segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Dezasseis.

A minha filha não faz anos de uma só vez. Por alguns imponderáveis, e também porque sim, sucedem-se uma, duas, três, quatro festas de aniversário. Sucederam-se, porque já aconteceu. Ele foi o ballet, ele foi com as amigas, ele foi com os amigos da mãe, ele foi em casa de meus pais. A festa com as amigas decorreu nocturna na hospedaria do Parque Biológico de Gaia. Organizados e fornecidos os víveres, feita a visita nocturna - bem mais extensa do que uma anterior porque o visitador tinha outro empenho e o tempo estava melhor - , retirei-me estrategicamente. Por cansaço de tanta luz. E pudor. Que perfeitos são os dezasseis anos. Idade imensa, que se permite ser sem passado nem futuro. Grandes e magníficas crianças ali estavam, prontas para o salto. Mas nele não pensavam e sim no bem que estavam ali.

domingo, 28 de dezembro de 2014

E o 2014?

Simples. As férias: o Gerês visto do outro lado e o Larouco; o planalto antes de virar para Pitões; Tourém e ali comer e ver a etapa da Volta a Portugal. A hipótese de uma caminhada. Street Art no Axa. Nadir Afonso em Boticas. A hipótese de haver teatro e a certeza de um aparelho que vai corrigir. Os dezasseis anos. Um cachecol que repete e sublinha. E o desengano. Que rima com o fechar do ano.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Too many".

Caro Amigo: lembra-se daquele fime onde um príncipe qualquer dizia a Mozart que a música que ele tinha composto tinha demasiadas notas? “Too many notes!” Veio-me à ideia esse filme ao observar uma TAC Cerebral, a sua. Onde havia um exagero de imagens, novas, não boas. Conheço-o pouco e através de espelhos que deformam. Mas adivinho que a sua vida terá sido um exagero, um despautério de ideias, um exagero que em vidas normais daria para duas ou três vidas. Talvez por isso este queimar de órgão traduzido nas imagens que vi, desgostoso. Olhe, parabéns por essas duas ou três vidas pensadas que teve. Pudesse eu dizer outro tanto. Até porque sei que com alguma frequência passou do pensamento ao acto. E fez bem algumas coisas e outras não e outras ainda melhor. As imagens que eu não consigo esquecer embatem na minha estúpida inveja, inveja sim, eu que nada fiz e que nada vou fazer. “Too many ideas!” Disse que não o conheço bem mas deixe-me adivinhar: o seu coração também não deve estar grande coisa.

Uma consulta divertida.

Tinha-lhe pedido uma consulta divertida. Não pôde ser. Até tinha umas coisas para agradecer-lhe. Por exemplo um abismo. A consulta anterior: nunca tinha eu visto tão perto um abismo como o seu. Um abismo que falava, onde era dito e repetido a inutilidade do ser e do estar, a pressa em encontrar uma porta, uma janela, uma saída para isto tudo. Até na veemência e na abertura da explicação via-se o quanto nos tínhamos em mútuo apreço. Disse-me com todas as letras: quero morrer. Outubro, seis. E ontem o seu marido veio contar-me o seu último dia. E exibiu-me a convocatória da consulta: “quero uma consulta divertida” manuscrito no papel da convocatória, letra de médico et pour cause. Que grande parvo! Eu. Querias diversão? Vou-me divertir para outro lado. Diziam que estava incapaz de conduzir. Enganou-os. Pegou nas chaves, decidiu um caminho conhecido, uma praia e o mar de sempre. Lembro-me de um filme onde o mar é o fundo dado para um possível paraíso. Estacionou e deixou o carro fechado, mas aberto. Caminhou pela praia e pelo mar adentro. Permita-me que lhe pergunte: chegou onde, Maria Antónia? E a pergunta final, a maior de todas: porquê a Maria Antónia, a inteligente, atenta e exigente com a vida Maria Antónia? E eu, o que faço eu agora, como justifico o meu estar, persistir aqui?

domingo, 21 de dezembro de 2014

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Hum...

Podemos dizer que este blog tinha um título premonitório? Não, eu já sabia.

Falando de outra coisa, podemos dizer que este animal o é mas não de companhia.

Agostinho - 3.

Outra coisa que se deve dizer sobre Joaquim Agostinho é que ele foi dos melhores contra-relogistas (CR) do pelotão internacional nos anos setenta. Tomei melhor consciência disso ao ouvi-lo da boca de Marco Chagas numa dessas transmissões televisivas da RTP-1 sobre ciclismo. Mas as palavras usadas pelo ex-companheiro de Agostinho: “ele era sobretudo um contra-relogista”, não fazem jus ao trabalho feito por Agostinho na montanha. 
Nas treze paarticipações no Tour, em cada ano houve sempre pelo menos um CR onde Agostinho terminou no top dez. Já o mesmo não se pode dizer sobre as etapas de alta montanha. Mas se Agostinho não subiu tão bem em 1970, 1973 (era “aguadeiro” de Ocaña, tinha outras obrigações), 1975 ou 1977, nos anos de 1971 e 1972 e, depois, no triénio 1978-80 houve sempre etapas de alta montanha com Agostinho no pódio, tendo a culminar a vitória no Alpe d’Huez em 1979 – aliás nesse ano o Alpe d ‘Huez subiu-se duas vezes, podendo considerar-se Agostinho, com um 1º e um 4º lugar, o vencedor destacado da dupla jornada. 1979 foi o ano em que a participação de Agostinho no Tour foi mais espectacular. Houve duas cronoescaladas (CR a subir), uma logo ao 3º dia onde Agostinho foi 2º a 11’’ de Hinault, colocando-o no pódio, donde foi apeado por dois CR por equipas quase seguidos. Na etapa 9, no empedrado para Roubaix, caiu e perdeu mais de 14’. A recuperação começou na 2ª cronoescalada, esta de 54km, onde foi 3º. Antes das etapas do Alpe d’Huez Agostinho tinha recuperado até ao 10º lugar. Depois das duas etapas referidas era 4º. No último CR bateu Hennie Kuiper por 2’ e subiu, pela 2ª vez consecutiva, ao pódio. Os 26’ de diferença de Hinault não contam a história toda, metade pertencia à etapa para Roubaix, outros 3’ pertenciam aos CR por equipas…
O último tour de France de Agostinho aconteceu aos 40 anos de idade, em 1983. O 11º lugar alcançado alicerçou-se em três CR’s no top dez. 
QOD…

Agostinho - 2 e outra vez Rui Costa.

Agostinho não era um “puncheur” como Rui Costa e a verdade é que raramente correu as clássicas de um dia e duvido se alguma vez o fez que não para cumprir calendário e fazer rodagem. Aconteceu nos primeiros anos para não repetir. Agostinho ganhou duas etapas no primeiro Tour porque ninguém o conhecia nem ele sabia das regras um corno. Ganhar é fugir e dar-lhe gás. Sistema que até Merckx elogiou ao referir que no ano de 69 em França os únicos ataques que tinha receado tinham sido os de Agostinho. Porque definitivos. Forte, maciço, um óptimo rolador. Mas não um sprinter. No 2º ano Agostinho tentou nova escapada e levou na roda um dinamarquês da sua equipa que, como sprinter, não puxou e no fim lhe comeu as papas. Agostinho, zangado, atirou-o contra as barreiras e foi desclassificado e multado. Ele ainda não sabia das “regras” um corno. 
A partir daqui e, sobretudo, a partir de 1971, onde Agostinho foi segundo num contra-relógio individual - CRI, fez pódio na alta montanha e terminou 5º na geral, ele deixou de ser mais um no pelotão. As vitórias que se sucederam foram portanto só mais duas, um CRI no ano – 1973 - em que foi o super-gregário dum super Ocaña, e o referido super-ano de 1979 onde "limpou" o Alpe d’Huez. 
As três vitórias de Rui Costa, com indubitável valor, aconteceram em etapas de montanha média-alta e porque o Rui não era um corredor de top dez, donde a preocupação do pelotão ter sido apenas mediana. Qualquer vitória em etapa no Tour que volte a acontecer será porque infelizmente o Rui volta a encontrar-se nessas condições ou porque o Rui Costa que nós hoje conhecemos evoluiu para outro nível.

Joaquim Agostinho, um Homem Antigo. E Rui Costa.

Em 1980 lembro-me ter assistido pela televisão a uma chegada em alto no Tour de France. Que não foi a do Alpe d’Huez - em 1980 não havia Alpe d'Huez. No ano anterior a vitória na subida ao Alpe d'Huez tinha sido de Agostinho, aos 36 anos. Em 80 Agostinho foi um pouco mais discreto, apenas um 5º lugar na geral para compensar toda uma época velocipédica em que Agostinho estivera a correr ao mais alto nível: 3ª na Volta à Corsega, nos 4 dias de Dunkerque e no Criterium du Dauphiné, 2º no Midi-Libre. Volto à transmissão, não sei que final foi nem quem ganhou, Agostinho era facilmente identificável, 37 anos, um tronco maciço, um caracol preto ondulado sem qualquer protecção que então não se usava. Faltavam três, quatro curvas, Agostinho acorda, como que repensando o que devia ser o seu lugar na classificação final da etapa, engrena outro ritmo, ultrapassa um, dois, três adversários, poder puro. Por muitos anos que viva, esta é uma imagem que não esquecerei. 
Vamos esquecer a ladainha dos oito top dez na geral do Tour de France. Agostinho terminou no top dez de noventa e seis etapas no conjunto das suas dezanove participações nas três grandes voltas de três semanas – França (14 anos), Espanha (5 anos) e Itália (1 ano). Sessenta e sete na francesa, vinte e oito na espanhola e uma única vez numa mal sucedida participação no Giro. Destes 96 top dez, 24 foram pódios e sete foram vitórias em etapa. Comparando, Rui Costa só fez três vezes top dez, as três vezes no Tour de France e das três vezes ganhando (sempre) a etapa. Dirão que é injusto comparar um palmarés feito com outro em construção. Rui Costa tem hoje 28 anos. Aos 28 anos Agostinho já tinha participado em três Voltas à França (conseguindo um 5º lugar na geral à 3ª tentativa), com 19 top dez, 5 pódios e duas vitórias em etapas. Tinha ainda ganho uma etapa na muito competitiva Setmana Catalana em duas participações, uma prova que já não existe. Não fizera muito mais, as outras (poucas) provas entendidas possivelmente apenas como rodagem. 
Rui Costa tornou-se conhecido não só pelo Campeonato do Mundo mas também pelas suas três vitórias na Volta à Suiça. É, portanto, uma espécie de especialista em corridas de uma semana que ainda não demonstrou capacidade de passar a ser um ciclista de primeira linha numa corrida de três semanas. Assume-se que a tem mas faltam os números. Na Volta à França, sua prova preferida de 3 semanas, foi 18º em 2012, 28º em 2013 (quando ficou para trás para ajudar Valverde) e abandonou com pneumonia em 2014 quando estava nos 1ºs 15. Mas, continuando nas provas de 1 semana e fazendo as contas aos pódios em etapas e vitórias, Agostinho tem mesmo assim, a partir de um conjunto de participações... ocasionais mas interessantes, 12 pódios e quatro vitórias em etapas, exactamente os mesmos nºs que Rui Costa tem até hoje. 
Rui Costa vai ser o maior corredor português de todos os tempos de corridas de uma semana (ultrapassando Acácio da Silva, outra história...) e de corridas de um dia (idem). No que a Grand Tours diz respeito o palmarés de Agostinho parece-me inalcansável. Lembro-me de velhas discussões sobre a eventual falta de ambição de Agostinho. É possível que tenha sido o caso: o ciclismo durante muitos anos foi um meio para atingir um fim na cabeça de Agostinho, conta-se a famosa história do abandono de uma prova em França para salvar na quinta em Torres Vedras umas vacas perdidas. Rui Costa só vê ciclismo à frente dos olhos. Mas, a pensar nas vacas ou não, Agostinho foi um corredor com um perfil de luta e risco muito diferente do de Rui Costa. Este quando ataca é para ganhar mesmo – escolhendo com muito – excessivo? – cuidado o momento do ataque. Agostinho não era o corredor cerebral que Rui Costa é. Mas foi melhor ciclista.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Inglés.

Ontem fui ao El Corte Inglés de Gaia. Marías, Millás e Horchata. E um casaco de malha a bom preço para a Cata. Ainda bem.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Gravity.

Por ter visto "Interstellar" fui rever "Gravity". Cuarón, o realizador, já mostrou antes a sua capacidade de realizar e sobreviver à realização de grandes filmes grandes, como por ex. "Children of Men". Gravity devolve - e "Interstellar" só veio confirmar essa tendência - o silêncio ao espaço. O som precisa de ar. Que no espaço não existe. Deste 77 e "Star Wars" o espaço era barulhento de uma forma incorrecta e parva. "Gravity" tem um óptimo 3D mas agora em televisão - sem 3D - vê-se na mesma bem. Bullock, aquela rapariga que se parece demasiado com Michael Jackson, suspira e geme demasiado, interrompendo demasiado o dito silêncio. Nunca diz um palavrão e duvidamos que alguma vez tenha conhecido o prazer. Tem uma história, mas tem a espessura de uma folha Navigator versão genérica. Clooney aqui está bem , até na sua re-intrusão em "pos-op", afinal talvez onde o filme se faz maior. Repito, Bullock não funciona a 100%. O final do filme é apenas... médio. Como diz a minha filha, os colegas dela da escola criticam o filme ser "uma gaja duas horas à deriva no espaço". Mas ela contrapõe, e eu concordo, ser isso não um defeito mas uma qualidade que Bullock defende com visível esforço embora resultados variáveis. Serve sim o corpo dela, frágil e esguio, fetal a meio do filme, em fuga para a superfície e para a gravidade-mãe no fim. Bullock não permite maior espessura ao filme. Não sabemos se esse era um objectivo ou se apenas calhou assim. No fim elea ergue-se. E? Este filme não é 2001 mas vê-se muito bem.

Interstellar.

Depois da desilusão do último Batman desenhado por Christopher Nolan, fui ver com alguma reserva mental "Interstellar". E "Interstellar" é um bom filme. Que dura bem o seu longo tempo, que sobrevive bem aos seus - excelentes - efeitos especiais, ao papel algo histriónico fornecido a McConaughey, e consegue manter uma conversa interessante com 2001, o filme de Kubrick, objectivo óbvio. O que está a mais? O amor e a bandeira americana.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Novo Hospital.

Não deixa de ser curioso que um homem de apelido 'Agonia' crie um hospital de nome 'Senhor do Bonfim'. Uso próprio? Ou apenas um desejo?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Há quantos anos é Mário Soares inimputável?

Já houve um Partido Socialista em Itália. Com origens no século XIX, viveu sempre à sombra dos Eurocomunistas e "entalado" entre estes e a Democracia-Cristã, desde o estabelecer da estrutura partidária italiana do pós-guerra.
Bettino Craxi foi o único secretário-geral do PSI a conseguir ser primeiro-minitro da Itália, nos anos oitenta, como chefe e congregador do chamado "pentapartido", que agregava à Democracia-Cristã e ao PSI outros três pequenos partidos de centro, a versão italiana do "arco de governabilidade".
Em 1993 Bettino Craxi foi acusado - em nome do seu partido - de financiamento ilícito pela Mafia, etc. - sendo a defesa pelo próprio algo do estilo "não fomos só nós, éramos todos". Bettino Craxi fugiu para a Tunísia em 1994, onde morreu, fugido da justiça italiana, em 2000. Bettino Craxi era amigo próximo de Ben Ali, ditador tunisino desde 87 e cujo primeiro governo ocidental a reconhecer a tomada de poder foi o de... Craxi. A "Operação Mãos Limpas", dirigida por Antoni di Pietro, então juiz, levou ao poder outro amigo próximo de Craxi, Berlusconi - Craxi foi sua testemunha no seu segundo casamento...
Parece portanto que, às vezes, os políticos muito conhecidos podemmesmo assim  fugir...

Mário Soares - ou o PS, mais propriamente - recebeu muito dinheiro do PSI nos anos 70. Não discuto esses tempos, "excepcionais". Em 1995, aproveitando uma viagem oficial à Argélia, Mário Soares visitou o amigo Craxi, já então um fugitivo europeu à justiça. Só podemos concluir que em  1995 Mário Soares já era inimputável...

Eu aliás lembro-me de um episódio onde ele cavalgava um tartaruga gigante...

A prisão do admirável homem novo.

Está preventivamente preso em Évora o admirável homem novo. Nos últimos quinze, vinte anos, muitos de nós quisémos ser como ele, ou que os nossos filhos o fossem. Esperto, decidido, não olhando a meios para os fins, discurso pronto, simpatia quanto baste, ferocidade logo ali. Na prática sem escrúpulos materiais mas não disposto a matar, com a pátria na ponta da língua mas oh tão distante do coração. E capaz oh tão capaz. É para fazer ETAR's? Aqui vão ETAR's! Eólicas também! E auto-estradas e barragens. Pelo caminho cortinas de fumo - o casamento gay, o aborto. O punho erguido mas porque pode dar jeito para dar um murro. Ele era o admirável homem novo e achava que o país lhe devia muito, embora tardasse em o reconhecer. O dinheiro desviado era como um pagamento adiantado, devido oh se devido. O lugar na história logo ali.

Está preso em Évora o admirável homem novo. Lá fora está frio mas sol. Só tenho pena pela minha amiga - e doente da consulta - Rosa, desde sempre apaixonada pelo seu José.

domingo, 23 de novembro de 2014

Confirmo.

O tempo de Sócrates acabou.

Inês é morta?

Sócrates está preso. Inês é morta? 
A prisão daquele que foi o primeiro-ministro de Portugal anterior ao actual deve criar em nós, portugueses, mais preocupação do que regozijo. Prisão e não condenação, claro, mas tu e eu sabemos que, se não fôr Sócrates condenado será apenas porque a máquina da justiça está bem mais oleada do que antes mas ainda não chegou aquele ponto onde. 
Vamos elencar os primeiro-ministros do Portugal democrático: Mário Soares, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Mário Soares outra vez, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho. 
Sim, a coisa pública tem vindo a degradar-se. A política é a arte de um povo a governar-se como um todo. Arte esta que historicamente foi condicionada pela raíz ideológica do governo empossado. As ideologias políticas foram construções teóricas, nascidas em momentos históricos próprios, para a governação das gentes, da polis, que pretendiam gerir as relações entre os diferentes estratos do povo, suas forças e fraquezas, suas razões e queixas. Da teoria à prática sempre houve a distância que vai do sonho – ou do pesadelo sonhado - até à dura realidade dos dias. Hoje não há ideologias. 
Ninguém governa, repito. É um povo que se governa através dos seus representantes eleitos. Esquecido isto, quem sobe governa-se. E sem outro projecto nem destino que não a aquisição de poder, de riqueza. Sócrates não viu a parede à sua frente nem se apercebeu dos seus limites, continuando a assaltar bancos. Passos Coelho, via Tecnoforma, não é mais do que um carteirista. Apanhando-se no governo desmultiplicou o gesto assaltando dez milhões de carteiras. Inês é morta.

O último país europeu que viveu um período justicialista parecido com o nosso foi a Itália. Depois aconteceu  Berlusconi. Temo pelo futuro político deste meu país.
  

domingo, 16 de novembro de 2014

Dos avós que temos ou tivémos, Paulo.

Não conheci o meu avô Manuel, o pai da minha mãe. Das grandes penas da minha vida esta é, sem dúvida, a mais irrevogável. Que se pode aprender com um avô ou uma avó? Nada que tenha a ver com palavras. Os avós são uma espécie de calor que nos acontece. As lições não têm princípio, nem meio, nem fim. Nem são lições mas momentos, episódios, achados que não vamos querer perder. Dos meus avós paternos, Guilherme e Piedade, pouco posso dizer porque o tal calor de que falo nunca foi muito. Alguém me disse recentemente que eu era o neto preferido. Que outros por isso sofreram. A culpa nas costas de uma criança é muito mais do que um casaco mal vestido. Eu não era o neto preferido. Era o rapaz primeiro, filho do irmão mais velho, e isto foi um peso. Os meus avós serviram-me apenas para eu aprender a ler o meu pai. Ao fim de muitos anos aprendi. A minha avó materna, Rosa, também nunca me transmitiu muito do calor de que falo. A casa dela foi-me quase sempre estranha e, para o fim, ficou cada vez mais longe, até se perder. Para a minha avó Rosa eu era o resultado de um casamento mal visto, não querido, indesejado. Aqui eu não precisei de a conhecer bem para aprender a ler a minha mãe. O meu acesso muito directo, horário, à minha mãe e aos seus problemas de vida deram-me toda a leitura necessária, que até hoje se prolonga. Ainda a semana passada alguém terá ido bater à porta da casa de meus pais para formalmente pedir desculpa por coisas passadas há trinta, quarenta, cinquenta anos. Assim são as famílias que, de mal construidas, acabam por perecer bem antes da morte dos seus elementos. É engraçado, toda a minha vida tenho-me encontrado com pessoas que elevam o altar familiar a grandes alturas. Eu não, nem qualidade nem defeito. Não aconteceu. É também por isto, meu caro amigo Paulo, que queria dar-te os parabéns, pela tua - contaram-me - grande tristeza pela recente morte da tua avó. E "os meus sentimentos" são estes. Um abraço.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O Professor Daniel Serrão.

Entrei para este Hospital há 32 anos. Sim, porque a Faculdade de Medicina estava então nas entranhas deste Hospital, escondida por baixo, espalhada por entre. Agora é menos assim, e eu estou de acordo. Sempre achei que a exposição precoce ao sofrimento alheio e à doença passeada em cadeira de rodas ou em maca dessensibilizava. E, porém, cheguei ao meu Ciclo Clínico da Faculdade com o medo ao doente e à doença intacto. Mas hoje só vou falar de um professor que eu tive de nome Daniel Serrão, e que fazia de cada aula uma narrativa. Sei hoje, e já então o pressentia, que, por ele e mais dois, três ou quatro outros como ele, no Ciclo Básico da FMUP - no Ciclo Clínico não - eu fui um aluno privilegiado. As aulas do Professor Daniel Serrão eram um privilégio. A Cadeira que ele regia uma referência. O Professor Daniel Serrão está muito doente neste Hospital por onde há 32 anos vagueio. Saber que ele também por aqui andava mitigava-me a descrença. Desejo-lhe as melhoras, rápidas ou lentas, mas as necessárias melhoras. Qualquer ser humano é insubstituível. No caso do Professor Daniel Serrão esta evidência toma a dimensão de um mundo.

sábado, 27 de setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Profetas do depois - parte 1.

Pedro Santos Guerreiro escreveu isto em 19/7 no Expresso: "O discurso dos centros de decisão nacional sempre foi essencialmente um discurso de poder, e de manutenção desse poder pelo regime vigente. Hoje é um anacronismo ridículo. O investidor estrangeiro já tomou conta. A EDP e a REN são hoje chinesas, a ANA é francesa, o BCP, BIC, Zon e Optimus são angolanos, o BPI é hispano-angolano, o BES há de ser de quem o quiser, a Cimpor é brasileira, a PT quer sê-lo, a Galp é apátrida e há dezenas de grandes empresas à venda, incluindo hotéis, seguros, saúde e imobiliário do Grupo Espírito Santo, a TAP ou os resíduos do Estado. O sistema mudou porque estava falido. O novo regime fala estrangeiro. Precisa de reguladores fortes, para que produza em vez de extrair riqueza de Portugal. Mas essa é a maior mudança a que assistimos. Não foi a troika que a trouxe, foi a dívida. O triste fim do Grupo Espírito Santo não é senão uma forma dramática e espetacular de o percebermos. Como diria José Sócrates, o mundo mudou." Pergunto-me: a pena por não serem os centros de decisão nacionais é mesmo um anacronismo ridículo ou a tristeza pelo falhanço colectivo de uma certa "cúpula" nacional? E ainda: quando teve Portugal reguladores fortes?

António.

Morreu o meu tio António. Nunca fomos próximos. Sobrinho e neto de talhantes, era ele o meu tio do talho, trabalhando no estabelecimento do pai, meu avô paterno. Maciço, corpulento, peludo, a calva mais perfeita da família com um sinal saliente. Conduzia um convenientemente desproporcionado Chrysler, muito antigo, que o meu avô tinha comprado porque, entre outras qualidades, conseguia meter carcaças na mala para levar para o talho da praia do Furadouro. Modernidades conheci-lhe só uma, a de usar calções de banho – coisa que ao meu pai, três anos mais velho, nunca vi – com os quais metodicamente adormecia na praia, para nunca mais. O nosso convívio fez-se nas muitas vezes que fui buscar carne ao talho do meu avô. Esperava, esperava, até que era atendido. Antes tinha saudado com um beijo toda a minha família que constituía a superfície frontal de atendimento: a minha madrinha – a irmã solteira mais velha do meu pai – e a esposa do meu tio António, que, essa, já faleceu há uns bons anos. E capaz de ter havido um tempo mais antigo em que os meus avós paternos também lá estavam. Faleceu, pois. Nem interessa como. Fui ao funeral, o que até serviu para ajudar o meu pai a deslocar-se, algo que já não lhe é fácil. Cumprimentei especialmente os meus dois primos filhos do meu tio, a Paula, o Luís António, ofereci-lhes a minha cara de velho compreensivo que nenhum consolo lhes terá dado. Sem irmãos a vida ofereceu-me catorze primos, treze deste lado da família. Convenientemente distribuídos pelas duas alas de contricção, o Mário, por exemplo, que eu já não via vai para uns dez anos, lembrou-me um colega e amigo que enveredou por Saúde Pública, mas não tão sério – o amigo. Curiosa esta inversão, a família a lembrar-me conhecidos. A minha prima Teresa, na fundo da sua loucura, escrevia sentada. No fim da cerimónia levantou-se e, com algum sem-jeito, pediu a palavra. Disse coisas sobre o meu tio António que o pai dela, Mário também, teria pedido para ela escrever. Não me pareceu que nenhuma das palavras escritas e lidas se aplicasse minimamente ao falecido. Digo isto e arrependo-me profundamente, opino sobre quem na realidade não conheci. A minha prima falou, falou e comoveu pois no fim recebeu palmas. Minto, não foi no fim das palavras sobre o meu tio António. Foi no fim de um outro texto, que ela teria escrito na sua infância, e que acrescentou à récita. Nele dizia e descrevia as flores de que gostava, muitas e muitas, sem mais. O meu tio jazia no caixão de flores rodeado. E com as palavras que a Teresa escolheu ela perdoou a todos aqueles que para homenagear o morto sacrificaram todas aquelas flores. Gostei muito de a ouvir, afinal. E rever os meus estranhos primos.

O Novíssimo Banco!

A minha mania com as estatísticas podia ter-me orientado para o trabalho numa Unidade de Contra-Espionagem ou ter-me transformado num terrorista informático. Tal não aconteceu. Dos meus tempos de estudioso das Páginas Amarelas lembro-me que os bancos em Portugal, evolução natural de escritórios de banqueiros, tinham nomes no nome, a saber: Borges e Irmão, Fonsecas e Burnay, Pinto e Sottomayor, Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Totta e Açores, Pinto de Magalhães. Bancos que não cumpriam este requisito eram o Nacional Ultramarino, um anacronismo (antigo emissor de moeda nas províncias ultramarinas), o Português do Atlântico – uma invenção nortenha recente e que terá sido pioneira (não sei muito bem do quê). No século XXI um reliquat desses tempos era BES. Até hoje. O Novo Banco (ex-BES) mudou de mãos este fim-de-semana. Mais propriamente das mãos de Vitor Bento para as mãos de Eduardo Stock da Cunha. Ao contrário de noticiado Stock da Cunha não é um banqueiro, é um gestor bancário. Nem Vitor Bento o era. Prometeram-lhe um projecto de refundação de um banco e depois atribuíram-lhe a tarefa de destruir um banco. Duas coisas não exactamente iguais. Não admira a demissão. Já não há banqueiros portugueses. O último (talvez) acabe preso. Porque (talvez) a Herdade da Comporta o isolasse demasiado do mundo real, da fragilidade do seu castelo de cartas. O BES era Ricardo Salgado. O Dono Disto Tudo. Não admira, portanto, que agora tudo em Portugal já não pertença a mãos portuguesas. Gerimos, quando gerimos, dinheiros estrangeiros. E morreu o último banco português. O BPI é hispano-angolano, por ex. (e o comprador mais provável). O BCP também, mais ou menos. E a Caixa pertence ao Estado, e nós sabemos como o Estado NÃO É PORTUGAL. Stock da Cunha nasceu no Santander Portugal e evoluiu para o Lloyds. Vai agora vender o BES ao desbarato, ficando o panorama bancário português reduzido à trissomia BCP/BPI/Santander mais minorias.