sábado, 27 de setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Profetas do depois - parte 1.

Pedro Santos Guerreiro escreveu isto em 19/7 no Expresso: "O discurso dos centros de decisão nacional sempre foi essencialmente um discurso de poder, e de manutenção desse poder pelo regime vigente. Hoje é um anacronismo ridículo. O investidor estrangeiro já tomou conta. A EDP e a REN são hoje chinesas, a ANA é francesa, o BCP, BIC, Zon e Optimus são angolanos, o BPI é hispano-angolano, o BES há de ser de quem o quiser, a Cimpor é brasileira, a PT quer sê-lo, a Galp é apátrida e há dezenas de grandes empresas à venda, incluindo hotéis, seguros, saúde e imobiliário do Grupo Espírito Santo, a TAP ou os resíduos do Estado. O sistema mudou porque estava falido. O novo regime fala estrangeiro. Precisa de reguladores fortes, para que produza em vez de extrair riqueza de Portugal. Mas essa é a maior mudança a que assistimos. Não foi a troika que a trouxe, foi a dívida. O triste fim do Grupo Espírito Santo não é senão uma forma dramática e espetacular de o percebermos. Como diria José Sócrates, o mundo mudou." Pergunto-me: a pena por não serem os centros de decisão nacionais é mesmo um anacronismo ridículo ou a tristeza pelo falhanço colectivo de uma certa "cúpula" nacional? E ainda: quando teve Portugal reguladores fortes?

António.

Morreu o meu tio António. Nunca fomos próximos. Sobrinho e neto de talhantes, era ele o meu tio do talho, trabalhando no estabelecimento do pai, meu avô paterno. Maciço, corpulento, peludo, a calva mais perfeita da família com um sinal saliente. Conduzia um convenientemente desproporcionado Chrysler, muito antigo, que o meu avô tinha comprado porque, entre outras qualidades, conseguia meter carcaças na mala para levar para o talho da praia do Furadouro. Modernidades conheci-lhe só uma, a de usar calções de banho – coisa que ao meu pai, três anos mais velho, nunca vi – com os quais metodicamente adormecia na praia, para nunca mais. O nosso convívio fez-se nas muitas vezes que fui buscar carne ao talho do meu avô. Esperava, esperava, até que era atendido. Antes tinha saudado com um beijo toda a minha família que constituía a superfície frontal de atendimento: a minha madrinha – a irmã solteira mais velha do meu pai – e a esposa do meu tio António, que, essa, já faleceu há uns bons anos. E capaz de ter havido um tempo mais antigo em que os meus avós paternos também lá estavam. Faleceu, pois. Nem interessa como. Fui ao funeral, o que até serviu para ajudar o meu pai a deslocar-se, algo que já não lhe é fácil. Cumprimentei especialmente os meus dois primos filhos do meu tio, a Paula, o Luís António, ofereci-lhes a minha cara de velho compreensivo que nenhum consolo lhes terá dado. Sem irmãos a vida ofereceu-me catorze primos, treze deste lado da família. Convenientemente distribuídos pelas duas alas de contricção, o Mário, por exemplo, que eu já não via vai para uns dez anos, lembrou-me um colega e amigo que enveredou por Saúde Pública, mas não tão sério – o amigo. Curiosa esta inversão, a família a lembrar-me conhecidos. A minha prima Teresa, na fundo da sua loucura, escrevia sentada. No fim da cerimónia levantou-se e, com algum sem-jeito, pediu a palavra. Disse coisas sobre o meu tio António que o pai dela, Mário também, teria pedido para ela escrever. Não me pareceu que nenhuma das palavras escritas e lidas se aplicasse minimamente ao falecido. Digo isto e arrependo-me profundamente, opino sobre quem na realidade não conheci. A minha prima falou, falou e comoveu pois no fim recebeu palmas. Minto, não foi no fim das palavras sobre o meu tio António. Foi no fim de um outro texto, que ela teria escrito na sua infância, e que acrescentou à récita. Nele dizia e descrevia as flores de que gostava, muitas e muitas, sem mais. O meu tio jazia no caixão de flores rodeado. E com as palavras que a Teresa escolheu ela perdoou a todos aqueles que para homenagear o morto sacrificaram todas aquelas flores. Gostei muito de a ouvir, afinal. E rever os meus estranhos primos.

O Novíssimo Banco!

A minha mania com as estatísticas podia ter-me orientado para o trabalho numa Unidade de Contra-Espionagem ou ter-me transformado num terrorista informático. Tal não aconteceu. Dos meus tempos de estudioso das Páginas Amarelas lembro-me que os bancos em Portugal, evolução natural de escritórios de banqueiros, tinham nomes no nome, a saber: Borges e Irmão, Fonsecas e Burnay, Pinto e Sottomayor, Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Totta e Açores, Pinto de Magalhães. Bancos que não cumpriam este requisito eram o Nacional Ultramarino, um anacronismo (antigo emissor de moeda nas províncias ultramarinas), o Português do Atlântico – uma invenção nortenha recente e que terá sido pioneira (não sei muito bem do quê). No século XXI um reliquat desses tempos era BES. Até hoje. O Novo Banco (ex-BES) mudou de mãos este fim-de-semana. Mais propriamente das mãos de Vitor Bento para as mãos de Eduardo Stock da Cunha. Ao contrário de noticiado Stock da Cunha não é um banqueiro, é um gestor bancário. Nem Vitor Bento o era. Prometeram-lhe um projecto de refundação de um banco e depois atribuíram-lhe a tarefa de destruir um banco. Duas coisas não exactamente iguais. Não admira a demissão. Já não há banqueiros portugueses. O último (talvez) acabe preso. Porque (talvez) a Herdade da Comporta o isolasse demasiado do mundo real, da fragilidade do seu castelo de cartas. O BES era Ricardo Salgado. O Dono Disto Tudo. Não admira, portanto, que agora tudo em Portugal já não pertença a mãos portuguesas. Gerimos, quando gerimos, dinheiros estrangeiros. E morreu o último banco português. O BPI é hispano-angolano, por ex. (e o comprador mais provável). O BCP também, mais ou menos. E a Caixa pertence ao Estado, e nós sabemos como o Estado NÃO É PORTUGAL. Stock da Cunha nasceu no Santander Portugal e evoluiu para o Lloyds. Vai agora vender o BES ao desbarato, ficando o panorama bancário português reduzido à trissomia BCP/BPI/Santander mais minorias.