quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Uma ida a Braga.

Devo assumir que antigamente era fácil entrar em Braga de carro. Já não é. Braga não devia ser um destino interessante para os meus pais. A estrada fazia-lhe uma tangente e depois seguia para o Gerês. E na verdade ainda assim é. Braga já engoliu tudo o que rodeia essa estrada para o Gerês mas ela ainda existe, bem como o Gerês como destino de fim-de-semana. E as pessoas para lá vão, comendo por ali entre a Caniçada e as Caldas, felizmente não se aventurando pela serra propriamente dita. Braga: a antiga Braga ainda existe, mas é preciso optar se escolhemos sair em Braga - Celeirós ou em Braga - Sul ou ainda em Braga - Oeste para fazer a necessária aproximação. O resto é tentativa e erro. Braga não compete com o Porto - acha que já o ultrapassou. Por isso tem um Centro Comercial que emula o Colombo: o Braga Parque. Estive ontem aproximadamente 45 minutos dentro das suas entranhas para conseguir estacionar no menos três. Explico aqui como Braga ultrapassou o Porto: nem o Norte Shopping nem o Arrábida têm um menos três. O Braga Parque associa a atracção de uma Fnac ao imediatismo da Primark. Mas não se gastou nele um cêntimo para além de um apressado lanche. A ida ao Braga Parque foi como ir à praia no verão, sendo Domingo: quando consegues estender a praia é hora de lanchar e, logo depois, de programar a volta a casa. 

Tenho, descobri há pouco tempo, duas profissões, ambas começadas pela letra "M": numa delas sou motorista. E talvez nesta hoje seja mais feliz: sempre transporto e guio carga preciosa. Braga bem merece uma missa: até porque, hoje em dia, graças a um determinado autarca seu que o foi trinta e sete anos, já não reza apenas e oferece os seus edifícios de apartamentos feitos em decalcomania orgulhosamente para o alto, e engloba subúrbios com nomes tão interessantes como Lomar e Dume. Com tempo descobrirá a jóia de S.Frutuoso de Montélios. 

O que tem de bom ir a Braga é reconciliar-me com os centros comerciais da... Grande Porto! 

domingo, 27 de dezembro de 2015

Parabéns a Portugal! Mais uma vez batemos Espanha!

Bom, vou então dar os meus parabéns a Portugal. Porque, no meio destas confusões eleitoralistas, vai conseguir ter novas eleições mais tarde do que Espanha.

E o que separa Espanha de um governo de esquerda? Um referendo. Um simples referendo. Que aparentemente Catalunha quer mas a Constituição não deixa. Pablo Iglesias, o simpático rapaz do Podemos, sempre com aquele cabelo apanhado atrás que eu invejo, marcou a sua linha vermelha negocial na admissão desse referendo. Que, em sentido contrário, o é também para Pedro Sanchéz, o SG do PSOE. Curiosamente fica aqui por esclarecer quem é mais teimoso, já que juntos PSOE e Podemos não assegurariam governo nenhum, precisariam de apoio adicional de partidos autonomistas. parece-me a mim portanto que o PSOE se esconde na primeira negativa porque a seguir teria que dizer não ao que a Esquerda Republicana Catalã iria exigir, e não também às exigências da Bildu vasca. 

Isto dos referendos para a independência de uma região de um país - não levem a mal a palavra região, uso-a com um intuito meramente geográfico - Espanha não é mais do que uma região da Europa, certo? - dizia eu que isto dos referendos para a independência de uma região de um país criam-me uma certa brotoeja, pois se o resultado é de tipo 51-49%, não podemos dar a independência a metade da coisa ficando a outra metade onde estava, nem vice-versa. Acho eu que uma coisa tão grande e poderosa como isso da independência pediria assim um consenso de uns 70%, ou mais. Para que a sociedade dessa região não ficasse, hum, um pouco para o partida. Infelizmente acho que esta minha opinião deve ser muito minoritária.

Espanha deve também ser um país, coitado, muito inseguro de si próprio. Portugal alegremente já fez inúmeras revisões da velha constitução de 75. E mais vai fazer, aposto. Espanha não, vive agarrada à Constituição de 78 como se fosse uma tábua de salvação contra o caos. E o caos chama-se autonomias e, Deus nos levivre, independências. Em Portugal esse problema é apenas insular, embora o caso particular da Madeira já nos tenha custado uns quantos milhões. Em Espanha - e porque em 78 ainda a transição era um passado presente - diluiu-se muito bem diluida a vontade autonómica de umas quantas regiões na criação de dezanove autonomias, dezanove repito, se contarmos com os anacronismos coloniais  de Ceuta e Melilla. Estão por fazer as contas do dinheiro desperdiçado por Espanha com a criação destas dezanove "Madeiras". E digo isto mandando um abraço aos meus amigos madeirenses, cujo direito autonómico era e é óbvio, e a toda a grande Espanha, país de mais de meio milhão de km quadrados, e cuja descentralização governativa era uma necessidade. Custa-me perceber porém a necessidade de um parlamento em Cantabria, em La Rioja, regiões com menos população do que o distrito de Braga.

Curiosamente houve em 2014 um referendo para a independência da Escócia - que falhou. Falhou? Um referendo nunca falha, o resultado é o que é, a Escócia permanece no Reino Unido que se assim se chama por alguma razão é. Uma Escócia independente colocaria alguns problemas sérios, sendo um deles onde iria a Rainha Isabel II passar o verão. O facto é que o Reino Unido conseguiu sobreviver a um desses referendos. Parece que a Espanha não se atreve a arriscar.

Engraçado que a maior parte dos espanhóis não se interrogará seriamente porque para aí metade dos catalães e dos vascos, e talvez um terço dos galegos, não querem ser o que eles são: espanhóis. Engraçado que as metades catalãs e vascas que não querem ser espanholas não reflectem muito sobre o que fazer - depois, imaginemos, de um referendo ganho, que sempre o seria rés-vés - com a outra metade da sua região agora país que não queria deixar de ser espanhola. 

Este texto já vai longo. Mas ainda faltam coisas. Eu, por exemplo, simpatizo imenso com a Catalunha e os Catalães. Julgo porém que vivem um momento histórico de maus governantes e má governação. "España me roba!" é um slogan miserável. E, pelo que sei, mentiroso. Artur Mas é um escroque e filho directo de uma infecção que atacou a Cataluña há umas décadas e que deu pelo nome de Jordi Pujol. Quem me desmente?

A Europa tem poucos países grandes - no sentido de "extensos". Esquecendo a Europa de Leste onde a "grandeza" da Ucrânia foi recentemente questionada militarmente pela Mãe-Rússia, grandes são a França, a Itália, a Alemanha e o Reino Unido. E a Espanha. Cada um deste países nasceu de uma forma original e única. 
A Alemanha e a Itália nasceram no século XIX, sendo a Alemanha uma criação de Bismarck onde se reconheceu um nacionalismo unificador - a Alemanha, não esqueçamos que o alemão é a lingua-mãe mais falada na Europa, a seguir ao russo. A Itália foi uma invenção de Garibaldi, hoje também em perigo, dadas as terríveis assimetrias entre o Norte e o  Sul italianos - mas aqui também existindo uma unidade linguística e de história: a Itália sempre existira, só faltava inventá-la.
Sobre o Reino Unido já falámos, ele afirma-se plural e, lentamente, aceita uma diversidade. A sua necessidade de ser "grande" - já não foi "aquele império"? - leva-o não só a manter-se "Unido" mas também a ponderar, curiosamente, sair da UE, onde é apenas mais um.
A França é um país especial cuja especialidade é acreditar que o mundo ainda acredita que tudo nasceu da Revolução Francesa. É essa especialidade em se acreditarem únicos que une os franceses. Deixá-los.

E a Espanha? Vá, já escrevi sobre a Espanha que chegue, essa invenção de uns Reis ditos Católicos - que há quem queira santificar! - criada numa aliança conjugal que, ao mesmo tempo, conquistou Granada e descobriu a América. Este Super-Mito curiosamente há muito que, acho, deixou de seduzir muitos espanhóis. A maioria? Para quando o elogio da Espanha da fantástica diversidade? 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Ted Danson.


Talvez seja estranho dizer isto mas Ted Danson é o meu actor de televisão preferido. Embora no cinema Ted Danson nunca tenha feito um papel com o mínimo de relevo. 
Ted Danson nasceu em 1947. Já com anos de trabalho na tv e na publicidade, a grande oportunidade aconteceu com a série "Cheers", em 1982. Esta série durou onze anos e fez história. Sam Malone, o papel de Ted Danson, marcou-o o suficiente para que as suas hipóteses no cinema fossem nulas. A imagem de Sam, ex-jogador de baseball a atender num bar este mundo e outro - americano, claro, colou-se-lhe e num filme só podia ser daí para cima.


Cinco anos depois Ted Danson iniciou outra sitcom, "Becker", onde fazia de médico de bairro de uma carrada de personagens os mais variados. O doutor da série era um misógino e introvertido bem intencionado, mal disposto as mais das vezes. A série foi bem recebida porque era Ted Danson a fazê-la e a fez muito bem. Claro que a série não mereceu o êxito de "Cheers" porque nem era tão diferente assim: Ted Danson era o planeta, todos os outros personagens satélites a girar à volta, satélites saídos da paisagem americana de pessoas esquisitas e/mas engraçadas.


Ted Danson envelheceu, separou-se, casou-se. separou-se, fez uns filmezitos, em 2007 entrou na série "Damages" numa interessante segunda fila, e em 2009 entrou nos três anos da série cómica "Bored to Death". Dizer que ele é o melhor que na série acontece quando ele contracena com Jason Schwartzman e Zach Galifianakis não chega. Ele é um executivo offside que fuma umas coisas e faz com frequência o que não devia fazer sem nunca desalinhar o que por esta altura já se tinha tornado a imagem de marca de Ted Danson: uma impecável cabeleira branca.


Finalmente Ted Danson entra na série "CSI" original no seu ano doze, em 2011,  e consegue, enquanto D.B. Russell mantê-la a flutuar durante mais quatro anos, refinando uma imagem de introversão, originalidade e humanismo, trazendo a CSI algo mais para o mainstream e oferecendo-se como pai não só da sua família - esposa e quatro filhos - mas também daquela gente toda estranha que ali trabalha. Ted Danson saiu directamente de "Bored to Death" para a CSI. Só grandes actores de televisão conseguem dar assim um salto. Claro que, a voz, as frases, são parecidas. E em Ted Danson o trabalho da voz é fundamental. 

Danson está em vias de fazer 68 anos. Continuando no franchise CSI rodou em Outubro de 2015 para o "CSI:Cyber" - série 2 - possivelmente para a salvar. Ted Danson há muito que deixou de ser Sam Malone para ser... D.B.Russell, mas -  ao mesmo tempo - é o xerife da segunda série de "Fargo"!
Não há melhor!

Yin Shi Nan Nu.

"No other culture is as food-conscious as that of the Chinese.  As an integral, indeed a central, aspect of Chinese culture, food in the way ingredients are chosen and prepared, the utensils in which they are cooked and served, the manner in which they are first displayed and then consumed, and the properties they are believed to possess is more than nutrients for sustenance.  Food may be used as demarcation of cultural identity, as ritual, as medicine, as means of communication, and as a prelude to and the conclusion of sex." Richard Shek, paper presented at the Sinology Conference, held at California State University, Sacramento, 2005.


"Yin Shi Nan Nu" ou, em Inglês "Eat Drink Man Woman" é o terceiro filme de Ang Lee e aquele que o trouxe para o mainstream americano. Logo no ano a seguir fazia "Sense and Sensibility".
Dividem-se os sites sobre a que parte de Confúcio está o filme ligado mas, como sempre, a resposta é que o segredo está nas duas ligações: por um lado Confúcio assumiu que comer, beber e o sexo eram os desejos principais dos humanos e como tal deviam ser encarados. Por outro lado este filme trata dum dos pilares da sociedade chinesa, o "respeito e dedicação que é devida pelos filhos aos pais". Neste caso três filhas e um pai, viúvo.

O Sr.Lung é um chef que cozinha para as suas três filhas um banquete todos os domingos, a que elas chamam "o ritual de tortura de domingo". Ele era um grande chef mas perdeu o paladar. E o gosto pela vida ao que parece. O que terá desaparecido primeiro? Tem um irmão, Wen, cujas caretas lhe dizem, quando necessário, se o tempero está bom, se o vapor não cozeu demais. As três irmãs vivem na casa do pai como se numa prisão, as suas vidas amorosas em diferentes encruzilhadas. Cada uma delas acaba por resolver o seu puzzle através das linhas de escape habituais - não vou dizer quais. Uma das filhas herdou a qualidade culinária do Sr.Lung - ou seria da falecida mãe? - e no fim é ela que "fica". Como assim? Aconselho a ver o filme - que num pequeno sketch até lembra Almodovar - mas que vale a pena porque ele há problemas e ele há soluções e nada aqui é inventado. No fim o Sr. Lung recupera o paladar ao deixar que cozinhem para ele e conseguiu alargar a família. Ang Lee filma Taipé como a metáfora mais óbvia para uma China que já não é a China que era mas demora a aperceber-se por completo disso. E filma a confecção culinária como ninguém. Anos depois em "O Tigre e o Dragão" e em "A Vida de Pi" teremos a prova provada da excelência visual dos filmes de Ang Lee. Mas bem mais cedo temos o comprovar das suas qualidades. em "Sense and Sensibility" Ang Lee abandona Taiwan e viaja até à sociedade mais parecida, a Inglaterra Vitoriana e, voltando a lidar com os fenómenos do "coming of age" feminino inventa Kate Winslet. 

Ang Lee não é um génio mas é um óptimo artesão, como o era... Michael Curtiz? 

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Os Girassóis de Van Gogh




Aprendi que a arte comprava-se e valia muito dinheiro quando nos anos oitenta um japonês - ou um conjunto de japoneses, não lembro bem - comprou uma versão dos "Girassóis" de Van Gogh por uma pipa de massa, traduzindo, umas dezenas de milhões de dólares. Era um record. Van Gogh em vida só vendeu um quadro das centenas que pintou. Por isso e mais umas merdas suicidou-se com um tiro aos 37 anos de idade. Hoje já ninguém escreve sobre a pintura de Van Gogh, porque vulgarizada. O salto que ele e o seu agressor/agredido amigo Paul Gauguin deram a partir do impressionismo - nos anos oitenta do século XIX, tornou possível a pintura moderna, isto é, a pintura moderan do século XX. A máquina tinha sido posta em movimento, só o dinheiro a podia parar. E parou - hoje não se faz história da pintura, não há pintura nova. Há evoluções de mercado. É portanto hoje que se pode voltar a falar dos "Girassóis". 
A história da pintura de Van Gogh desenha-se através da cor. O estado mental - demasiado estudado - de Van Gogh cruzava-se com o caminho que ele procurava para a sua pintura. O amarelo desempenha um papel fundamental neste caminho.
Os "Girassóis" têm sobretudo duas grandes versões, pintadas com pouca distância no tempo. Uma está exposta em Munique, a primeira, a segunda na National Gallery de Londres. Sucedem-se três versões destes dois quadros. E há dois ensaios prévios, policromáticos, portanto ainda num tempo de indecisão.
A diferença entre as duas pinturas está  nos girassóis e na parede de fundo. Na primeira versão conseguimos ver com nitidez que os girassóis estão em diversas fases de floração. A parede do fundo é azul. Na segunda versão as diferentes fases de floração estão lá mas a sua definição é secundária. A parede de fundo é dum amarelo claro e transforma este quadro num diálogo quase exclusivo entre dois tons de amarelo: um carregado, o dos girássois, do tampo da mesa e da parte de cima do jarro, e o mais claro da parede e da parte de baixo do jarro. Podemos adivinhar uma evolução apontada - seria? - onde o caminho seguinte seria abolir o motivo e criar uma mar de pintura abstracto em tonalidades de amarelo. Van Gogh suicidou-se dois anos depois de pintar estes dois quadros. Sobrevivesse cinco anos e teria pintado isto que está aqui ao lado?

O Vitorino.

O Vitorino não estava bem. Amigos não desde sempre mas quase, a face seca e abstracta do Vito era o meu espelho deformado, eu onde os anos tinham já acrescentado excessos e redundâncias. O Vito vivia em Alfena - por opção. Era engenheiro de minas suficiente mais - nunca excedera a eficiência, nunca progredira em nenhuma carreira. Quando alguém novo na sua vida perguntava "mas afinal o que é isso  - ser engenheiro de minas?", muito provavelmente esse personagem novo, habitualmente uma mulher, passaria ao mundo pretérito em dias, senão horas. Porque o Vitorino tinha um mundo pretérito extenso, antónimo da minha paz familiar, onde só o número de cães variava. Considerava eu uma honra saber-lhe o nome de todas. E ele respondia-me "Sabes que, a ser homem, serias tu, mas agora estás pró pesado, aliás a Gena não se tem queixado?". Por estas e outras a visita do Vito a minha casa não era frequente.  E lá estavamos nós no café do costume.
"Ó Vito, que se passa? Que merda te dói?" "Pá, nada! Sabes como aqueles cabrões da Mota-Engil me exploram, mas estou habituado!" "Voltaste a fumar?" "Não." "Bebes mais do que o costume?" "Não." "Compraste um dragão de Komodo e não sabes o que vais fazer com ele" "Não, nada cómoda essa cena de Komodo!" 
O Vitorino olhava para algures depois para mim depois para algures, eu diria talvez para a altura de um vigésimo piso. Há semanas que ele não me informava de um novo filme que eu não iria ver, de um livro que eu não iria ler, de uma catástrofe cultural que eu iria apoiar online - porque sou mesmo muito amigo do Vito e só por causa dele tenho Face e Twitter e Tumblr e mais duas ou três coisas dessas que já em minha casa motivaram alguma ciumeira e - apercebi-me - alguma espionagem informática que me adjudicou um estranho orgulho.
"Então, Vitorino, que se passa?" O olhar do Vitorino de repente saltou do céu para o outro lado da rua e alegre e triste como a canção tentou ganhar vida, a tal vida que me parecia estar-lhe ausente desde pelo menos aquela derrota do Sporting com os albaneses. Ambos somos sportinguistas. Tentou mas não conseguiu.
"Não te preocupes, eu habituo-me!"

Da Quiche ou A Tua Fome.

A quiche tem um
Molde que a
Contém e reduz.
Uma omelete é
Dobrada e nela
Mesma se satisfaz.

Fizesses sem
Molde o teu comer
E, porque o mundo é
Convexo, teríamos
Então um grande
Problema.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Penso agora, vírgula.

Penso agora ao ir para casa que, mesmo quando, não hoje, hoje não, o piso não estiver molhado, será adequado manter uma distância de segurança.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O Bolhão e a Bolsa.

Há aproximadamente um mês pude visitar o mercado do Bolhão de manhã. Adivinha-se que o mercado não consegue a azáfama de outros tempos, mas as mulheres de sempre ainda ali estão, os cães, os sanitários "à indiana". E as bifanas, o verdadeiro prato popular do Porto, já que a francesinha é na verdade uma invenção tardia e burguesa. O Bolhão é uma preciosidade, uma jóia, um leão ferido mas que ainda vive. Quase lhe confere dignidade adicional a presença dos  andaimes e a noção de qua há ali um risco, de que a qualquer momento um pedaço de parede, de reboco, de tecto pode dar-nos a honra de ruir e nos mandar para o hospital ou para o cemitério.
O palácio da Bolsa curiosamente está numa parte mais antiga da cidade. A Bolsa já não existe, claro, e muita da capacidade burguesa da cidade migrou para sul, para a capital. Capacidade que em parte era inglesa - e a Feitoria Inglesa fica a cem metros - e em outra parte era "brasileira" ,pois só um gosto brasileiro pode explicar o faiscante Salão Árabe. Hoje o mesmo gosto que sanciona o Yeatman como "a varanda para ver o postal". O Porto é uma cidade desigual, injusta e


bruta. É uma paixão muitas vezes não correspondida. Entra-se numa sala e sentimo-nos em casa só porque reconhecemos as fartas patilhas do falecido Paulo Valada. E descansamos no facto de Rui Moreira ainda não se ter retratado, detalhe que em Lisboa, terra de vaidades fáceis, não seria compreendido. A Bolsa já não existe. O seu palácio merece uma que outra visita. Ao mercado do Bolhão queria eu poder ir todos os dias...

France, troisiéme tour.

Portanto, não é com desistências e coisa e tal que se resolve o problema Marine Le Pen. O elefante na sala não é ela mas sim os 50% de eleitores que não votam. Os candidatos socialistas ainda não perceberam o que fazer, por isso, confusos, desistiram dois em três para fazer a chamada "barragem republicana". Sarkozy sim ,que percebeu - e não desistiu. Sarkozy ainda acha que pode "comer" le Front National. No fim vai perceber quem come quem. A direita sempre achou que a extrema-direita podia ser útil. Mas no fim da história a direita vai ser apenas "a terminação" no dia em que a Le Pen sair a sorte grande. Enquanto isto não acontece, deixem a FN governar! Ou têm medo que afinal o seu governar não se diferencie dos governares do "arco da governabilidade"? Hitler subiu ao poder numa Alemanha com instituições democráticas muito muito muito frágeis. São assim frágeis as instituições democráticas em França?
Para finalizar, porque 50% dos franceses não votam? Uma razão será Hollande. Outra será... Sarkozy! Fico contente por dizer que - apesar de tudo, as opções portuguesas de há meses eram - ambas - menos más!

France, second tour.

Mais de metade dos franceses não votaram a seis de Dezembro. Os votos do Front National correspondem apenas a 13% do colégio eleitoral. Mas os votos nos Socialistas correspondem a 11%!. O problema não está no fascismo, está no desinteresse.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano - extracto.

"A doença punha a descoberto os piores aspectos daquele carácter seco e superficial; a mulher visitou-o; como sempre, a sua entrevista acabou com palavras amargas; ela não voltou mais. Trouxeram-lhe o filho, uma bela criança de sete anos, desdentada e risonha; olhou-o com indiferença. Informava-se com avidez das notícias políticas de Roma; interessava-se por elas como jogador, não como homem de Estado. Mas a sua frivolidade continuava a ser uma forma de coragem; despertava de longas tardes de sofrimento ou de torpor para se entregar por completo a uma das suas brilhantes conversações de outrora; aquele rosto molhado de suor sabia ainda sorrir; aquele corpo descarnado erguia-se com graça para receber o médico. Seria até o fim o príncipe de marfim e ouro.
À noite, não podendo dormir, instalava-me no quarto do doente; Céler, que gostava pouco de Lúcio, mas que me é demasiado fiel para não servir com solicitude aqueles que me são caros, dispunha-se a velar a meu lado; subia dos cobertores uma respiração ofegante. Invadia-me uma amargura profunda como o mar; ele nunca me tinha amado; as nossas relações tornaram-se depressa as do filho dissipador e do pai benévolo; esta vida escoara-se sem grandes projectos, sem pensamentos graves, sem paixões ardentes; ele tinha dilapidado os seus anos como um pródigo deita fora moedas de ouro. Apoiara-me a uma parede em ruínas: pensava com cólera nas enormes somas despendidas com a sua adopção, nos trezentos milhões de sestércios distribuídos aos soldados. Num sentido a minha triste sorte acompanhava-me: estava satisfeito o meu velho desejo de dar a Lúcio tudo quanto pode dar-se; mas o Estado não sofreria com isso; mas não me arriscaria a ser desonrado por aquela escolha. Bem no fundo de mim mesmo chegava a temer que ele melhorasse; se por acaso se aguentasse ainda alguns anos, eu não podia legar o império aquela sombra. Sem nunca fazer perguntas, ele parecia penetrar o meu pensamento nesse ponto; os seus olhos seguiam ansiosamente os meus menores gestos; tinha-o nomeado cônsul pela segunda vez; ele inquietava-se por não poder desempenhar as suas funções; a angústia de me desagradar fez piorar o seu estado. Tu Marcellus eris... Repetia para mim estes versos de Virgílio, consagrados ao sobrinho de Augusto, ele também destinado ao império e que a morte arrebatara no caminho. Manibus date lilia plenis... Purpureos spargam flores... O amador de flores não receberia de mim mais que inanes ramos fúnebres.
Julgou-se melhor; quis regressar a Roma. Os médicos, que já não discutiam entre si senão o tempo que lhe restava para viver, aconselharam-me a fazer-lhe a vontade; levei-o, por etapas, para a Villa. A sua apresentação no Senado na qualidade de herdeiro do império devia realizar-se na sessão que se seguiria quase imediatamente ao Ano Novo; o uso queria que ele me dirigisse nessa ocasião um discurso de agradecimento; essa peça de eloquência preocupava-o há meses, limávamos juntos as passagens difíceis. Trabalhava nela durante a manhã das calendas de Janeiro quando lhe sobreveio uma expectoração de sangue; sentiu uma vertigem; apoiou-se às costas da cadeira e fechou os olhos. A morte não foi mais que um atordoamento para aquele ser frívolo. Era o dia do Ano Novo: para não interromper as festas públicas e os regozijos privados, impedi que divulgassem imediatamente a notícia do seu fim; só foi oficialmente anunciada no dia seguinte. Foi enterrado discretamente nos jardins da sua família. Na véspera daquela cerimónia, o Senado enviou-me uma delegação encarregada de me apresentar as condolências e de oferecer a Lúcio as honras divinas a que tinha direito, como filho adoptivo do imperador. Mas eu recusei: todo aquele caso havia já custado demasiado dinheiro ao Estado. Limitei-me a mandar-lhe construir algumas capelas fúnebres,  a erigir-lhe estátuas aqui e ali, nos diferentes sítios onde ele tinha vivido: aquele pobre Lúcio não era deus."

Vinte Anos Depois, de Alexandre Dumas - extracto.

"Vol 2 - cap XXXIII

O Regresso.

Atos e Aramis seguiram o itinerário que lhes tinha indicado d'Artagnan, e caminharam tão depressa quanto puderam. Parecia-lhes que seria mais vantajoso para eles serem presos perto de Paris, do que longe da grande cidade.
Todas as noites, com receio da prisão enquanto dormiam, traçavam, ou na parede, ou nos vidros, o sinal combinado; mas pela manhã acordavam livres com grande espanto seu.
À medida que se aproximavam de Paris, os grandes acontecimentos a que acabavam de assistir, e que tinham agitado a Inglaterra, apagavam-se-lhes da memória como se tivessem sido sonhos, ao passo que, pelo contrário, os que durante a sua ausência tinham emocionado Paris e a província, lhes acudiam à mente em confuso tropel.
Durante aquelas seis semanas de ausência, os incidentes que se desenrolaram em França foram tais e tantos, que quase constituiam um grande acontecimento. Os parisienses, ao despertarem pela manhã, sem rainha e sem rei, ficaram muito contrariados com esse abandono, e a ausência de Mazarino, tão vivamente desejada, não compensou a dos seus augustos fugitivos. 
O primeiro sentimento que emocionou Paris, quando soube da fuga para Saint-Germain - fuga a que fizemos assistir os nossos leitores - foi essa espécie de terror que se apodera das crianças quando acordam de noite na solidão. O parlamento agitou-se e decidiu que se enviasse uma deputação à rainha a pedir-lhe que não privasse por mais tempo Paris da sua real presença. 
Mas a rainha sentia ainda a impressão da vitória de Lens, e o orgulho da sua fuga, tão felizmente executada.
Os deputados não só não tiveram a honra de ser recebidos, como forma obrigados a esperar, na estrada, onde o chanceler Séguier, que vimos na primeira parte desta obra procurar tão obstinadamente uma carta no espartilho da rainha, lhes veio entregar o ultimato da côrte, dizendo que se o parlamento se não humilhasse ante a majestade real, condenando todos os motins que tinham originado esta separação, Paris seria cercada no dia seguinte; que já, na previsão desse cerco, o duque de Orleans ocupava a ponte de Saint-Cloud, e que o senhor príncipe, ainda na força do entusiasmo pela sua vitória de Lens, ocupava Charente e S.Dinis.
Desgraçadamente para a côrte que com uma atitude moderada teria talvez atraído grande número de partidários, esta resposta ameaçadora produziu um efeito totalmente contrário ao que se esperava. Feriu o orgulho do parlamento, que sentindo-se vigorosamente apoiado pela burguesia, cheia de prestígio pelo perdão de Broussel, respondeu declarando Mazarino autor de todas as desordens e inimigo do rei e do Estado, e ordenou-lhe que se retirasse nesse mesmo dia da côrte, e da França em oito dias; expirado esse prazo, se ele não tivesse obedecido, era lícito a qualquer súbdito matá-lo. 
Esta resposta enérgica com que a côrte nunca contou, punha ao mesmo tempo Paris e Mazarino fora da lei. Ia ver-se agora de que lado estava a vitória. A côrte fez então todos os seus preparativos de ataque, e Paris todos os seus preparativos de defesa."

Para a Ilha Deserta é que vamos!


Alexandre Dumas - Vinte Anos Depois.

Ana Maria Matute - O Gafanhoto de Ouro - versão portuguesa de Maria Alberta Meneres.

António Franco Alexandre - Aracne.

Joaquim Manuel Magalhães - Segredos, Sebes, Aluviões; Uma Luz Com Um Toldo Vermelho; A Poeira Levada Pelo Vento.

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano.

Neil Gaiman - Neverwhere.

Raul Brandão - As Ilhas Desconhecidas; Os Pescadores.

Ruy Belo - Toda A Poesia.

Virginia Woolf - Mrs. Dalloway.

domingo, 29 de novembro de 2015

Os meus Sete Filmes de Allen, Woody Allen.

1. Love And Death, 1975 - o último, e o melhor, da fase "cómica. Não me canso de o ver e rever.




2. Broadway Danny Rose, 1984 - os meus anos Allen são os anos 80. E este é o melhor papel que Allen ofereceu a Mia Farrow. E talvez o melhor papel que alguma vez se ofereceu a si próprio. Um grande filme, em preto-e-branco.



3. Another Woman, 1988 - este filme é outonal e nada consensual. O argumento roça a banalidade novaiorquina. Mas tem Gena Rowlands. E as falas acabam por resultar em pleno. Sim, é sobre uma crise dos cinquenta. Eu gosto muito deste filme.


4. Crimes and Misdemeanors, 1989 - outro filme onde Allen oferece um grande papel, desta vez a Martin Landau. É possível fazer o mal e nada acontecer? É o bem recompensado? Sim e não, respectivamente, e Allen explica-nos como. Um filme premonitório: Mia Farrow porta-se "mal" no seu papel, pela primeira vez.




5. Husbands and Wives, 1992 - este filme saiu um mês depois do escândalo da separação Allen-Farrow, Não interessa, pois é um filme excelente, e interessa porque a má do filme é Farrow. Sidney Pollack como actor está excelente. Aqui casar não vale mesmo a pena.



6. Mighty Aphrodite, 1995 - Woody Allen teve piada aqui pela última vez, é verdade. Muita mesmo. E há Mira Sorvino. Talvez pela primeira vez Woody Allen esteja mesmo a gozar com quem o acuse de "imoralidade". Sim, e depois?




7. Matchpoint, 2005 - "The man who said "I'd rather be lucky than good" saw deeply into life. People are afraid to face how great a part of life is dependent on luck. It's scary to think so much is out of one's control. There are moments in a match when the ball hits the top of the net and for a split second it can either go forward or fall back. With a little luck it goes forward and you win. Or maybe it doesn't and you lose." Escrevi sobre este filme aqui. Mais um filme sobre não a maldade que todos nós temos, mas sobre o Mal.






quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Nome de Guerra - Almada Negreiros - extracto.

CAPÍTULO 5 

DESGRAÇADOR 

"Um dia na cidade do Porto presenciei uma cena entre um homem e uma mulher que nunca mais pude esquecer. O cenário onde isto se passou é dos mais pitorescos que os meus olhos viram: a Ribeira, ou a Ribeira Velha, creio eu que lhe chamam. É um cais sobre o Douro, perto da Ponte de D. Luís. Todo o aspeto em redor é pesado e amontoado, conforme o carácter da cidade. Desde aquele cais a cidade sobe sempre em todas as direções até à Torre dos Clérigos. Na outra margem a ascensão iguala-se à de cá, de modo que o rio parece ter metido pelo mais alto de um monte que ficou dividido. Tudo isto faz com que o cais nos dê a estúpida impressão de estar enterrado. Lembro-me de umas interessantíssimas casas cujos alicerces se adivinham por causa da solidez com que as suas fachadas intimam os nossos olhos. Julgo serem vermelhas, ou foi a impressão violenta da cor que me deixaram. Do que bem me lembro é dos arcos em vez de portas e de umas janelas que pareciam desviadas dos seus respetivos lugares. Os arcos abriam umas lojas não sei de quê, pois fixei apenas os seus fundos negros, os mais negros e os mais fundos que lenho conhecido. 
Pondo por cima disto tudo uma camada de antiguidade cor de ardósia e de ferrugem, de nevoeiro fabril e de salitre, a descrição deve ficar aproximada, descontando, é claro, o autor e a circunstância de ter gozado esta vista apenas uma vez. 
No cais as pessoas são bem as das respetivas casas. A aglomeração de gente é como a do casario. Um mercado justifica aquela frequência. Além disto, a carga e a descarga das fragatas ocupa uma quantidade imensa de mulheres e de homens, mas sobretudo mulheres. É uma raça diferente da do mercado. Poucas vezes me foi dado compreender melhor o que significam aquelas palavras: ganhar o pão de cada dia, do que ao ver essas mulheres que iam e vinham sobre duas grossas e compridas pranchas de madeira lançadas desde a borda da fragata até ao cais, numa distância parecida com uns dez metros. O equilíbrio dessas mulheres não tinha uma hesitação à altura de três homens da água, e em menos de três palmos de largura durante os dez metros. 
Acrescente-se a isto que levavam à cabeça as canastras, umas vezes vazias e outras vezes cheias até acima, em pirâmide, conforme iam ou vinham da fragata. Daquela vez não me lembro que descarregavam; apetecia-me que fossem laranjas, mas não insisto com a memória; tenho, contudo, ainda na mente a maneira rápida como davam conta daquele serviço, conservando sempre um tempo ginástico, e não digo militar, porque, além dos gestos sóbrios e simplificados, corrigidos para o próprio trabalho repetido em que andavam, havia também uma beleza de linhas e de formas à qual não era estranha a sua natureza feminina. O gesto de abaixarem-se para acertar a cabeça ao meio da canastra carregada, a marcha sobre a prancha com o peso todo à cabeça, o modo de despejar a canastra inclinando o corpo de lado pela cintura, eram exatos e cheios de graça. As alcochetanas que descarregam das fragatas o carvão inglês no cais de Lisboa por este mesmo processo não podem infelizmente ser-lhes comparadas. Se não lhes falta a graça, a sua graça é outra, mas não dispõem das ossaturas opulentas das mulheres do Norte e muito menos daquela dignidade externa, a qual me surpreendeu em mulheres de pé descalço. Eram umas dezenas de mulheres todas semelhantes. Por contraste com a sua atividade, havia no cais uns homens sentados e outros deitados ao sol em sacas de sarapilheira cheias de mercadoria. Para um destes homens aquelas dezenas de mulheres não eram todas a mesma; esperava sempre que essa passasse mais perto donde ele estava para lhe dizer o que tinha a dizer-lhe. A rapariga não fazia caso e seguia como as outras. Era um dito qualquer e talvez sempre o mesmo de todas as vezes que acontecia chegar a altura de ela passar por onde ele estava. Centenas de vezes, e não falhou uma! Mas de uma vez a rapariga vinha a meio da prancha com a canastra carregadinha, e ele começou logo como de costume a gracejar com ela; sem ninguém esperar, ali mesmo de cima da prancha parou de repente, despejou a canastra no rio, apontou o braço livre em direção ao tal homem e com o sangue todo nas faces disse-lhe esta única palavra: 
— Desgraçador! 
Nunca mais esquece esta palavra."

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

L'Esquive - extracto.

*Il faut que je reflechis!' par Lydia et Krimo. O francês é 'durinho'/quase impossível de perceber mas estes nove minutos... são uma delícia!


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Karel Reisz - The French Leutenant's Woman - 1981.

É possível que tenha visto este filme no cinema, em 82 ou 83. Os filmes então chegavam a Portugal tarde...

Streep tinha aqui 32 anos, Jeremy Irons 33. O filme é britânico até à medula. Jeremy Irons é Mike e Meryl Streep Anna, e são dois actores de cinema a filmar a história em questão, a da mulher abandonada por um marinheiro francês naufragado nas costas inglesas e que ficou perturbada  - para sempre? - pelo acontecido. Por outro lado temos a história da "mulher do tenente francês" - filmada mas ali tão real, um filme dentro do filme mas que, ocupa na realidade para aí uns três quartos do tempo - umas duas horas redondas. Mike e Anna vivem um caso durante as filmagens. Mike tem mulher e filha, Anna um namorado - francês. Este caso não sobrevive ás filmagens. E no século XIX com terminam as coisas? Ah mas eu ainda não comecei a contar...
Já perceb emos que Streep faz de tola - Sarah Woodruff - a mulher abandonada, que na aldeia chamam de "Tragedy", ou de puta. Jeremy Irons é Charles Henry Smithson, noivo de uma herdeira da aldeia. Conhece Sarah e, pronto! "I was lost the moment I saw you!" "So was I!". No calor da paixão dizem-se coisas apaixonadas. E não é minha função aqui e hoje abrir o quizz deste filme - onde quem se perde quer perder-se mas depois de perdido/a decide partir para se encontrar. 
Tavez o bom da vida é que não é ela uma sucessão de derrotas mas sim uma sucessão de empates. A história contemporânea "acaba mal", a do séc. XIX "bem". As últimas imagens são as de um barco a remos com os dois amantes a partir rumo ao desabrigo de um lago. Charles Henry apaixonara-se por uma "rapariga perdida" e leva agora no barco uma rapariga "encontrada". Até em lagos de águas paradas se armam as maiores tempestades.. 

Este filme criou imagens que se tornaram ícones na carreira de Meryl Streep. As suas qualidades e maneirismos estão aqui todos. Curioso como, durante todo o filme, Jeremy Irons, um ano mais velho, parecia.-me sempre mais novo, nomeadamente no tempo "contemporâneo"...

Abdellatif Kechiche - L'Esquive - 2003.

Talvez uma forma de falar e fugir de Paris seja falar de Abdelattif Kechiche - AF.

AF nasceu na Tunísia em 1960. Foi viver com os seus pais para Nice aos 6 anos de idade. E hoje é dos realizadores franceses mais conhecidos e premiados. 

Vi há umas semanas "L'Esquive". Saído em 2003, é o seu segundo filme. A história é muito curiosa: num subúrbio duma cidade francesa cheio de magrebinos de segunda geração, um grupo de adolescentes vai representar uma peça dum autor clássico francês, Marivaux, de seu nome "Jeu de l'amour et de l'hasard". Krimo é o namorado de Magali mas apaixona-se por Lydia, que é a estrela da peça e, curiosamente, a única loura em todo o grupo de adolescentes. Ela anda por todo o bairro a exibir o seu vestido da peça bem como o seu domínio das falas de Marivaux, falas de sedução e de dito-não-dito onde Krimo não consegue entrar. Ele "compra" o seu lugar na peça, tenta contracenar, torna pública a sua zanga com Magali. Estes são adolescentes que juram pela "Santa Pedra de Meca" e pelo Corão e que dizem "Inshallah" por tudo e por nada. O que não faz deles muçulmanos, só faz deles "outros". Rachid é o "amigo mais velho" de Krimo e quer que tudo se resolva. "L'Esquive" é Lydia, a rapariga que não se resolve. Rachid engana-se na sua bruta necessidade de ajudar Krimo: a loura? Rachid mete-os num carro - roubado? - e manda-os para um descampado. E aí que se resolvam - não há mais que esquivar, não é assim que se namora num bairro social. E aparece a polícia francesa.
A peça é representada sem Krimo. Na parede do seu quarto Krimo tem uma reprodução dum grande veleiro e ainda não chegou à conclusão de com quem vai fazer aquela sonhada viagem: sabemos que não vai ser com Magali nem com Lydia...

AK não facilita. Marivaux vai ter como estrela a única loira do bairro. Mas em nenhum momento lhe é dito isso, parecendo a sua integração perfeita. Só Rachid não conta com ela nas suas contas. O texto de Marivaux e o falar destes adolescentes pertencem a planetas diferentes - onde em ambos se fala francês. A única "não-magrebina" interessante/interessada da história é a professora que encena a peça. Na peça há um jogo de inversão de papéis  - a criada faz de patroa, etc. Mas a professora avisa/ensina que a inversão dos papéis não é que um disfarce, um engano, as classes sociais são barreiras que ali não se transpõem, e isto, dito num liceu dum bairro da periferia, é muito dizer. E Krimo não entende Marivaux.

A peça acontece e, num bairro social de franceses com origem predominantemente magrebina, é uma rapariga loura que faz o papel principal. Há a esperada festa, o sucesso, a comedida felicidade dos pais. Lá fora, a vida do bairro espera por todos eles e, digo-vos, pela Santa Pedra de Meca não deve ser fácil. Lydia dias depois chama por Krimo que não lhe responde - e neste silêncio se pode resumir todo um filme.


PS: Krimo nasce de Abdelkrim.

domingo, 15 de novembro de 2015

E o que pensarão as perdizes?

"Quanto ao 'prazer de matar', o acto final da caçada, ele, pura e simplesmente, não existe. O que existe, sim, é o prazer do tiro certeiro, a perdiz que se lança lá de cima, em voo silencioso e fugidio, e a fracção de segundo em que calculamos simultaneamente as três variantes que contam - a distância dela, a sua trajectória e a velocidade do seu voo - e, nesse exacto ponto geométrico, o nosso encontra." M Sousa Tavares, ontem, no Expresso.
Não sei o que pensarão as perdizes...

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Antes de Começar - extracto.

"O BONECO - Cala-te coração! Deixa ouvir o mar...

A BONECA - Tu também viste o mar?

O BONECO - O mar foi feito por nossa causa!

A BONECA - Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! Como tu o viste bem! Dá-me a tua mão para ser tão grande o silêncio... O mar!... não acaba nunca o mar!...

O BONECO -  O mar começa sempre...

A BONECA - É como o coração dentro de mim!... E nunca sai do peito o coração!...

O BONECO - Como pode mudar-se o coração?...

A BONECA  - Às vezes a luz brilha no mar... como se tivesse chegado a hora..

O BONECO - É a fé! É o coração que não se engana!

A BONECA - Mas quando o sol desaparece fico eu tão sózinha! Fico a pensar no que tem acontecido... e não sei o que me falta!... Se não fosse o luar, ainda ficava mais sózinha!... Se me ponho a pensar que o luar me faz companhia, sinto-me enganada! E nos dias que chove, a chuva também foi enganada...

O BONECO - A quem acredita no coração tudo serve de engano!

A BONECA - Mas quando é o coração que fala, parece-me de mais para mim.

O BONECO - O coração é maior que nós!

A BONECA - E eu sou tão pequenina! Para que me deram um coração tão grande?..."






- Almada não se cansa de exclamar! - 

e nós?

Antes de Começar, Almada Negreiros, encenação Joana Providência no Palácio do Bolhão.

Assisti este domingo no Palácio do Bolhão a uma peça de teatro de Almada Negreiros. Nunca fará este país a devida justiça a Almada Negreiros. Pessoa foi vários génios e morreu cedo. Mário de Sá Carneiro foi meio génio e morreu ainda mais cedo. Almada foi apenas tudo e morreu tarde demais para o país - que não para ele que, de certeza morreu a protestar por a decisão não ter sido sua.

A peça "Antes De Começar" é uma peça com um público-alvo que se adivinha juvenil. No entanto, Almada trocava as voltas a estas coisas, e a sua visão "educativa" da arte leva-nos a não pecar menosprezando a obra.
De que se trata? Dois bonecos ganham vida imediatamente antes de uma representação bonecreira. Tão só. Descobrem-se um ao outro, contam a sua história e dizem coisas que mexem connosco. Cada vez os estamos a levar mais a sério e a deixarmo-nos guiar pelas suas falas. Porém Almada corta o "barato" da peça com o barulho de crianças que se aproximam e os bonecos retomam os seus lugares inanimados, pois tudo isto tinha sido "antes de começar". A peça termina portanto quando as crianças entram e o pano se levanta!

Joana Providência recria esta peça mesmo muito bem. Só, na minha opinião, não respeita o título.
A peça desenvolve-se em três tempos. Primeiro os bonecos estão dentro de caixas. Estas mexem-se, primeiro pouco, depois mais, e mais, e mais, vão descobrindo o espaço, aparecem mãos, depois pernas. Até que há bonecos! Assim posta a coisa, nos primeiros dez minutos não há qualquer diálogo - mas ninguém se aborrece! Os bonecos aparecem e descobrem-se! Os bonecos têem cabeças cúbicas, suponho que em homenagem ao desenho e à pintura de Almada. Começam a falar. A descobrir-se. A mexer um com o outro. A "engraçar" um com o outro. A boneca fala de uma Ela que a criou. E o boneco começa a falar.. do seu coração. Aqui acontece a terceira parte da encenação: desce "do céu" um enorme coração - infelizmente de costas, mas assumo que a Joana Providência não saberá muito de anatomia - que vai ilustrar com o seu enorme volume as falas dos bonecos sobre... o coração. Palavras há que se gastaram com o tempo. Almada terá escrito esta peça há... um século, ou quase. Então a palavra coração, e utilizada com a liberdade que só Almada conseguia dar às palavras, podia ser usada e abusada. Assim acontece. Mas não nos cansamos.

"O coração é maior que nós!"

"Nunca é o coração que nos falta, somos nós que faltamos ao coração!"

Subitamente ouve-se um rufar de tambores - como se ouvira no início - e só aqui Joana Providência "foge" do texto de Almada, pois os bonecos voltam às suas posições do início porque "vem aí o Homem, vem aí o Homem", o bonecreiro mas, se calhar, NÓS. E não há crianças, e não há levantar de pano para fechar a peça.

Levantamo-nos sim nós a aplaudir, porque foram 40 minutos de excelente teatro!


O problema, ou melhor, os três problemas.

O problema com o governo António Costa - sim, porque está ao virar da esquina um governo António Costa - é apenas um, ou melhor três:

O primeiro problema chama-se... António Costa.
O segundo problema chama-se... Jerónimo de Sousa.
O terceiro problema chama-se... Catarina Martins.

Fora isto, claro que estou contente com a queda do governo PAF.

Como já disse, a merda fica a mesma, mas MUDAM AS MOSCAS!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O direito de escolha.

Ontem participei numa reunião de pais de uma Escola Profissional de Teatro. Foi proveitosa e foi esclarecedora. Vou só mencionar uma coisa que aprendi. Falamos muito de liberdade de escolha no que à Educação diz respeito. E é mais a Direita até a falar disto. Os alunos da Escola que a minha filha frequenta têm direito a múltiplos subsídios, bastantes na realidade. Têm também direito a um subsídio de alojamento, se a sua morada de base for a mais de cinquenta km da Escola – excepto, excepto, e aqui quero chegar, se nesses cinquenta km existir outra Escola Profissional de Teatro. E eis como o direito de escolha desaparece. Desaparece porque nunca foi contemplado – no Ensino Público. O direito de escolha, traduzindo para Português, equivale a “Cheque-Educação que vai permitir que o teu filho escolha frequentar o meu Colégio Privado”. Nunca por nunca poderia dizer “Cheque-Educação que permite ao aluno e respectivos encarregados de educação frequentar a Escola Pública de sua escolha, sendo esta recompensada assim pela preferência do público-alvo, os alunos e seus pais, pela excelência do ensino, pela capacidade de oferta aos alunos de saída profissional adequada”. Dirão que o sistema tal coisa não aguenta. Aguenta, aguenta! A Escola Profissional de Teatro da minha filha pede empréstimos ao banco para pagar ordenados e bolsas - pois recebe o dinheiro convencionado a que tem direito do Estado com seis meses de atraso, em média. Esta foi portanto uma reunião de pais onde aprendi alguma coisa. Talvez tenha sido a primeira…

sábado, 31 de outubro de 2015

Michel Houellebecq - Submissão.


"Islam" quer dizer "submissão". Michel Houellebecq intitula assim o seu último livro. Tenho pena que, para além de ser um livro de tese, não seja também um livro bem escrito.


Foder ou não foder, eis a questão. François é um professor universitário como tanto outros - e eles hoje são tantos pela Europa fora... - cujo sucesso pessoal na realidade se mede - ele a mede - pelo número de fodas e orgasmos que vai conseguindo ao longo dos dias. Enquanto isto a França vive os seus últimos dias antes de umas eleições onde a decisão vai ser entre a Frente Nacional de Marine Le Pen e uma Fraternidade Muçulmana apresentada como assaz moderada e a quem todos os outros partidos franceses - UMP, PSF - entregam os seus votos, porque tudo se negoceia.
Percebe-se depois que o dinheiro árabe é o melhor para reavivar a instituição universitária. E a poligamia aplicada às alunas universitárias por casamentos arranjados uma solução para o quid deste livro: foder ou não foder. É assim que a Fraternidade Muçulmana compra François e aparentemente é/foi fácil. 
Sobre a França nada chegamos a saber, pois em nenhum momento há uma ressonância escrita sobre como um islamismo soft mas muito real que se abate sobre o "hexágono" é vivido pelo peuple réel, nomeadamente pelas mulheres... A única mencionada com um mínimo de espessura, uma ex-namorada, foge para Israel - Israel, of all places, uma terra que se define vivendo em guerra... Portanto a submissão do Islão é uma boa escolha porque nos/lhe dá sexo fácil. Juvenil. E acaba o livro. QED,

Neste livro Houellebecq escreve mal, ou pelo menos é banal. Para encher fala do tempo - suponho que para exemplificar o mal de vivre de François. Suponho ainda que Houllebecq agita à nossa frente a coisa de "serei eu como François" ou "serei eu alguém que detesta François"? Ou ambas as coisas? Uma coisa eu sei: não gostei do livro. 

Na contracapa aparece uma citação de Houellebecq: "A liberdade de expressão é a liberdade de comunicar uma obra do espírito a outros espíritos". Excusez moi?


"Estava à espera há dois ou três minutos quando se abriu uma porta do lado esquerdo e uma rapariga de cerca de quinze anos, vestida com uns jeans de cintura descaída e uma t-shirt Hello Kitty, entrou no hall, os seus longos cabelos negros caíam-lhe livremente sobre os ombros. Ao ver-me soltou um berro, tentou desajeitadamente cobrir a cara com as mãos e arrepiou caminho em corrida. No mesmo instante o Redinger apareceu no patamar superior e desceu as escadas ao meu encontro. Tinha presenciado o incidente, e estendeu-me a mão com um gesto de resignação.
  - É a Aïcha, a minha nova esposa. Vai ficar muito incomodada, porque o senhor não devia tê-la visto sem véu.
  - Peço imensa desculpa.
  - Não, não peça desculpa, a culpa foi dela; devia ter perguntado se havia convidados, antes de atravessar o hall de entrada. Mas enfim, ainda não está habituada à casa, há de habituar-se.
  - Sim, tem um ar muito jovem.
  - Fez quinze anos há pouco tempo."



Melancolia.



"Sei sim da extrema agilidade da melancolia".

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Pitões das Júnias em 2014.

Pitões das Júnias continua a ser uma aldeia muito isolada e desviada dos caminhos habituais, embora seja hoje bastante conhecida e referenciada. Fica no meio dum lindíssimo e extenso planalto, o da Mourela, ou melhor, na banda poente. Pouco depois de Pitões desce uma escarpa que vai até um riacho, ficando do outro lado... o Gerês.
Já tinha estado antes em Pitões das Júnias e, não me lembro porquê, o sabor tinha sido misto. Desta vez ia decidido a aclarar as coisas. 
A Pitões fomos várias vezes: De Outeiro/Paradela meter para nascente, em Covelães engatar para norte, sorrir enquanto se faz o planalto da Mourela e, no meio deste, meter para a direita, único destino Pitões. 
A aldeia de Pitões é uma aldeia relativamente grande e ainda aguenta uns cento e cinquenta habitantes. O casario é heterogéneo na conservação ou não da pedra e no abandono ou boa conservação do mesmo e da dita. Mas o conjunto é agradável. Almoçámos bem na "Casa do Preto" e no "






D.Pedro Pitões".

Pitões tem a omnipresença do Gerês quem olha para poente, e um olhar que é quase ao mesmo nível - Pitões das Júnias fica a 1100m de altitude. Há duas excursões simples que se podem fazer à volta de Pitões: uma é ao convento de Santa Maria de Pitões, outra à Cascata de Pitões das Júnias. Ambas são fáceis, bem sinalizadas, curtas, acessíveis. 

Outra ficou por ser feita e, logo ali, a promessa se fez de a fazer algum dia. Uma vez por ano - no primeiro domingo depois da festa de S.João -  a população da freguesia vai até uma ermida - de S.João da Fraga, que fica acima dos  1200m de altitude nas serranias do Gerês, do outro lado do vale que divide. São dez quilómetros duplamente empinados que todo o povo faz, com a particularidade de à ida deixar o farnel numas mesas ditas do Carvalhal, farnel que só é comido, mais umas carnes assadas na hora, à volta, devoção e montanhismo feitos. Aí também há bailarico, etc. A ermida mal se vê, não consegui nenhuma fotografia que a captasse. Fizémos, a Catarina e eu, parte do caminho - passámos o Carvalhal, ainda descemos mais um bom bocado, por entre borboletas, floresta autóctone e muita água. Acho que desistimos a meio e bem. Fica então  a promessa feita.







domingo, 25 de outubro de 2015

Vidago e as Pedras Salgadas em 2014.

Começamos estas férias num hotel sediado em Vidago. Um hotel cujo nome mete "Perfume" por alguma razão esse nome teria... Bom, o quarto era muito giro mas abusava de ambientador, que desligávamos sempre que se subia ao quarto. Era intoxicante. 

Vidago é o Palace Hotel... e arredores. Fomos lá lanchar para dar conhecimento à descendência. O parque do Hotel podia estar melhor... o Hotel não.Vidago, terra de boas águas  - as mais alcalinas do país - portanto, tem um núcleo de aldeia trasmontana no alto que depois visitámos. O Vidago Palace tem um pequeno Centro de Congressos onde eu apresentei a minha última comunicação nas então Reuniões da Sociedade Portuguesa de Hipertensão - foi no fim de Janeiro de 2004. Fui operado dias depois.










As Pedras Salgadas são a marca de águas com gás mais conhecida do país - outras estão aqui ao lado - Carvalhelhos e Vidago. A única concorrente que não fica perto é a Água Castelo - do Alentejo. As Pedras já pertencem ao concelho de Vila Pouca. A estrada é rugosa entre as duas estâncias termais. Nas Pedras o Parque está mais bem conservado e hoje tem a mais valia das famosas "casas no parque", algumas das quais são "nas árvores". Fomos espreitar.

Comer bem? Numa simpática pizzaria em Vidago.

Ruy Cinatti.


ANUNCIAÇÃO



Não tenho palavras, nem entendo
formas visiveis.
Elas vêm concretas como aragem
a que dou nome.

Tenho-me, eis tudo. Acontece.
Há uma folha que desce,
que sobrenada, que desce,
que submerge no ar e depois desce
longe de mim no ar fundo.

Nós não somos deste mundo.

Fresca e limpa como a chuva,
ouço a tua voz cantada
descer do céu ao silêncio
que vem da terra molhada.

Nós não somos deste mundo.

Ouso dizer-te o meu nome
como quem se atreve a dar-te
a minha imagem.

Nós não somos deste mundo.

O que não vejo, entendo.
Pelos rios do meu sangue,
atrevo-me.

Anoitecendo, a vida recomeça.

Dou-me em palavras
que ressuscitam.
Algures no céu amanhece.

Só, intranquilo, pela vereda, desce
o nómada meu amigo.




in Corpo - Alma, ed. Presença, 1994.

sábado, 24 de outubro de 2015

O Gerês visto da Paradela em 2014.

A segunda fase das férias foi passada no Hotel Vista Bela no lugar do Outeiro, sobranceiro ao espelho da Barragem da Paradela, o Gerês em frente. A Barragem é a primeira no Alto Cávado e vem dos anos cinquenta. A aldeia de Paradela do Rio fica mais abaixo e existe à volta de uma rotunda onde um café nos vendeu ao longo dos dias Magnum's e informações. Junto à barragem existe praia fluvial mas não é, digamos, classe A. O Hotel onde ficámos vários dias tem um bom atendimento e óptima cozinha. A sua lógica é "familiar" - como público alvo,


o que implica um certo"gregarismo" que não é a minha praia, e uma sobrepopulação crónica da piscina. Já as vistas, bem, as vistas... são incomparáveis. E querer conhecer o Gerês implica vir a este lado mais violento, mais rude, menos minhoto, e olhar para aquela parede de arestas que nos olha e desafia. Visão que depois, quando subíssemos a Pitões das Júnias, se iria repetir com maior proximidade...

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A Frente Popular.

Isto da Frente Popular tem uma certa história. E só pelo gozo ter conversado com alguém hoje que estará a ponderar exilar-se para o Brasil já terá valido a pena este frisson.

Vamos esquecer a Frente Popular original - que aconteceu em França antes da Segunda Grande Guerra. A cópia veio depois da eleição de Miterrand, em 1981. Miterrand encarregou Pierre Mauroy de fornecer 4 ministérios ao PCF. Georges Marchais, o secretário-geral do PCF, ficou fora do governo. Isto foi o princípio do fim do PCF, ainda antes da implosão da URSS. 

Aqui o Governo de Esquerda vai ser possível. O BE e o PCP vão adquirir concessões nos "chamados temas fracturantes"  - aborto, adopção por homossexuais, drogas leves und so weiter - e que não contam para as contas da mercearia. Nestas, a retoma mais rápida de determinados salários - olha, o meu - e pensões, etc. obrigará a alguma ginástica orçamental mas - parece-me a mim - nada de extraordinário ou impossível. Talvez aconteça dar com uma mão e tirar com a outra. Nada a que não estejamos habituados. 

Por um cheiro de poder o BE e o PCP venderão a mãe e cinco tostões. Estamos todos espantados com isto. É que quando o CDS, por ex., faz o mesmo, pronto, é dos nossos. Agora que os outros tenham comportamento daquilo que são... políticos, não se pode! Na merda, meus caros, é mesmo importante que as moscas mudem!

A Barragem do Alto Rabagão em 2014.

Lembro-me bem de me fixar no mapa de Portugal em dois lagos - artificiais - que se destacavam, um a Norte, o outro a Sul. A sul a Barragem de Montargil, que já visitei e sobre ela escrevi. Faltava-me aquele rectângulo de água que se localiza pouco abaixo da fronteira e que se adivinhava enorme. A Barragem do Alto Rabagão foi inaugurada em 1964 e é mesmo muito grande. Atravessá-la - em ziguezague - é atravessar quase dois km de paredão. O lago artificial, bem recortado, mede uns quatro por vinte km. E para sul tem o remate artístico das Alturas do Barroso. O aproveitamento turístico de tudo isto é escasso. Compreendo não ser fácil o acesso. Há um parque de campismo em Penedones, uns restaurantes, umas pensões e algum turismo de habitação. Há umas zonas onde os pedregulhos sofrem o intervalo da presença de algum cascalho e que é usado para um arremedo de praia fluvial. Não percebo - o Alto Rabagão mete a Albufeira do Azibo no bolso a dormir! 


Montalegre e o Larouco em 2014.

Não sei porque não tenho fotografias deste dia no computador mas cá vai: Montalegre é uma vila que fica numa estrada, ou rua, se lhe quiserem chamar, que sobe por uma encosta que depois termina no Castelo. Tem um Hotel onde podíamos ter ficado mas não aconteceu, e ainda bem – almoçámos e havia muita gente, muita confusão, não teria sido bom. Tem rotundas quanto baste para afiançar que estamos em Portugal. E tem uma nave espacial gigante, no meio da terra plantada, que dá pelo nome de “Pavilhão Multiusos”. Em sentido contrário – isto é, “para baixo” está o SASU onde fizemos uma visita rápida – estava lá a prestar serviço uma pessoa amiga. Sobre o castelo não vou falar, é um castelo de postal e por isso é muito visitado. As vistas são boas e as esperadas. E para norte o que se vê, sobretudo, é o Larouco. E o que é o Larouco? 

Isto das estatísticas tem que se lhe diga. Nas montanhas, e perdido o Ramelau timorense e esquecendo o Pico nos Açores, nós sabemos bem que as montanhas portuguesas são a Estrela... e o resto. À frente do pelotão do resto, a 400 e tal metros de diferença, e à frente, do Gerês-Parque Nacional, está o Larouco. Quem visita o Larouco? A partir de 2014 a Volta a Portugal… e nós. Não muito mais gente. O Gerês é, efectivamente, a segunda maior mole montanhosa do “País”. Prolonga-se, para além do mais, no Xurez galego. O Larouco não é nada disto. Montalegre fica um pouco elevada em relação a um irregular planalto que se prolonga até Espanha. Agora imaginemos que em cima deste planalto, que está nos 700-800m de altura, metemos uma Serra de Sintra, uma Arrábida ou um Montejunto: ficamos com os 1525m do Larouco! O Larouco é isto, umas bonitas e perfeitas e imponentes corcovas, debruadas a eólicas, que acrescentam 600m ao chão de Montalegre. A estrada, sinuosa e panorâmica, vai subindo por entre a vegetação rasteira, castigada pela neve todos os invernos, e lá em cima a vista é excepcional. Em 2014 ganhou o David Belda, em 2015 Delio Fernandez.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Chaves em 2014 - e o mais.

Mas falta falar mais algumas coisas sobre Chaves.

1. O castelo é de brincar. É um recinto amuralhado que domina o rio e com uma torre de menagem altaneira. Há muito tempo que já não tem espaço para acobertar a população da terra, se atacada.


2. Um rio tem dois lados. E o lado nascente de Chaves é muito importante. É a Madalena. Freguesia cujo nome terá sido religioso mas cujo prefixo "Santa Maria" não interessa a muita gente. A Madalena é o que há de Chaves do outor lado da famosa ponte de Trajano: um pequeno conjunto urbano onde terminava a recta do Raio X em ângulo, ângulo este que enquadrava um bonito Jardim Público. E é por aqui que eu posso redefinir a qualidade de vida da Chaves de hoje. Este Jardim Público há muito extravasou os seus limites, expandiu-se a sul até ao rio, ganhou espaço para as caminhadas e corridas anti-oxidantes que todo e qualquer flaviense queira executar. O Jardim passou a Parque, um extenso e agradável parque. O Parque... da Madalena!


3. Eu não sei nadar. Não vou elaborar muito sobre este assunto. Mas eu não sei nadar. Umas pedras há que atravessam o rio Tâmega deste o Parque da Madalena até ao outro lado, toc toc, desafio benigno para qualquer mortal que nadar saiba. Porque atravessei? Porque sou um palerma e não quis dar parte de fraco diante da minha filha. O risco era na realidade muito baixo. Umas das pedras a meio do rio buliam.


4. Os flavienses são trasmontanos sim, mas mais suaves, mais sonoros, mais abertos. O comércio, o rio, o vale fizeram isso. Grande parte dos flavienses não nasceram em Chaves mas sim nas aldeias à volta, nas serranias à volta. Não interessa: Chaves é como se fosse um cantão, o "País de Chaves", uma coisa à parte, e para a pequena cidade desce o melhor de todos os lados que para ela convergem. Tanto que quando vamos para sul e atravessamos para as Pedras Salgadas, é sempre uma dolorosa despedida.

5. A ficar em Chaves e gastando algum dinheiro sugiro fortemente - passe o pleonasmo - o Forte de S.Francisco. Sobretudo se estiver bom tempo e a piscina fôr uma opção. A fotografia explica.