segunda-feira, 17 de julho de 2017

Paterson - Jim Jarmusch.

Um filme devia poder ser visto apenas por ser um filme. E assim fiz, ou quase, com este filme de Jim Jarmusch. Não li nada sobre o filme antes. Vi apenas que era dele - um realizador que eu amo - e fui.

Como se faz poesia? Há cursos de escrita criativa. Não há cursos de boa escrita e, que eu saiba, não há cursos para aprender a escrever poesia. Ele há muitas poesias. Talvez cada poesia se escreva de uma forma diferente. Interessa-me este saber? Não sei. Como o pão e mais ainda um bom bife, não faço muita questão em saber o caminho que leva até à minha boca, na poesia o ouvido ou o olho.

Paterson é um filme que descreve a semana de um casal onde o rapaz que se chama Paterson vive em Paterson. Paterson conduz um autocarro urbano de passageiros. Ela projecta fazer cupcakes e ser cantora country. Ela é expansivamente louca. Ele não é expansivo. Têm um pitbull, ou melhor, ela tem, ele passeia-o. Paterson escreve poesia. O filme, admiravelmente realizado, fotografado e editado, vai-nos oferecendo os poemas de Paterson, escritos caligraficamente na tela, e que lhe "surgem", ou "emergem" do seu repetido e banal quotidiano. Este é/será um tipo de poesia que do "nada" surge, porque o nada sempre assim só parece ser. Não é. Numa semana acontecem quatro coisas diferentes, especiais, na vida deste casal: a) Paterson imobiliza diligentemente uma patética tentativa de pseudo-homicídio passional no bar a que vai todas as noites beber uma cerveja, deixando o pitbull cá fora b) ela vende imensos cupcakes numa feira c) o autocarro avaria e ele precisa de pedir emprestado um telemóvel a uma criança para comunicar a avaria - ele não gosta de telemóveis d) o pitbull destrói-lhe o livro onde diligentemente tinha apontados todos os seus poemas nunca antes publicados - desconfia-se que o fez de propósito porque o pitbull não gosta dele
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Jarmusch não deixa de ser um convencido do caralho quando faz filmes. Havia necessidade de ser um japonês especialista em William Carlos Williams a devolver a Paterson a vontade de escrever poemas depois de toda a sua poesia ser destruída por um pitbull ciumento? Ela tinha de ser tão esquisita e diferente e alternativa? As cenas no bar não podiam ser mais cheias? Este filme tem porém a seu favor o actor principal, Adam Driver, brilhante até no escuro, a poesia, sim, a poesia, e aquilo que eu já referi, a direcção, a fotografia e a edição. A montagem pertence a um rapaz que nasceu no Brasil e que se chama Affonso Gonçalves.

William Carlos Williams é um poeta americano do início do século XX, cinco anos mais velho do que Fernando Pessoa e cuja poesia inspira este filme. Viveu perto de e conheceu ao detalhe Paterson, de onde eram a maior parte dos seus doentes. Ele era médico. Escreveu um poema comprido, "épico", chamado Paterson. A sua poesia é a um tempo despojada, inesperada e extremamente lírica. Não respeita convenções. O verso é livre na forma e no conteúdo. As palavras podem ser todas ou qualquer uma. William é Guilherme em inglês. O apelido seria Guilhermes?


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