles recebian água. Os lagos já não existem, a vegetação e a biodiversidade animal que faziam desta área um sítio Ramsar, desapareceu. Os lagos são agora zonas de deserto salgado, com fortíssimos ventos e tempestades de areia que fazem da cidade de Zabol no Irão que lhes fica a oeste a cidade com a pior qualidade de ar do mundo segundo uma lista da OMS feita em 2016. O Irão ainda não reconheceu oficialmente o governo dos talibãs. 

8. O estudioso inglês Mike Martin escreveu e publicou em 2017 o livro "An Intimate War (An Oral History of the Helmand Conflixt)" onde aparecem aprox. 150 entrevistas de pessoas da província de Helmand, sendo elas a fazer o retrato "íntimo" de décadas de guerra. Diz quem leu que "se tivessem lido antes..."

9. A província de Helmand foi entregue os britânicos em 2006. Até aí só tinham morrido 5 soldados do Reino Unido no Afeganistão em 4 anos. 15 anos depois a conta ia em aprox. 450. A decisão de abandonar o Afeganiastão foi tomada pelos Estados Unidos sem consultar nenhum dos seus aliados.

10. Em Lashkargah o rio Helmand tem água suficiente para permitir passeios com basrcos de recreio. Junto ao rio e à volta da cidade exstem vários  e extensos parques. No site "placeandsee.com" está escrito que também há um "park for females". O parque em questão terá sido construído pelos britânicos em 2012 e o seu custo, 400000 libras, foi muito discutido at home.


11. A vegetação e os animais que se extinguiram no complexo de lagos de Hamun existem em Lashkargah, no outro lado do rio, num bosque espesso que bebe a sua riqueza das águas abundantes.