domingo, 31 de janeiro de 2016

Saguenail

'O cinema é a forma de permitir que a criança que eu não fui não morra'

Serge Abramovici (Saguenail) em entrevista a André Gil Mata, 2007.

A Bicicleta.


A BICICLETA.



Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais –
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.
O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e desaparece
uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.
De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.~
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.
Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
O poeta dá à pata como os outros animais.
Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.




Herberto Helder.

O Estrangeiro.

"Entre a enxerga e as tábuas da cama, eu encontrara, com efeito, um velho bocado de jornal, amarelecido e transparente, quase colado ao pano. Relatava um acontecimento cujo início faltava, mas que devia ter sucedido na Checoslováquia. Um homem partira de uma aldeia para fazer fortuna. Ao fim de vinte e cinco anos, rico, regressara casado e com um filho. A mãe dele, juntamente com a irmã, tinham uma estalagem na aldeia. Para lhes fazer uma surpresa, deixara a mulher e o filho noutra estalagem e fora visitar a mãe, que não o reconhecera. Por brincadeira, tivera a ideia de se instalar num quarto como hóspede. Mostrara o dinheiro que trazia. De noite, a mãe e a irmã tinham-no assassinado à martelada e atirado o corpo para o rio. No dia seguinte de manhã, a mulher do desgraçado viera à estalagem e revelara, sem wsaber, a identidade do viajante. A mãe enforcara-se. A irmã atirara-se ao poço. Devo ter lido esta história milhares de vezes. Por um lado, era inverosímil. Por outro lado, era natural. De todos os modos, achava que o viajante merecera até certo ponto a sua sorte, e que  nunca se deve brincar com estas coisas."


O Estrangeiro - Albert Camus.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Antiquado.

Lembro-me de ter almoçado há bastantes anos em casa de um bom amigo. Ele perguntou-me pelo blogue que eu então escrevia e falou-me de um outro onde um rapaz seu conhecido, ou melhor, conhecido de uma filha sua, transcrevia o fim de obras literárias conhecidas, famosas. Pareceu-me então uma colecção escrita de spoilers. Hoje vejo que não.


""- Diz apenas que eu sou antiquado.
Dallas olhou-o de novo e depois, com um gesto incrédulo, entrou na escada e desapareceu da vista.
Archer sentou-se num banco e continuou a olhar para a varanda cerrada. Calculou o tempo que o filho levaria no elevador até ao quinto andar, a tocar à campainha, a ser admitido no hall e depois introduzido na sala. Imaginou Dallas a entrar nessa sala com o seu passo rápido, o sorriso aberto e atraente e pensou se teriam razão ao dizer que o filho "saía a ele".
Depois, tentou ver as pessoas já na sala - pois provavelmente a essa hora social haveria mais do que uma pessoa -, e entre elas uma senhora morena e pálida que olharia rápida, se ergueria a meio e estenderia uma mão longa, esguia com três anéis... pensou que ela deveria estar sentada num sofá de canto perto do fogo, com azáleas atrás dela numa mesa. 
- É mais real para mim do que se eu subisse - ouviu-se dizer a si próprio; e o medo que a última sombra de realidade perdesse o seu limite conservou-o no banco enquanto os minutos passavam.
Ficou sentado longo tempo no crepúsculo crescente, com os olhos sempre postos na varanda. Finalmente, uma luz brilhou na janela e um momento mais tarde um criado veio à varanda, subiu as gelosias e fechou as portadas.
Então, como se fosse o sinal porque esperava, Newland Archer levantou-se lentamente e voltou sózinho para o hotel."


A Idade da Inocência, Edith Wharton.


P.S.: passados todos estes anos, agora sei que o filme de Martin Scorcese é brilhantemente FIEL ao livro.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Also about Keanu.

Keanu Reeves "no face" permite-lhe papéis que infelizmente não lhe têm sido frequentes. Ainda voltando a "My Own Private Idaho" o papel de Keanu Reeves passeia entre o mal e o bem sem dificuldade nem problema. River Phoenix não muda, pelo contrário, o seu registo nem tal seria possível, tão extremo é o que vive e representa. 
Keanu Reeves pode ser uma má pessoa. Pela sua cara nunca o saberemos.


domingo, 24 de janeiro de 2016

Keanu Reeves - the star with no Method!

Keanu Reeves não é considerado o melhor actor do mundo. E já descobri vários textos que comecam por esta frase. Mas a seguir vem sempre um "mas". E eu também não vou conseguir escapar a esse destino, por isso vá de duplicar: "mas"!
Keanu Reeves já apareceu em vários filmes importantes. Um deles é "My Own Private Idaho", de 1991 e de Gus van Sant. Contracena com River Phoenix. River Phoenix, como o seu irmão sobrevivo, Joachim, é descendente directo de James Dean e Marlon Brando. Keanu não. E esse é o maior contraste do filme e, portanto, o perfeito retrato de uma amizade entre dois prostitutos, diferrentes porque opostos, nos papéis e nos actores que os retratam. Um filme fantástico. 




Keanu Reeves é, não interpreta. É uma espécie de neo-clássico. Um Gary Cooper da viragem do século. Com "Point Break", "Speed" e "Matrix" Keanu Reeves tornou-se um herói de filmes de accão. Ele, que se auto-definira como um "meathead" e comecara a sua carreira com "Bill and Ted Excelent's Adventure", ainda consegue porém sair de vez em quando dessa caixa.




Tem, como eu 51 anos.

A dormir na consulta.

A primeira página de hoje do Correio da Manhã lembrou-me o Sr. Albino, da Abelheira, concelho de Penafiel. O Sr. Albino foi meu doente muitos e muitos anos. Teve vários internamentos comigo. Morreu no meu Hospital, apesar de ser de "fora da área".

Houve uma fase em que fazia consulta sexta à tarde. Os registos ainda eram manuscritos, etc. A Sr. Albino estava acompanhado por uma senhora - a esposa? Eu estava muito cansado, podia ter feito noite e depois ter seguido para o internamento e ter engrenado  a consulta. Ou talvez não. Sei que estava muito cansado.
O facto é que adormeci. E eu sei que adormeci porque a minha escrita comecou a derivar pelo registo abaixo - uma espécie de folhas rectangulares - até parar num risco fino - eu tinha então a mania de ter umas esferográficas coloridas que depois oferecia... Terá sido meio minuto, não mais, e o Sr.Albino e a sua companhia esperaram em silêncio que eu acordasse. E eu acordei, sorri, e prossegui.

Sim, eu também já adormeci no local de trabalho.  

sábado, 23 de janeiro de 2016

Um e Dois, onde se fala da... "Metrópole".

Um amigo meu que me dá a honra de ser meu doente já não ia a discotecas há trinta anos. Foi com uns amigos e - porque decidiu dar umas palavras de acalmia a uns energúmenos - perdeu uns dentes, partiram-lhe umas costelas, e rompeu o baço. Foda-se, nunca mais hipocoagulo uma pessoa amiga!

*

Hoje também uma doente minha ofereceu-me um livro escrito pelo pai, o jornalista Jaime Ferreira, também reconhecido pintor, intitulado "Japão Hoje", edição do próprio em 1974. O livro tem um anacronismo extremamente saboroso e retrata um Japão que hoje já é passado. Gabo-lhe o gosto de ter fotografado as pernas das japonesas, descobertas pelas mini-mini-saias. Há outras fotografias também muito interessantes. O escrever é antigo - Jaime Ferreira nasceu em 1910 - e diz coisas hoje impossíveis de escrever como "A mulher no Japão - todos o sabem pelo menos por informação literária - é débil, meiga e desinteressada tanto quanto o ser humano o pode ser." 
Percebe-se depois que a viagem de Jaime Ferreira decorreu no acompanhamento de uma missão comercial portuguesa ao Oriente, onde também houve uma paragem - obrigatória - na Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, e ainda onde, marcando na escrita um tempo que estava em vias de morrer, se fala da... "Metrópole".

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Edith Wharton - A Idade da Inocência.

"Ned Winsett tinha estes rasgos de inteligência; era o que havia nele de mais interessante e Archer pensava sempre por que é que ele tinha aceitado falhar numa idade em que a maior parte dos homens ainda luta. Archer sabia que Winsett tinha mulher e filhos mas nunca os vira. Os dois encontravam-se sempre no Century, ou nalgum lugar frequentado por jornalistas e gente do teatro, como o restaurante em que Winsett tinha proposto tomarem uma cerveja. Dera a entender a Archer que a esposa era inválida, o que poderia ser verdade ou podia significar apenas que ela não tinha maneiras elegantes ou roupas de noite, ou as duas coisas."

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Vinte e Quatro Horas.

Kiefer Sutherland estabilizou a sua imagem com a série 24 Hours. Vou contar o meu dia de ontem. 

O meu dia de ontem começou pelas 6h30m e terminou hoje, eram as dez da manhã. Ou melhor, vou mencionar apenas os picos hipertensivos.

Pelas 18h pediram-me dinheiro. Não me acontecia desde o século passado. Uma pessoa conhecida, que trabalha, em sentido lato, onde eu trabalho. Que eu cumprimento quando por ele passo, Que não tenho porque não acreditar naquilo que me contou. Que não se conseguiu sentar à minha frente por vergonha. Que me pediu ajuda para um segundo emprego  - e como posso eu ajudar quem quer que seja a conseguir um emprego, meu Deus? Não aceitou a dávida, irá devolver até ao fim do ano em curso. Tive que ir ao site do meu banco fazer a segunda correcção de trajectória do mês. E pareceu-me que tinha feito bem. Também me pareceu que me despedi daquele dinheiro para nunca mais. 

Pela uma da manhã desci para exercer "lá por baixo" mais um pouco da "magia" da minha profissão. Ao fazer a curva para a sala de emergência pareceu-me reconhecer alguém. Na sala de emergência o possível objecto da minha atenção conversava em francês com uma médica amiga. Diz-se dos magos que nunca perdem o lume dos olhos, por velhos que fiquem ou sejam. Mesmo deitado numa maca era o caso, o homem que falava francês nos seus sessenta anos avançados. A pessoa que eu quase reconhecera na curva era a autora de:

"Ao mundo acrescentas mundo / entre palavras e pausas, / roubando formas ao fundo, / forjando fundos às causas." 

Observei e questionei, ganhei a opinião primeira. E depois bati em retirada - não é o mago o inimigo do médico? - e fui apresentar-me. Vestida exemplarmente ela entretia-se sentada a bordar num pequeno bastidor. Assim se faz a melhor poesia, dizem. Sentado a seu lado lá falei. Mas sempre me senti um passo atrás. Nem já na medicina a magia me assiste. Tudo aproximadamente bem. O mago foi embora melhorado e não diagnosticado. Soube de um filme próximo que uma amizade, que é a nossa ponte, irá fazer. E eram as três da manhã.

Ainda não eram as oito da manhã mas estávamos perto. Procurava um café a tirar numa daquelas máquinas. Inventaram um artefacto que carrega dinheiro e debita das máquinas coisas, com um pequeno desconto. Subia uma pessoa minha conhecida do século passado, vidé, e que me ofereceu um desses artefactos que guardava como reserva, nele a mais três cêntimos três. Catorze horas depois de um tal de "empréstimo" já estava a receber. Tomei o café e voltei para a sala onde fui contar a minha versão do que aos meus doentes tinha acontecido nas últimas 24 horas. 

domingo, 17 de janeiro de 2016

Sampaio da Nóvoa.

Marcelo é como aquele poema de Gedeão: ele tem ou vai ter tudo, só não vai ter coluna vertebral. Maria de Belém é a católica que eu não sou. E Sampaio da Nóvoa proferiu em 2012, a convite do então Presidente da República Cavaco Silva a dez de Junho,  este discurso. 
Deixo à consideração de todos o interesse em votar em Sampaio da Nóvoa. Com todo o respeito e admiração que tenho pela aguda inteligência de Marcelo Rebelo de Sousa, votar nele a 24/01 é... votar na TVI.

domingo, 10 de janeiro de 2016

John Cale: the Island Years and Caribbean Sunset.

John Cale: que posso eu dizer?



"Music For A New Society" aconteceu nos meus 18 anos. O António Sérgio meteu-o nos doze álbuns do ano do Rolls Rock e eu comprei-o em vinil. Adorei embora não compreendesse tudo. E fiquei à espera. Lembro-me de investigar sobre um tal de Lou Reed que tinha sido o tal comparsa dos Velvet, agora/então com uma carreira em desvalorização. A minha namorada comprara "Legendary Hearts", que eu ouvi e não fiquei impressionado. E aí apareceu "Caribbean Sunset". O título seria enganador? Cale fez um álbum pop? Não: Cale está ali a cantar um pôr-do-sol que aconteceu há muitas horas, ou seja, há anos. Uma história de uma rapariga que acaba muito mal. Um pôr-do-sol a que se sucede uma noite muito má. A outra canção que a rádio usou foi "Model Beirut Recital", uma canção com a urgência de uma guerra civil. "Caribbean Sunset" foi considerado um mau álbum. E eu depois segui outros caminhos musicais.

Comprei há uns anos a colectânea "The Island Years" para tentar entrar melhor no passado de John Cale. E não foi fácil. Quando a comprei ainda não tinha readquirido a apetência rock que, apesar de tudo, os melhores 70 pedem. John Cale nos três álbuns da colectânea é muito rock. E depois é algo mais. Ou menos. O rapaz não devia andar bem. "Fear", "Slow Dazzle" e "Helen Of Troy", assim se chamam os álbuns. E é só canções com uma vontade de rasgar e romper. Ou de armar aos cágados e depois foder tudo. Os títulos esclarecem: "Gun", "Guts", "Pablo Picasso", "Sudden Death", "I'm Not The Loving Kind", "Ship Of Fools", "Barracuda", Buffalo Ballet", "Fear's The Man's Best Friend". Pelo meio umas quase baladas a falar da Sylvia, da Emily, da Mary Lou, ou simplesmente de Maria... 

"My Maria / She's a simple kind of girl / Goes to Mass / Sees the blood of Jesus flow // Ohhh Maria"



Cale viveu estes anos banhado em coca. Dez anos depois - pouco depois de "Caribbean Sunset", lá está, foi forçado a parar e por bom tempo. A letra de "Fear... etc" diz: 

"Say fear's a man's best friend / You add it up, it brings you down / Home is living like a man on the run / Trails leading nowhere, where to my son? // We're already dead, just not yet in the ground / Take my helping hand, I'll show you around / You know it makes sense, don't even think about it / Life and death are just things you do when you're bored."

E "Helen of Troy" termina assim: "You can hate me, you don't hate me /but you are swimming."

Perceberam?

PS.: há uma canção engraçada que se chama "The Man Who Coudn't Afford To Orgy". Cale canta-a pronunciando "orgy" com "G" e não com "J", como se fosse "orguy". Estaria muito chapado mas com as suas origens académicas nunca se sabe...




quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Serenidade.

"...

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
Um ninho de corais, de limos, de cabelos,
Um universo de algas despidas e retrácteis,
Um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.


..."


Raul de Carvalho, Obras de Raul Carvalho, ed. Caminho.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Jogar o Monopólio.

O jogo do Monopólio é uma invenção americana. Nasceu curiosamente para provar, pelo que percebi, a injustiça da propriedade privada dos bens da natureza, na primeira década do século XX. Chamava-se "The Landlord's Game" e alinhava pelas ideias de um economista hoje esquecido, Henry George, servindo como ilustração. O jogo era grosseiramente como hoje é. A ilustração da injustiça que é o cerne do jogo tornou o jogo paradoxalmente popular. E hoje entende-se, ao contrário da ideia original, o Monopólio como uma iniciação infanto-juvenil ao capitalismo selvagem.
É muito eficaz a fazê-lo.


A injustiça do jogo é relativa e aleatória: no começo todos têm o mesmo dinheiro. As regras são iguais para todos. Como alguns filmes que já sabemos terminar mal, o Monopólio é difícil de levar a partir do momento que um jogador toma conta de um número muito elevado de propriedades, começa a construir e a partir daí taxar todos que passam pelos seus terrenos. A partir daqui o jogo pode ser cruel. Como diz a minha mãe: "É um jogo: não há solidariedade!" O objectivo é, confessadamente, levar os demais à falência. O Monopólio é, enfim, o objectivo último. E é um prazer maldoso. 

Claro que o Monopólio permite que, porque sempre se recomeça do zero, o prazer e a dor sejam alternados. Hoje tu destróis, amanhã destruo-te eu. Muito ocasionalmente, havendo bastantes jogadores, criam-se alianças para equilibrar os pratos da balança e o jogo pode ganhar cambiantes melodramáticos menos unilaterais. 

O Monopólio pode também fornecer a ilusão aos jovens que o jogam de que, na vida real lá fora, na Economia e nas Finanças reais, também se começa sempre do zero e que o desequilíbrio dos pratos alterna. Até parece que o Capitalismo é uma história de heróis. Sabemos que não é assim. O dinheiro tem uma história e há sempre quem comece com um grande avanço. E amanhã não é um novo jogo: é o mesmo jogo de hoje, com vinte quatro horas em cima de taxas a correr... e por aí adiante, até ao previsível final.