sábado, 28 de outubro de 2017

Els Segadors e dançar a Sardana.



"Replicou-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu; entretanto cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou." Este é o fim da Parabóla do Filho Pródigo no Evangelho Segundo S.Lucas. Quem não percebe isto não verá saída para a crise da Catalunha.

Vamos esquecer a política. Puigdemont é um pequeno homem, Junqueras um anormal. E do lado de Madrid não há NINGUÉM, Podemos incluido, que se aproveite.

A crise de Catalunha é uma questão cultural e vai levar décadas, se a política o permitir o que duvido, a resolver. Tudo depende da reconstrução da narrativa da História de Espanha, de uma narrativa unilateral para uma narrativa polivalente. A Espanha inventada pelos Católicos Reis foi sempre um harmónio de povos e gentes com interesses complementares mas diferentes, virados ora para o Atlântico ora para o Mediterrâneo ora para a meseta ora para Europa. Madrid foi  a tentativa de inventar uma cabeça só onde havia mais. A Espanha dos Católicos era uma espécie de Monarquia Dual, como o Império Austro-Húngaro. Com isto acabaram os Bourbons, reprimindo as periferias, sobretudo os Catalães. Como já referi, o Dia Nacional da Catalunha é o dia da invasão de Barcelona pelas tropas bourbónicas. O Hino Nacional da Catalunha, Els Segadors, é uma adaptação duma canção popular nascida nos tempos da revolta da Catalunha nos anos 40 do século  XVII, aquela que coincidindo com a Restauração Portuguesa nos permitiu a nós ganhar fôlego para vencer e ficarmos - NÓS - independentes. Pergunto: quem nas regiões espanholas castelhano-falantes, se preocupa em aprender catalão, conhecer a cultura catalã, ter uma visão mais plural e diversificada da história Espanhola, do caldo espanhol? A Espanha antiga, conservadora e, porque não dizê-lo, reaccionária, está aí ao virar da esquina. A Constituição de 78 morreu. Terão percebido isto todos? Felipe VI, acredito, saberá falar catalão. Porque não falou em catalão quando aproveitou a alocução dos Prémios Príncipe de Astúrias para reafirmar a Unidade de Espanha? O Rei é um rapaz alto mas também me pareceu pequenino. A Catalunha - e Euskadi, e a Galiza - dão à Espanha o grosso do seu carácter único. Independentemente dos muitos agravos imaginados e amplificados pela narrativa cabotina do independentismo catalão, a verdade é que a Espanha falhou não na criação da autonomia não no equilíbrio económico mas sim no equilíbrio cultural entre o dito esqueleto "castelhano-leones-andaluz" e as ditas "periferias". E aqui a culpa está em Madrid - nos sucessivos governos desde 78 até hoje. Mas é assim, os governos hoje em dia têm apenas uma visão política de vistas curtas e economicista da governação. Uma governação sem uma visão culta do país e sem uma noção da História e de que sempre há correcções a fazer à mesma, é pouco governo. Em Portugal também é assim. Como eu gosto de ouvir a fala catalã. Quem está comigo na Espanha não catalã-falante? Porque Arrimadas fala sempre castelhano no Parlament?

Li há dias que no centro de Barcelona se dançava a "Sardana" como manifestação de resistência ao governo central. Das minhas viagens pela Catalunha - uma vez num hotel vi eu pela janela de um dia de fim-de-semana muito normal - sei que dançar a "Sardana" nos jardins e parques é habitual e frequente nas cidades e vilas catalãs e não é querer resistir a nada. É apenas ser... catalão! 

Repito: não gosto do nacionalismo catalão, mas gosto menos ainda do espanhol. Posto isto, visca Espanya, visca Catalunya! 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Amanhã Puigdemont...

Rajoy vai aplicar o artigo 155 enquanto Puigdemont vai declarar a independência de Catalunha. Digo os nomes dos trastes e não digo "a Espanha" ou "a Catalunha" pelo respeito que me devem as gentes que constituem as entidades em questão, sendo que Catalunha é Espanha, por enquanto. 

A lei é a lei é a lei. Tudo o que Puigdemont tem feito é ilegal. Independentemente de os tribunais mais altos de Espanha me parecerem muito tingidos pelas cores do PP. Talvez a Espanha esteja a precisar de uma segunda transição.

Mas a lei e o correcto e o bom nem sempre coincidem. A pena de morte foi legal até deixar de o ser. A subjugação da mulher ao marido foi lei até deixar de o ser.

Fala-se igualmente tanto da "Espanha dos cinco reinos" como da "Península dos cinco reinos" na história medieval. Sim, mais uma vez a história. Na primeira versão, Portugal, Leão, Castela, Navarra e Aragão. Engolido o leão e para que os números continuassem a rimar, acrescentou-se Granada. Para o escudo não podia ser Portugal,ressuscita-se o leão. Os Reis Católicos acabaram com este idílio reunindo toda a malta excepto... "nóses". Diz-se que os Reis Católicos inventaram Espanha. Sim e não. Cada reino "adquirido" conservava os seus usos e costumes, nomeadamente Navarra, nomeadamente Aragão. Os foros e prerrogativas destes reinos foram abolidos só mais de dois séculos depois pela dinastia dos Bourbons, estes sim os inventores do centralismo espanhol (isto é, castelhano). O dia nacional da Catalunha é o dia de uma derrota e de uma invasão, esta, onde o rei Bourbon acaba com a autonomia catalã. 

Bom, isto da história é muito bonito mas já no século XVIII Espanha era um país empobrecido e frágil. O centralismo Bourbónico nunca conseguiu vergar as periferias mais dinâmicas e nestas à frente a catalã. Nem dois séculos depois Franco. Franco que bombardeou Guernica para "matar" os bascos com um tiro no peito, e que derrotou definitivamente a República com a batalha do Ebro, na Catalunha. 

Portanto e porém Espanha nunca deixou de ser, sem dúvida, um mosaico de culturas e de sensibilidades populares bastante diferentes umas das outras, e que pedem uma narrativa histórica plural e multifacetada. Recentemente um ministro da Educação do PP discordou disto tudo e decidiu que em toda a Espanha só devia haver um livro de história, uma só narrativa. As autonomias podias acrescentar umas folhas, com interesse apenas decorativo. 

Portanto pode não parecer mas nas ruas de Barcelona discute-se duas visões de Espanha: uma multifacetada e multilateral, outra monolítica e unilateral. O nacionalismo catalão é na realidade uma resposta ao nacionalismo espanhol. Qualquer nacionalismo é mau.

Os dois governos, o espanhol e o catalão, são maus. Exploram sentimentos primários, criam xenofobismos e ampliam preconceitos e distâncias. Jordi Pujol foi o Alberto João Jardim da Catalunha. Puigdemont é um seu desajeitado aprendiz. Porém, desde já digo que prefiro Barcelona a Madrid. E não é só por ter mar...

Lembro-me de, muito puto e maníaco das estatísticas, admirar-me de em 1972 o jornal mais vendido em Espanha ser então o barcelonês La Vanguardia. Eu acho que é coisas como estas que fodem tudo isto.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Da Catalunha.

Espanha sem a Catalunha não é Espanha. Criada na Idade Moderna, nasceu da junção do Reino de Castela à Coroa de Aragão, esta por sua vez constituída pelo Reino de Aragão e pelo Condado de Barcelona. Por isto se chama a esta a Cidade Condal. Antes da Idade Moderna não havia "a Espanha", utilizando-se até o plural "Espanhas" para  abarcar a realidade multifocal peninsular. A história da diversidade peninsular é muito a história dos seus romances linguísticos. Da esquerda para a direita tínhamos então o galaico-português, o astur-leonês, o castelhano, o aragonês e o catalão. O euskera é um fenómeno (e é!) pirenaico e no sul o andaluz é um castelhano crestado ao sol. O mal estar catalão com Espanha vem de longe e tem origem numa forma unilateral de ver Espanha: como uma Grande Castela com variantes e periferias para-turista-ver. Se desde sempre a Espanha tivesse sido entendida e ensinada como aquilo que é, uma realidade multi-cultural e multipolar onde Madrid e Castela são apenas um pequena parte de um fantástico todo, não haveria metade de um povo (o catalão, metade mas não mais) a pedir aos gritos a independência. O resto é baixa política que, de tão baixa ao manipular os sentimentos de milhões de pessoas de bem, até cansa condená-la!

Agora, apartes:

1) se republicano em Portugal porque seria outra coisa em Espanha?

2) eu também queria que me declarassem independente de Mariano Rajoy!

3) Puigdemont, não esqueçamos, é herdeiro directo de Jordi Pujol. Ergo não o posso levar a sério.

4) compreendo porém, embora me pareça pouco, que os catalães optem por um raciocínio de "corruptos por corruptos preferimos os nossos".

5) apresentem-me um nacionalismo que não seja pelo menos um pouco xenófobo.

6) um referendo sério obriga a uma alta participação popular e a uma vitória folgada, sendo que representa sempre uma visão maximalista, ie redutora da vida em sociedade, que as mais das vezes não é sim nem não.

7) já vos disse que não gosto de referendos?

8) já vos disse que gosto da Catalunha?

BONA NIT!