domingo, 25 de outubro de 2015

Ruy Cinatti.


ANUNCIAÇÃO



Não tenho palavras, nem entendo
formas visiveis.
Elas vêm concretas como aragem
a que dou nome.

Tenho-me, eis tudo. Acontece.
Há uma folha que desce,
que sobrenada, que desce,
que submerge no ar e depois desce
longe de mim no ar fundo.

Nós não somos deste mundo.

Fresca e limpa como a chuva,
ouço a tua voz cantada
descer do céu ao silêncio
que vem da terra molhada.

Nós não somos deste mundo.

Ouso dizer-te o meu nome
como quem se atreve a dar-te
a minha imagem.

Nós não somos deste mundo.

O que não vejo, entendo.
Pelos rios do meu sangue,
atrevo-me.

Anoitecendo, a vida recomeça.

Dou-me em palavras
que ressuscitam.
Algures no céu amanhece.

Só, intranquilo, pela vereda, desce
o nómada meu amigo.




in Corpo - Alma, ed. Presença, 1994.

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