segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Ás de Paus - 2.

O PSD foi criação de Francisco Sá Carneiro e só. Da velha tríade de fundadores que as imagens retiveram, Magalhães Mota nunca foi a força por detrás de nada e Pinto Balsemão servia apenas para fornecer o catering, dinheiro, casa e um jornal - o Expresso. A figura mais conhecida da Ala Liberal era Miller Guerra e, antes ainda do PPD aparecer, foi o seu primeiro dissidente e por confronto directo com Sá Carneiro. O PPD/PSD nasceu portanto em guerra mas sem Miller Guerra. E, até ganhar as primeiras eleições como AD em 1979, continuou em guerra permanente interna, onde a figura de Sá Carneiro era a referência - ora de amor ora de ódio marcado e profundo. Esta dicotomia aliás passou para o país, onde no geral as opiniões também assim se dividiam. O PSD viveu sucessivas cisões e divisões, com entradas e saídas de Sá Carneiro da primeira linha. E Sá Carneiro foi eliminando ou afastando Sá Borges, Magalhães Mota, Sousa Franco, Emídio Guerreiro, Rui Machete, Mota Pinto, Guilherme d'Oliveira Martins, Jorge Miranda, etc., etc. Muitas destas figuras voltaram depois de 1980, isto é, depois da morte de Sá Carneiro. Vieram reforçar Pinto Balsemão na AD-2, ou participar no Bloco Central onde a figura de proa do PSD foi... Mota Pinto, um ex-dissidente. 
A visão de Sá Carneiro foi bastas vezes minoritária nas cúpulas, as ditas "elites", e ele só conseguiu ganhar e ganhar congressos porque os seus adversários se apercebiam, a bem ou a mal, que a capacidade de captar povo e votos era dele, só dele e de mais ninguém. O PSD foi um partido de um homem só na cabeça de muita gente, bem mais até do que o PS e Mário Soares. Nesse sentido o populismo está na génese e nas tripas do PSD. Até 1980 o PSD foi... Sá Carneirista ou... nada. Lembro-me bem do "Povo Livre" dos primeiros tempos, 75-77, leitura ocasional lá em casa. A JSD tinha uma página que era sua e cujo título era... "Pelo Socialismo!". O PSD sabia que qualquer cheiro de direita podia acicatar os militares e atirá-lo para a irrelevância. Sá Carneiro, embora às vezes compondo o seu discurso, foi sempre frontalmente contra estas contemporizações onde todos eramos obrigados a alinhar à esquerda. 
Sá Carneiro tinha também duas outras inimizades fora do partido: Eanes e Soares. Este triângulo de gente que nos conduziu até à normalidade democrática odiava-se profundamente. Soares via em Sá Carneiro a única figura na área democrática com carisma para lhe fazer sombra. Eanes era ainda e sempre um militar e Sá Carneiro queria os militares fora do poder o quanto antes. Daí a "criação" de Soares Carneiro para as Presidenciais de 80, na realidade uma "não-pessoa", um "não-candidato".
Analisando a história das intervenções políticas de Sá Carneiro e do construir do programa do partido que fundou, dá para perceber que Sá Carneiro de social-democrata não tinha assim tanto. Hoje, aos 81 anos, talvez ainda se mantivesse no PSD, neste PSD de Passos Coelho. Duvido sim que o fenómeno Cavaco alguma vez tivesse acontecido. Até porque as relações entre Cavaco Silva e Sá Carneiro no governo que partilharam não foram perfeitas. Sá Carneiro abriu um pouco os cordões à bolsa para ganhar as eleições de 80, como ganhou. Cavaco discordou muito dessa política económica de contra-ciclo que pode ou não ter ajudado a precipitar a segunda intervenção do FMI, em 1983. Sá Carneiro morreu antes da derrota de Soares Carneiro e antes da economia internacional de 81-82 fazer tremer o barquinho luso. Esses dois testes não os passou. Passou o teste da história com a distinção de "Mito". E a suprema ironia de dar o nome a um Aeroporto Internacional, o da sua cidade natal, o Porto, tendo-se despenhado num avião quando de Lisboa para essa mesma cidade se dirigia. A minha filha não se cansa de me assinalar esta triste coincidência.
Mas ainda não acabei.

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