domingo, 31 de janeiro de 2016

O Estrangeiro.

"Entre a enxerga e as tábuas da cama, eu encontrara, com efeito, um velho bocado de jornal, amarelecido e transparente, quase colado ao pano. Relatava um acontecimento cujo início faltava, mas que devia ter sucedido na Checoslováquia. Um homem partira de uma aldeia para fazer fortuna. Ao fim de vinte e cinco anos, rico, regressara casado e com um filho. A mãe dele, juntamente com a irmã, tinham uma estalagem na aldeia. Para lhes fazer uma surpresa, deixara a mulher e o filho noutra estalagem e fora visitar a mãe, que não o reconhecera. Por brincadeira, tivera a ideia de se instalar num quarto como hóspede. Mostrara o dinheiro que trazia. De noite, a mãe e a irmã tinham-no assassinado à martelada e atirado o corpo para o rio. No dia seguinte de manhã, a mulher do desgraçado viera à estalagem e revelara, sem wsaber, a identidade do viajante. A mãe enforcara-se. A irmã atirara-se ao poço. Devo ter lido esta história milhares de vezes. Por um lado, era inverosímil. Por outro lado, era natural. De todos os modos, achava que o viajante merecera até certo ponto a sua sorte, e que  nunca se deve brincar com estas coisas."


O Estrangeiro - Albert Camus.

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