sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Honoré Daumier (1808-1879)

Honoré Daumier foi um artista francês que se tornou conhecido no seu tempo como litógrafo e caricaturista, chegando a ser preso por uma caricatura que fez do rei de França. O seu empenho político e a sua qualidade de desenho tornou-o um inimigo do poder e da burguesia francesa. É incluido no movimento realista e ele utilizou sempre a sua arte para criticar a dura realidade que era vivida pelo povo francês no seu tempo.  Menos conhecido e valorizado como pintor, viu a sua obra reconhecida numa exposição que aconteceu antes de morrer, era ele já cego. Assim morreu, numa casa que lhe fôra cedida por Corot. Uma das suas pinturas mais conhecidas é esta, a "Lavadeira" (c.1863), metáfora para a difícil vida das gentes. A única luz é a das casas, sombrias as duas figuras, as da lavandeira e da criança. este é um dos quadros mais bonitos do século XIX na minha opinião.

Ficheiro:Honoré Dumier A lavadeira.jpg

Daumier pintou também motivos religiosos e literários. A pintura abaixo ("D. Quixote, c.1866-8) analiza com enorme poder a dicotomia entre o homem que está no burro e duvida em seguir em frente e o esquelético alucinado que desce pelo precipício a cavalo. 

Dom Quixote


William Turner (1775-1851)

Turner insere-se no tempo do romantismo e assim se explica o arrebatamento de luz e cor e sombra que é a sua pintura. Uma pintura que dialoga por antecipação com os impressionistas e, sem querer, com a abstracção, Turner foi um personagem estranho e difícil, já tendo merecido biografias e filmes, e é o pintor inglês mais conhecido. Estranho mas não alienado do seu tempo: o quadro "Navio Negreiro atirando borda fora os mortos e moribundos" (c.1840) é um manifesto de cor e luz mas mais do que isso. O barco efectivamente existiu, era britânico, e no chamado "massacre do navio Zong" (eu sei, o nome do navio quase tira seriedade à coisa) 132 escravos foram atirados ao mar, grande parte ainda vivos.



O sol. O homem que, moribundo, terá dito que "O Sol é Deus!" adora o sol. Veja-se abaixo "Amanhecer" (c.1825-30).

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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A grande devolução.

Os museus europeus estão cheios de peças de valor incalculável saqueadas ou compradas por tuta-e-meia no Médio Oriente, em África, na Ásia, na América do Sul. O argumento habitual de que foram presentes (feitos por déspotas ignorantes), compras legais (com o colonizador a impor a compra) ou salvaguarda do património (de guerras e destruições induzidas pelo ocidente) não colhe. O exemplo mais gritante é o dos frisos do Parténon, a obra-prima de Fídias, e tem maior audiência porque a disputa é entre dois países europeus. Se as devoluções fossem para acontecer o Louvre ficaria mais pequeno e o Pergamon, em Berlim, fechava, por ex.
Portugal ganhou as suas peças da forma usual mas, atenção, não estamos a falar de coisas tão enormemente importantes como as acima citadas. O que estará em questão, suponho, será mobiliário, escultura, máscaras e afins vindo sobretudo de África mas também de Timor, Macau, Goa, do Brasil. Terá sido adquirido ora a bem ora a mal. Acho que um bom diálogo com as entidades dos países de origem, com quem, ressalvando um pouco a União Indiana, temos boas relações, permitiria achar o meio-termo, entre uma devolução completa e uma recusa de restituição. Não vejo a necessidade da presença de "militantes anti-racistas" nestas reuniões. Vejo sim a necessidade de ordem e calma nos raciocínios de resposta a André Ventura. É que a nossa história é bem mais os Jerónimos do que o Museu de Etnologia, que ficaria mais pequeno mas não fecharia as portas. 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Pietro Longhi (1701-1785)

Pietro Longhi foi talvez a resposta italiana ou veneziana a Watteau, e digo veneziana porque é esta sociedade nos seus jogos de sedução e de representação fora e dentro de portas que Longhi retrata. A pintura de Longhi tem também uma teatralidade muito marcada, ou não estivéssemos na terra do Carnaval enquanto... Commedia dell'Arte! No "Charlatão" (c.1757) o que realmente mais interessa é vermos o homem mascarado a tentar levantar as saias à mulher a seu lado, ambos usando tricorne, sendo o tricorne então o chapéu das classes altas dentro e fora do carnaval.

The Charlatan, 1757 - Pietro Longhi

Pietro Longhi também deu atenção às classes menos favorecidas, não lhes sonegando o seu jogo erótico, mesmo que o quadro se chame "Polenta" (c.1735).

La polenta. . Venezia, Ca Rezzonico., 1735 por Pietro Longhi (1701-1785, Italy) | Reproduções De Arte Pietro Longhi | ArtsDot.com

Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770)

Tiepolo viveu o dobro do tempo de Watteau e, ao contrário deste, abraçou com a maior das alegrias o espírito festivo e alienado do século XVII, tanto assim que ao tornar-se como que um seu símbolo, foi depois menosprezado durante mais de um século. Ninguém pintou melhor o céu nem todas as criaturas que podiam evoluir nele ou imediatamente abaixo, quase sempre sem uma cor escura, sem uma sombra. Terá sido o melhor pintor de tectos de sempre (esquecendo a Capela Sistina, eu sei) e, na realidade, a pintura a partir daqui não podia subir mais alto.
Eis a "Alegoria dos Planetas e Continentes" (c.1752):

Allegory of the Planets and Continents, 
    ArtistGiovanni Battista Tiepolo,Paintings

Tiepolo foi trabalhar nos últimos anos na corte espanhola, onde a sua cor e expansividade não foi sempre bem compreendida. No entanto a sua qualidade está inteira nesta "Imaculada Conceição" (c.1767). A Itália nunca mais voltaria a ter um pintor assim, a ser considerado "O Maior do Seu Tempo".

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Antoine Watteau (1684-1721)

Entramos no rocaille com Watteau. Homem criado na decoração teatral, a sua pintura reflecte o artifício dos tempos mas deixa entrever a alma dos modelos. Não admira que o século XVIII tenha fascinado o cinema, vidé "Dangerous Liaisons" ou "Marie Antoinette". Watteau viveu (pouco, morreu aos 37 anos) umas décadas antes, mas a irrealidade da vida da elite francesa tem aqui o seu fotógrafo. Um dos seus quadros mais conhecidos é o "Embarque para Cítera" (c.1718), onde, entre verdes,  cinzentos e castanhos, os participantes na "fête galante" partem para a ilha da Deusa do Amor, abandonando, parece, as tristezas de um mundo onde o Amor não é defendido por uma Deusa. Pintara um ano antes uma versão do tema bem mais clara... morreria 3 anos depois.

Antoine Watteau, <i>L’Embarquement pour Cythère</i>

Watteau é considerado um desenhador superlativo e inovador. Isto é evidente em "L'Indifférent" (c.1717). E é também evidente ser este quadro bem um retrato dos tempos: o modelo representado esgota-se no brilhantismo do seu vestuário, da sua pose, nada mais lhe interessa.

Antoine Watteau, <i>l'Indifférent</i>

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Vermeer (1632-1675)

É difícil ser original na apresentação de um pintor de que hoje por hoje quase metade das obras conhecidas são ícones e pertencem já à cultura popular. Mas não evito chamar a atenção para o azul Vermeer e para a luz Vermeer, por exemplo. Vermeer inventou uma forma própria de pintar e compor um quadro. Como no abaixo, "Mulher de Azul Lendo uma Carta" (c.1663-4) onde a rugosidade da tapeçaria ocre do fundo espelha a dúvida sobre o conteúdo da carta que está a ser lida. Vermeer não é o Hopper do séc. XVII.



A pintura "A Leiteira" ((c.1658) parece-me, em contraposição, ser dos quadros mais "quentes" de Vermeer, onde o amarelo é mais forte, como simples é a intenção da protagonista, da peça, verter o leite que a nomeia.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Rembrandt (1606-1669)

Os meados do século XVII são dominados na pintura por Rembrandt e Velásquez. Rembrandt tem alguma vantagem? Vélasquez é menos humano do que Rembrandt. O nú em Rembrandt está longe do que em Vélasquez se apresentou, os corpos são reais, imperfeitos, sobejando aqui e ali. A minha escolha mostra uma rapariga a meter as pernas na água, os olhos com uma avidez de alegria completamente alheia a Velásquez. 

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Em Rembrandt a humanidade sobrepõe-se sempre à pintura. Em Rembrandt a pintura é um meio para chegar a algum lado, a si próprio talvez, daí as dezenas de auto-retratos que Rembrandt fez, auto-retratos sempre cheios de ironia, nada superlativos. Escolhi um dos primeiros, o retrato perfeito de um jovem rapaz envolto no seu próprio mistério, ou no mistério que é, na sua idade, a vida.

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Diego Velázquez (1599-1660)

Com antecedentes portugueses, por isso sendo Silva y Velázquez, Manet dizia ter sido Velázquez o maior pintor de sempre, por isso ter ele colocado sempre a sua pintura a dialogar com a do mestre. Idem Picasso, que fez vários quadros alusivos à obra de Velásquez, idem Francis Bacon...
Velázquez criou um cânone de perfeição na técnica e na composição do quadro inigualável. Vou fugir às "Meninas" e escolher o seu último grande quadro, "As Fiandeiras" (c.1657), com uma composição perfeita e uma luminosidade nova.



De Velázquez só se conhece um nú. Tendo em atenção a omnipresença da inquisição em Espanha, terá sido pintado numa das visitas a Itália do pintor. A "Vénus ao Espelho" (c.1650) apresenta-nos a vista de trás de um corpo perfeito, esbelto, nada barroco, cuja cara aparece no espelho apenas esboçada. Velázquez utiliza aqui pouca cor, sendo o corpo da Vénus e o seu desenho o centro devido das atenções. As omoplatas, as reentrâncias que separam os glúteos do "V" lombar, tudo, tudo no sítio. O corpo feminino mais bem pintado de sempre? De costas...

Une femme nue couchée sur un lit, de dos, se regardant dans un miroir tenu par un petit ange

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Francisco de Zurbarán (1598-1664)

De Zurbarán, pintor barroco espanhol cuja pintura foi quase toda religiosa, eu gosto das cores, da extensão, dos drapeados, tudo o que se encontra no quadro abaixo, de 1630-5, e que representa "Santa Isabel de Portugal" que, como sabemos era uma aragonesa (ou, como hoje se diria, uma catalã).

Santa Isabel de Portugal.jpg

Zurbarán é ainda o primeiro pintor onde as naturezas-mortas, os objectos inanimados, são parte importante da sua obra e podem inclusivé aparecer em primeiro plano. Vidé este quadro "Um Copo de Água e uma Rosa" (c.1630).

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Georges de La Tour (1593-1652)

Georges de La Tour nasceu no ducado da Lorena e chegou a ser pintor do Rei Luís XIII. Sabemos pouco sobre as suas influências e o seu percurso, bem como a sua pintura, extremamente original, foi vista pelos seus contemporâneos. O seu uso do claro-escuro, a preferência pelas cenas nocturnas iluminadas por uma vela retiram-no do círculo de seguidores de Caravaggio - se sequer conscientemente o terá sido. A pintura de La Tour tem uma pureza de método, uma limpeza só sua. E enche menos a tela, obtendo o equilíbrio com poucas peças, pouco actores. Assim é neste "Sonho de São José"





A Lorena era uma região extremamente católica e vivíamos tempos de extremismo religioso. A religiosidade do pintor poder-se-ia dizer óbvia mas a mesma aura nos aparece neste quadro intitulado "Mulher Apanhando Pulgas".

sábado, 11 de janeiro de 2020

Caravaggio (1571-1610)

Caravaggio, cujo nome próprio era Michelangelo, viveu 39 anos intensos que têm fornecido matéria para romances, filmes, etc.
Este quadro, "A Conversão a Caminho de Damasco" (c. 1600-1), é uma segunda tentativa de abordar o tema, tendo sido a primeiraa recusada por quem encomendava. Conhecemos a primeira versão pelo que só temos que agradecer. Sáulo, em êxtase, abraça a Luz e a conversão. Mas a pintura é dominada pela soberba imagem... de um cavalo que um homem simples sujeita e acalma. O jogo do claro-escuro mais os vermelhos de Sáulo e o pastel manchado da pelagem do cavalo criam um quadro perfeito. Onde quem nos interroga é a besta.

Conversion on the Way to Damascus-Caravaggio (c.1600-1).jpg

Nicolas Poussin terá dito de Caravagio que "este homem veio ao mundo para destruir a pintura!" quando viu "A Morte da Virgem" (c.1604-6). Consta que o modelo da virgem foi uma prostituta morta encontrada afogada nas margens do Tibre (?) ou, mais prosaicamente, a amante de Caravaggio. O quadro acontece entre o vermelho e o negro, com um clarear dos tons em Maria Madalena, no canto inferior direito. Maria, vestida de vermelho, é... apenas uma mulher morta, o corpo já um pouco disforme, as extremidades arroxeadas e rígidas. Mal se adivinha o halo que a distingue dos demais. Não admira que os eclesiásticos que encomendaram a obra a renegassem prontamente. Este quadro nunca foi pendurado numa parede ou altar duma igreja. Aliás a temática da "morte" da Virgem, assunto de dogma bem mais tarde, nunca mais foi pintado.  






El Greco (1541-1614)


El Greco, aka Domenikos Theotokopoulos, nasceu em Creta, então um protectorado de Veneza, e começou a pintar ícones à maneira bizantina antes de emigrar para Veneza e depois para Roma, onde tomou contacto com a que de mais recente estava a acontecer na pintura. Foi quando aos 36 anos chegou a Espanha e mais precisamente a Toledo que a fama e a fortuna finalmente o bafejaram.
Uns dos primeiros quadros seus pintado em Toledo é o que se representa abaixo. "A Santíssima Trindade" representa Deus Pai com uma alada mitra ortodoxa na cabeça, um Cristo desmanchado e alongado como seria de esperar, mas eu queria chamar a atenção para o anjo na posição inferior esquerda, com certeza pintado a partir de uma interessantíssima rapariga toledana, vidé os bem desenhados e terrenos gémeos que apresenta.

El Greco - The Holy Trinity

A paisagem de Toledo infra (c.1600) é das paisagens mais famosas da história da pintura, e não é necessário alongar-me no quanto ela é revolucionária, "expressionista", "simbolista", "cubista", etc.,  etc. Talvez não seja nada disso mas, como toda a pintura de El Greco, pensando bem, está muito à frente do seu tempo.

El Greco - View of Toledo





Paolo Veronese (1528-1568)

Paolo Veronese é o último pintor italiano do século XVI que eu escolho. E o quadro abaixo mostra o quanto a pintura tinha avançado no século. Intitulado "O Jantar na Casa de Levi" e pintado em 1573, chamava-se originalmente "A Última Ceia" e pretendia representar isso mesmo, embora nesta "última" ceia de Jesus entrem anões, animais, militares, enfim, todo um mundo profano a retratar a Veneza contemporânea onde trabalhava o pintor. Assim tinha produzido anos antes para um mosteiro beneditino umas "Bodas de Canaã", igualmente célebres. Mas agora Veneza já tinha a Inquisição intra-muros, e Veronese foi chamado a depor. Declarou que os pintores "tomavam liberdades, como os poetas e os loucos, a contar uma história", o que não era para ser levado como uma ofensa. Safou-se, mas obrigaram-no a mudar o nome ao quadro. 75 anos antes Leonardo pintara a "sua" "Última Ceia". 75 anos e um abismo de distância entre os dois quadros.

[veronese_em+casa+de+levi.jpg]

Não sei porquê mas gosto do dorso que aparece nesta pintura, a primeira tranche, intitulada "Infidelidade", de uma série de quatro chamada "Alegoria ao Amor" (c. 1570). Será pela temática, mas das quatro é sem dúvida a melhor. E a força que emana de estas costas não nos deixa qualquer dúvida sobre quem decide o quê no jogo de forças que nos apresenta o pintor.

aldain

Pieter Bruegel, o Velho, (1525-1569)


Saio da península itálica pela primeira vez para viajar até ao Brabante flamengo e encontro um homem barbudo, discreto e brincalhão, que se disfarça às vezes de camponês para se inspirar para a sua pintura.
Pieter Bruegel, o Velho é o primeiro a fazer da paisagem o quadro sem mais. E é o grande pintor do povo, das suas festas e costumes, sofrimentos e aventuras. Povo medieval, simples, bárbaro, que não sabe o que é o para que serve um Renascimento e a sua evolução, o  Maneirismo. A "Boda Camponesa" é de 1566-7 é explica à saciedade o que eu acabei de dizer.

A Boda Camponesa

Os "Caçadores na Neve" é de 1565 e, nos seus castanhos, cinzentos e brancos, na sua sã geometria e equilíbrio, é um quadro que antecipa a melhor paisagem do século XIX. Pieter Bruegel é o pintor do mundo real e das gente real, onde a poesia está, suave e bruta, basta olhar.


Caçadores na Neve