terça-feira, 25 de julho de 2017

Dicionário - AnteCena - PAP ACE.



Tudo começa com a Laurie Anderson. 1982. Big Science. From The Air. Tinha então, Catarina, dezoito anos eu, Catarina. Como tu agora. 
Esta peça, "Dicionário" é o fim. É o fim, já disse. Não haverá mais disto. Disto o quê? Espectáculos no Palácio do Bolhão, com pais atentos, nervosos e parciais. Professores. Colegas a aplaudir sempre. Dezoito anos, Catarina. Às vezes esqueço-me do novinha que és. Adolescente é a palavra mais difícil de definir. Uma criança a quem cresceu muito o corpo? E a quem o mundo todo aparece brilhante, brilhante, o mundo aquela hipótese de deslumbramento e exploração sem fim? Ou o adolescente é como nós, apenas antes? O Galante falou de "pornografia autobiográfica". Odeio a pornografia e a palavra também. Nudez chegava mas eu percebo a confusão. Foi um "como aqui chegamos" com algum ajuste de contas. E nós deste lado a perguntar: "É verdade? Tudo isto é mesmo verdade? Não estamos afinal no teatro? Na terra da efabulação e do disfarce?" Mas atiram-nos com frases, momentos, fotografias, e as frases foram, as fotografias aconteceram e os momentos também. Os nossos jovens estão cansados de ouvir: "Ainda não viveste nada!" o que não é verdade, eles ainda só viveram é pouco! E o quê? A resposta é os pais, os pais, pornograficamente os pais, mas também a infância (e os avós), esta escola. Talvez um primeiro amor, talvez um segundo. E por entre a catarse ouve-se os Beach Boys - Pet Sounds - e fala-se de um urso que vai ser corajoso. Até dá para rir! E infelizmente traduzem o mais bonito verbo do Petit Prince. "Apprivoiser!" "Si tu m'apprivoises, nous aurons besoin l'un de l'autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serais pour toi unique au monde..." 
O "Dicionário" é composto de palavras e que seria de nós sem esses nós duros que são certas e determinadas palavras. Lembro "quarto", "prisão", "encruzilhada", "fundo", houve mais. A encenação brilhante, os nossos jovens muito bem, chorosos no fim, claro, claro, isto era o fim. E eles ali de pé, oferecendo-se à nossa adoração, tão altos, tão novos e tão fortes, talvez... 

Como dizia o Vasco, isto foi apenas "O Prefácio". 

Ou como dizia a Laurie Anderson, "There is no pilot" (from now on...).

Catarina, orgulho-me de ti todos os dias. Ontem foi um bocadinho mais.

ps: parabéns Joana Craveiro. Brilhante, brilhante. Tantas catarses e todas soarem diferente, é obra!


sexta-feira, 21 de julho de 2017

Marisa Monte.


Mais.

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Irradiar sempre, habitua-te.

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O acabamento depois.

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Simultâneos sinais.

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Arranca o movimento.

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Não deixes falar o silêncio.

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É a altura certa para ficar a meio caminho.

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O edifício dos olhos transparentes.

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À superfície pressão.

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Nunca tranquilas as mãos? Pega umas chaves!

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O abandono não é, aprendo.

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Um longínquo palmo de cara. E agora, o riso?

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Nem me sabia tão preparado.

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Para quê o resgardo?

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A voz, mas o que fazes.

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Instantâneo guardado e descafeinado. Puro engano.

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Saudações tão amplas.

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Espera, dispersas as mãos?

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Préstimo, concelho de Águeda. E há lá quem ame.

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O dedo grande do pé pequeno.

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Em mil ergue-se e eu sigo.

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O peito? Está bem.

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Sempre a perturbação, sempre.

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Meia dúzia e acordas.

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Olho vivo, dormir fácil: és um índio!

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Paterson - Jim Jarmusch.

Um filme devia poder ser visto apenas por ser um filme. E assim fiz, ou quase, com este filme de Jim Jarmusch. Não li nada sobre o filme antes. Vi apenas que era dele - um realizador que eu amo - e fui.

Como se faz poesia? Há cursos de escrita criativa. Não há cursos de boa escrita e, que eu saiba, não há cursos para aprender a escrever poesia. Ele há muitas poesias. Talvez cada poesia se escreva de uma forma diferente. Interessa-me este saber? Não sei. Como o pão e mais ainda um bom bife, não faço muita questão em saber o caminho que leva até à minha boca, na poesia o ouvido ou o olho.

Paterson é um filme que descreve a semana de um casal onde o rapaz que se chama Paterson vive em Paterson. Paterson conduz um autocarro urbano de passageiros. Ela projecta fazer cupcakes e ser cantora country. Ela é expansivamente louca. Ele não é expansivo. Têm um pitbull, ou melhor, ela tem, ele passeia-o. Paterson escreve poesia. O filme, admiravelmente realizado, fotografado e editado, vai-nos oferecendo os poemas de Paterson, escritos caligraficamente na tela, e que lhe "surgem", ou "emergem" do seu repetido e banal quotidiano. Este é/será um tipo de poesia que do "nada" surge, porque o nada sempre assim só parece ser. Não é. Numa semana acontecem quatro coisas diferentes, especiais, na vida deste casal: a) Paterson imobiliza diligentemente uma patética tentativa de pseudo-homicídio passional no bar a que vai todas as noites beber uma cerveja, deixando o pitbull cá fora b) ela vende imensos cupcakes numa feira c) o autocarro avaria e ele precisa de pedir emprestado um telemóvel a uma criança para comunicar a avaria - ele não gosta de telemóveis d) o pitbull destrói-lhe o livro onde diligentemente tinha apontados todos os seus poemas nunca antes publicados - desconfia-se que o fez de propósito porque o pitbull não gosta dele
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Jarmusch não deixa de ser um convencido do caralho quando faz filmes. Havia necessidade de ser um japonês especialista em William Carlos Williams a devolver a Paterson a vontade de escrever poemas depois de toda a sua poesia ser destruída por um pitbull ciumento? Ela tinha de ser tão esquisita e diferente e alternativa? As cenas no bar não podiam ser mais cheias? Este filme tem porém a seu favor o actor principal, Adam Driver, brilhante até no escuro, a poesia, sim, a poesia, e aquilo que eu já referi, a direcção, a fotografia e a edição. A montagem pertence a um rapaz que nasceu no Brasil e que se chama Affonso Gonçalves.

William Carlos Williams é um poeta americano do início do século XX, cinco anos mais velho do que Fernando Pessoa e cuja poesia inspira este filme. Viveu perto de e conheceu ao detalhe Paterson, de onde eram a maior parte dos seus doentes. Ele era médico. Escreveu um poema comprido, "épico", chamado Paterson. A sua poesia é a um tempo despojada, inesperada e extremamente lírica. Não respeita convenções. O verso é livre na forma e no conteúdo. As palavras podem ser todas ou qualquer uma. William é Guilherme em inglês. O apelido seria Guilhermes?


sexta-feira, 7 de julho de 2017

Pedrógão Pequeno.

Os nomes das terras têm destas coisas. Pedrogão Pequeno existe e não ardeu. Fica do outro lado do Zêzere e da barragem do Cabril, esse precipício de cimento que se vislumbra da IC-8. Pedrógão Pequeno não ardeu mas ainda vai a tempo, o cenário o mesmo, pinheiro e eucalipto por todo o lado, aldeias pequenas e dispersas a interromper a monocultura da celulose.
 
Volto a escrever sobre isto porque Pedrogão Grande já está a passar para o esquecimento da história, lenta mas decididamente. Temos a anedota de Tancos, uns quilómetros para baixo, o cansaço de Guterres com Chipre, outras coisas virão e Pedrogão passará finalmente aos livros das estatísticas, "o incêndio onde morreram mais", "o incêndio onde, etc.".
 
Morrer solteiro ou solteira deve ser uma tristeza muito grande, por isso se diz da culpa quando não se encontra sujeito para ela. Não vou discordar, até porque esse mal não me aflige - o de solteiro morrer... numa canção do Variações era porém um lindo verso.
 
Hoje, sete de Julho, digo que já devíamos ter um novo Ministro da Agricultura porque o anterior, Capoulas Santos, se devia ter demitido logo, cabeça de casal de décadas de má gestão das terras portuguesas e do seu coberto vegetal, de conivência com as celuloses, resultando ultimamente em dezenas de mortes. Nunca ouviram de mim uma boa palavra sobre o Jorge Coelho mas, quando uma ponte caiu, ele soube o que fazer. Por outro lado, os comandos da GNR ainda são os mesmos. Os nacionais, os distritais. E, no entanto, foram operacionais da GNR que, por não saber lidar com estas situações extremas mandaram (algumas dezenas de?) pessoas para a morte certa. A expressão "homicídio por negligência" vem-me à cabeça. Situações extremas que se vão repetir, um dia desses, quem sabe, em Pedrogão Pequeno. 
 
Não é Pedrogão que é pequeno afinal, é Portugal inteiro. E outro Presidente da República concordaria comigo.