domingo, 27 de novembro de 2022

A marcação

Ontem fui saudado efusivamente por alguém que já não via há algum tempo. Porque sem óculos, mal a reconheci. Coincidindo na profissão, ela muito mais nova, estagiou comigo. Poucos anos depois pagou o pequeno serviço ao assistir na urgência o meu pai. De uma discrição pelo peso dos apelidos, veio ter comigo contente, quase efusiva. Que a tinha marcado, disse, quando lhe agradeci, também contente por me ter procurado. Que a tinha marcado foi dito já em retirada e deixou-me sem resposta.

Vem tudo isto também a propósito de ter sabido que no Alto Minho reside desde há 11 meses mais um Guilherme. Um sortudo, pela mãe que vai ter por todos estes anos que aí vêm. Lembrei-me depois que outra jovem mo tinha confidenciado, a mesma que há quinze dias, de férias, me contestou e ajudou profissional e prontamente, uma e outra tendo sofrido a provação de fazerem consulta comigo. 

Outra: trabalhando pouco mais do que marginalmente na que foi a minha Faculdade, acabei padrinho de formatura de alguns jovens. Lembro-me de uma que não apadrinhei. Além de estudante de Medicina era hoquista de qualidade, e não teve a coragem de me pedir para ser padrinho dela, até porque eu, preventiva ou inadvertidamente, marcara férias para a primeira semana de Maio. 

Se marco alguém, não o mereço, será talvez uma pequena parte de mim que toma conta da sala e é boa ou assim se põe temporariamente. Depois acho que passa.

Mas sei quem me marcou. E ainda vai acontecendo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O meu país é menos triste do que o Qatar.

Fui buscar uma dúzia de rissóis ao Turista. São bons. Acabei de jantar alguns. Voltarei a jantar quando a minha companhia terminar o seu duro e longo trabalhar e chegar a casa. Entrei no Turista pouco depois do segundo golo do Brasil. Num pequeno café perto, do outro lado da linha do metro, uns quantos naturais do Brasil tinham festejado ruidosamente, como deve ser. A repetição das encomendas fez com que o senhor do Turista me reconhecesse e tratasse pelo nome. Ao sair reparei numa jovem que, numa mesa pequena e sózinha, e sem a companhia sequer da segunda cadeira, comia avidamente uma francesinha. Isto acontecia no Turista, no meio da Maia. Não em nenhuma corniche reservada nem em nenhum resort murado. A jovem tinha um cabelo castanho um pouco ondulado, comprido. Não era demasiado bonita, o que é uma expressão tola e errada, da beleza nunca haverá excesso. A sua avidez, o olhar fixo na comida - seria o único prazer do seu dia? - impediu-me de a ver bem, e também porque não parei de caminhar. A maior beleza está no interesse. Seria interessante esta jovem depois da sua refeição? O que me interessou aqui foi a sua tão assumida solidão, e o foco. A francesinha do Turista é boa. 

Nada disto poderia acontecer no Qatar. A sua solidão tão completa e redonda. Por isto é que eu digo que Portugal é um país menos triste do que o Qatar. Os países são uma invenção horrível. Os países criam condições, isto é, condicionam as pessoas que neles vivem. Portugal faz isso muito menos do que o Qatar, nem melhor nem pior, menos. Por ser assim, este meu país parece-me ser menos triste do que o Qatar. 

domingo, 20 de novembro de 2022

O Tour de 60.



Para o Tour de 1960 o mapa dos favoritos tinha algumas diferenças em relação ao ano anterior. Claro que partia com o dorsal 1 o espanhol que ganhara a edição anterior, Bahamontes. Mas pairava uma incógnita sobre a sua condição, mais ainda ao não ter terminado a Vuelta, prova onde aliás nunca se dera bem. Nestes tempos "an igos" era muito frequente os corredores de CG fazerem a dupla Giro- Tour, muito mais do que hoje. Portanto olhava-se para o Giro para adivinhar quem estava forte no Tour. Não havia tantas provas de 1 semana como hoje há nem os grandes nomes se sentiam obrigados a corrê-las. Isso não quer dizer que os ciclistas destes tempos fizessem menos kms. Alguns nomes de topo sim, escolhiam bastante as corridas. Mas o grosso dos ciclistas fazia milhares e milhares de km por época, incluindo dezenas de "critérios" e "quermesses" onde se ganhava bom dinheiro. 

Posto isto, o Giro fora ganho pela primeira vez por um francês, Jacques Anquetil, embora por margem mínima, 28 segundos. O CR de 68 km tinha sido a chave. Charly Gaul ganhara o habitual "tappone", isto é a penúltima etapa cheia de contagens de montanha, mas só acabara 3º.  E Nencini na mesma etapa descera das ditas montanhas como um louco para ficar 2º a 28 segundos de Anquetil. Anquetil e Gaul decidiram não vir ao Tour. Gaul talvez pelo desgosto do ano de 59, medo do concorrente Bahamontes, ou porque sim/não. Gaul era um tipo esquisito. Anquetil, por outro lado, optou por não entrar numa equipa onde o número um era o vice-campeão do ano anterior, Henri Anglade, e a nova sensação era o detentor do Record da Hora, Roger Riviére. Eram estes os dois cabeças de cartaz franceses, falando-se até mais de Riviére do que de Anglade. Riviére parecia ser uma espécie de Anquetil mas com "mais nervo"... Os italianos traziam o homem que ficara no Giro a 28'' de Anquetil: Nencini. Vinha também Baldini, o velho Defilippis e alguns nomes novos: Imerio Massignan, Graziano Battistini, Arnaldo Pambianco. Nos belgas os nomes do costume: Adriaensens, Brankart, Hoevenaers, Planckaert, Janssens. Na equipa internacional apareciam (pela última vez seria) Alves Barbosa e Antonino Baptista.

O Tour começou com uma dupla etapa, tão do agrado dos ciclistas. De manhã 108 km entre Lille e Bruxelas. Alves Barbosa integrou a fuga e chegou em 6º. Antonino Baptista para não desmerecer atrasou-se 6 minutos. Pela primeira vez em cinco anos a primeira etapa não era ganha por Darrigade. Na fuga, atenção, viajaram 3 belgas, Plackaert, Hoevenaers e Adriaensens, o italiano Nencini e o francês Anglade! À tarde aconteceu um contrarrelógio à volta de Bruxelas de 28km. Riviére ganhou, Nencini foi 2º, Anglade 4º, dentro do mesmo minuto. Bahamontes perdeu uns miseráveis 4' e meio. Alves Barbosa até fez bem melhor do que ele, Antionino Baptista não. Nencini estava de amarelo, Anglade era 2º, Alves Barbosa oitavo.

A 2ª etapa rolou até Dunkerque. Uma fuga terminal decidiu a vitória. Ninguém importante perdeu tempo, os portuguese sim, Barbosa uns poucos minutos, Baptista mais. Aconteceu, porém, um escândalo: Bahamontes abandonou pouco depois de começar a etapa, queixando-se do estômago. A sua má época confirmava-se. Na etapa seguinte, até Dieppe, a fuga tomou mais tempo e assim um dos homens da fuga, Joseph Groussard, ficou com a amarela. Barbosa aguentou-se desta vez no pelotão, Antonino Baptista não. Na etapa 4 voltou a ganhar uma fuga com gente importante, Anglade outra vez, Baldini. Nencini foi prejudicado por um furo. Anglade, o 2º classificado do ano anterior, estava agora de amarelo. Em Espanha falava-se que Bahamontes ia ser consultado por um Psiquiatra. Barbosa era 58º, Antonino Baptista 118º e penúltimo. Na fuga da etapa para St Malo dois belgas, Adriaensens e Plackaert entraram na fuga e assim corrigiram posições. 

A 6ª etapa até Lorient fez história. A 100km da meta Nencini ataca e leva com ele Riviére, Adriaensens,e o alemão Hans Junkerman, o vencedor da Volta à Suiça de 59.  Ganharam na meta mais de 14' ao pelotão onde ia Anglade, o número 1 francês. Riviére ajudou os colegas de fuga pelo menos durante a a primeira metade da escapada e falou-se em traição. Mas ganhou a etapa e, sendo o querido do público, estava tudo bem. Adriaensens tinha agora a amarela, Nencini era 2º a um minuto, Anglade 6º a dez. Anglade ameaçou abandonar, mas não o fez. E profetizou que Riviére acabara de entregar o Tour a Nencini pois não o conseguiria acompanhar nas montanhas. Na 7ª etapa até Angers Antonino Baptista participou na fuga do dia, dando assim algum brilho à sua prestação. As etapas seguintes não tiveram grande história no que aos primeiros lugares diz respeito.

A primeira etapa pirenaica terminava em Pau depois de passar o Aubisque. Ganhou a etapa Riviére, tendo ao lado Nencini, Battistini, o espanhol Manzaneque e o francês Rostollan. O pelotão dos outros melhores chegou a Pau com atraso de 2 minutos. Alves Barbosa perdeu aqui 13 minutos, Antonino Baptista 26. Nencini recuperara a amarela mas tinha Riviére a segundos. A etapa rainha dos Pirenéus acumulava Tourmalet, Aspin e Peyresourde, e terminava em Luchon. Um jovem suiço, Kurt Gimmi, escapou-se no Tourmalet e ninguém mais o viu. Nencini por seu lado atacou no Peyresourde e ganhou tempo com a equipa italiana a comandar os acontecimentos..A equipa italiana. aliás, tinha agora Battistini e Pambianco no top dez, e Imerio Massignan perto. Riviére, Adriaensens e Anglade tinham perdido minuto e meio para Nencini,. Os portugueses voltaram a perder muito tempo. Terminados os Pirenéus a etapa para Toulouse não teve história. Na etapa Toulouse-Millau o italiano Battistini esteve na fuga e passou para 4º da CG, fuga onde esteve presente também o mais irrequieto dos espanhóis, Fernando Manzaneque, irmão mais velho do Jesus Manzaneque que venceria a Volta a Portugal de 73. Antonino Baptista terminou esta etapa fora do tempo de controlo. Restava Alves Barbosa. Era dia de descanso.

A etapa 14 tinha alguma ondulação mas nada de extraordinário. Porém, numa das descidas, Riviére despistou-se e caiu num precipício, fracturando a coluna lombar. Iria a perseguir Nencini, que era um descedor temível. Abandonou o Tour e nunca mais voltou a competir. A vida de Nencini ficava agora facilitada. Adriaensens era o segundo, a pouco mais de dois minutos. Alves Barbosa era 78º. A etapa 15 terminava em Gap. a antecâmara habitual dos Alpes. A equipa italiana controlou a etapa, percebendo-se que os mais fortes da equipa não eram nem Defilippis nem Baldini. A etapa 16 era a etapa rainha dos Alpes, com o Vars e o Izoard. Foi um recital italiano. Battistini chegou primeiro a Briançon, seguido de Imerio Massignan. Meio minuto depois o grupo de Nencini onde apenas estavam Planckaert, Junkerman, Rohrbach e Pambianco. No top dez 4 italianos. Adraensens perdera 1 minuto para Nencini, Anglade dois minutos. os 4 italianos de que falamos também estavam no top dez da geral. Nencini primeiro, Adraiensens 2º agora a mais de três minutos, Battistini terceiro, Pambianco sétimo, Massignan nono. A etapa até Aix-les-Bains tinha 4 prémios da montanha mas com dureza decrescente e o último não muito perto da meta. De qualquer forma fez-se uma selecção de dez corredores que foram os que chegaram juntos à meta: neles Nencini, Anglade, Battistini, Massignan. Os belgas perderam mais terreno: Adriaensens dois minutos, Planckaert 3. Battistini era agora segundo com Nencini primeiro. O Tour estava entregue, salvo algum acidente. Alves Barbosa era 67º em 84 sobreviventes. Na etapa até Thonon-les-Bains, de média montanha, o melhor espanhol em prova, Manzaneque, venceu destacado com 12' de vantagem sobre um calmo pelotão.

A etapa 19 foi um contrarrelógio de 83 km. Tinha sido desenhado para Anquetil e Rviére, nenhum deles estavs presente, um por abstenção, o outro por dramática queda. Ganhou um especialista, o suiço Rolf Graf. Nencini foi terceiro, Battistini foi quinto. A Itália tinha garantido não só o primeiro mas os dois primeiros lugares. As outras estrelas italianas não eram craques do CR mas mantiveram-se no top dez. Adriaensens era terceiro a 10' de Nencini. As duas últimas etapas serviram apenas para cumprir calendário. Nencini vencera categoricamente este Tour com o seu lugar-tenente Battistini a ser segundo. No terceiro lugar o belga Adriaensens e quarto o alemão Junkerman. No quinto lugar Joseph Planckaert, sexto Raymond Mastrotto, o melhor francês graças a um CR excelente dois dias antes, sétimo Pambianco, que viria a ganhar o Giro de 61, oitavo o desmoralizado Anglade, nono o francês Rohrbach, e em décimo outro trepador italiano, Imerio Massignan. Alves Barbosa foi 65º.

Os portugueses só voltaram ao Tour em 1969 com Joaquim Agostinho.

A fotografia acima mostra Riviére e Nencini. Roger Riviére morreu aos 40 anos por complicações de um cancro da laringe.  A sua vida tinha sido assombrada por variadíssimos problemas, parte deles a ver com a sua dependência de opióides, iniciada já nos tempos de ciclista.

O Tour de 59.




O ano de 59 vinha muito bem lançado. No Giro de Itália tinha acontecido um embate feroz entre Charly Gaul e Jacques Anquetil, com este a perder o Giro numa penúltima etapa cheia de montanha, ao ter aquilo que os franceses chamam "un jour sans" e os espanhóis mais prosaicamente chamam "una pájara". Ness etapa Anquetil perdera 9 minutos. Gaul era neste momento o detentor do título das duas Grandes Voltas, fazendo uma de Coppi ao contrário. Conseguiria ele repetir a dose de 59? 

Começando ao contrário, portugueses na equipa Internacional voltavam a se dois: Antonino Baptista e Sousa Cardoso, este provavelmente por uma vitória tida numa etapa da Vuelta. O Luxemburgo de Gaul voltava a ser emparelhado com a Holanda. A equipa belga voltava a ter um ramalhete interessante: Adriaensens, Brankart, Janssens, Planckaert, Hoevenaers. Brankart ganhara o recentemente criado GP du Midi Lbre, Hoevenaers tinha sido segundo na Gent Wevelgem e primeiro na Fléche Wallone, o segundo nesta sendo Marcel Janssens, Os italianos tinha Pierino Baffi para caçar etapas e Ercole Baldini e Vito Favero (nenhum deles a fazer uma grande época) para a Geral. Baldini, porém, trazia as insígnias do título de Campeão do Mundo, conquistado em 58 à frente de Bobet. A França apresentava Anquetil à cabeça, a prometer a vingança do acontecido em França (nunca um corredor francês ganhara o Giro), mas ao lado apareciam Bobet, Geminiani e um rapazito novo, Roger Riviére, 22 anos, que prometia muito. Os espanhóis voltavam com Bahamontes (Loroño recusara-se a ter um papel de subordinado na equipa e não alinhava) e a equipa Centre Midi acumulava Henri Anglade, Forestier, Dotto, Rohrbach e Louis Bergaud. Anglade era campeão de França e vencera recentemente o Dauphiné e fôra 2º na Volta à Suiça.

O percurso voltava a começar a montanha nos Pirenéus, desta vez um pouco mais cedo, à 10ª etapa. Voltava a haver 3 contra-relógios, sendo o do meio uma crono-escalada no Puy de Dôme.

Pelo 4º ano consecutivo Darrigade ganhou a primeira etapa. Dos principais Bahamontes e Hoevenaers chegaram na frente e ganharam minuto e meio. A 2ª etapa chegava a Namur, na Bélgica. Pelas lutas finais o pelotão chegou aos soluços. com pequenas diferenças. O vencedor da etapa fora o italiano Vito Favero. Era engraçado neste terreno ver Bahamontes 3º da geral. A 3ª etapa terminava no velódromo de Roubaix e aqui Antonino Baptista consegue entrar na fuga vitoriosa e é 7º na etapa. Algo para contar aos netos. Esta fuga ganhou 11' a um manso pelotão e colocou transitoriamente Antonino Baptista no top dez! A quarta etapa até Rouen foi decidida ao sprint sem mais. Na 5ª etapa uma fuga com pouca história recompensou outra vez Favero e Hoevenaers.

A 6ª etapa era um contra-relógio de 45 km. E foi ganha pela nova sensação francesa Roger Riviére.  Anquetil foi apenas 3º, tendo ainda pela frente o italiano Ercole Baldini. A seguir o suiço Rolf Graf, o francês Gerard Saint, e depois Gaul, Brankart e Anglade. Bahamontes foi 10º perdendo 3'. Bobet perdeu 4'. Sousa Cardoso 5', Antonino Baptista 7'. Este miraculosamente ainda era 10º na CG, mas Riviére como primeiro dos ases aparecia logo atrás. A etapa 7 rendeu uma fuga e com isso forneceu a Adriaensens e ao irrequieto Hoevenaers, 4' extra. Nas 2 etapas que se seguiram de aproximação aos Pirenéus, a etapa até Bordéus não teve muito que contar, a que terminou em Bayonne foi mais mexida e com um selecto grupo de "primeiros" a chegar a Bayonne pouco depois da escapada. O belga Eddy Pauwels era o nova camisola amarela. Os favoritos estavam separados por segundos. Era dia de descanso.

A etapa 10 tinha o Tourmalet no caminho e perto da meta. A equipa belga criou a surpresa ao inventar uma fuga, que no sopé do Tourmalet tinha 15 minutos de vantagem. Isto permitiu que fosse um belga a ganhar a etapa, Marcel Janssens, embora a amarela fosse para o francês Vermeulin, que também tinha participado na fuga, No Tourmalet Bahamontes e Gaul deixaram os outros para trás e chegaram à meta juntos com minuto e meio de avanço sobre Anquetil,  Riviére, Baldini, Anglade, Bobet. Outros belgas deram-se mal: Brankart e Adriaensens perderam tempo, Geminiani também. Sousa Cardoso chegou a oito minutos de Bahamontes, Baptista foi último.  Na etapa 10, com o Aspin e o Peyresourde, Bahamontes e Gaul voltaram a atacar nas montanhas mas depois fez-se uma junção parcial e chegaram 25 corredores juntos a St Gaudens, onde até Darrigade (futuro Campeão do Mundo em 59) ganhou ao sprint. Quem tinha perdido tempo? Brankart 3 minutos, Janssens (pagando o esforço do dia anterior) nove, idem Geminiani. Sousa Cardoso voltou a portar-se melhor do que Antonino Baptista.  A etapa 13 para Albi não teve história. Como estavam as coisas depois dos Pirenéus? À frente um peão francês, Vermeulin,. A seguir duas incógnitas belgas, não conhecidos como trepadores, Armand Desmet e Hoevenaers. Depois, uns minutos depois, apareciam 4 franceses a saber: o jovem Gerard Saint, Henri Anglade, Roger Rviére e François Mahé. Depis um trio de estrrangeiros: Baldini, Bahamontes e Gaul. Finalmente aparecia Adriaensens e só agora Anquetil. Janssens, Bobet e Brankart estacvam um pouco mais para trás, Geminiani tinha desaparecido em combate. Sousa Cardoso era 48º, Antonino Baptista 72º. 

Na etapa 13, etapa de média montanha, tinham anunciado que Bahamontes ia atacar. Atacou e cedo. E atacou e atacou. Um grupo pequeno de corredores conseguiu resistir e depoii das montanhas conseguiu apanhá-lo.Quem? Anglade, que ganhou a etapa, Anquetil, Baldini, François Mahé, o inglês Brain Robinson e o belga Adriaensens. A 4 minutos chegaram os belgas Hoevenaers e Eddy Pauwels, Brankart, Roger Riviére, o espanhol Fernando Manzaneque e o francês Bergaud. Charly Gaul apagou-se nos últimos quilómetros da etapa e perdeu em 50 km 20 minutos (o calor?), a par de Louison Bobet. A lista de candidatos estava agora bem mais curta. Sem Charly Gaul, o campeão em título. A etapa queimou muitos corredores que desistiram ou cortaram a meta fora do controlo. Sousa Cardoso e Antonino Baptista safaram-se com 32' de atraso. A etaspa 14 pouco adiantou, terminando em Clermont-Ferrand. 

A etapa 15 era o contrarrelógio no Puy de Dôme. E... Bahamontes ganhou. Gaul foi segundo a mais de um minuto. Depois três franceses, Anglade, Rivkiére, Anquetil, por esta ordem. Agora Brankart, depois mais três franceses, Saint, Huot e Mahé e, em décimo Adriaensens. Em 11º o antigo campeão Bobet, a cinco minutos, numa subida onde Bahamontes só tinha gastado 36'15. A maior desilusão? Ercole Baldini. Sousa Cardoso foi 45º, Antonino Baptista 78º e penúltimo. Lembro que Sousa Cardoso venceria a Volta a Portugal em 1960 com o Porto. Agora a amarela estava com o belga Hoevenaers mas por 4 segundos apenas, com Bahamontes em segundo. No mesmo minuto estavam o belga Eddy Pauwels e o francês Henri Anglade. Anquetil era sexto, mas a 5 minutos. Anglade era agora o capitão de França? Mas Bahamontes aparecia realmente como favorito, o melhor trepador que não se tinha deixado atrasar na primeira metade do Tour, ao contrário do habitual. Faltavam os Alpes e um último e longo contrarrelógio. A etapa 16 pouco adiantou, Pauwels ganhou segundos e a amarela, um detalhe. Estávamos em St Etienne e este ano havia um 2º dia de descanso.

A etapa 17 foi a primeira dos Alpes, terminando em Grenoble. Gaul e Bahamontes terminaram a etapa isolados. Gaul ganhou a etapa, Bahamontes a amarela.  Todos os demais chegaram num largo pelotão quase quatro minutos depois. Sousa Cardoso não acabou a etapa. Antonino Baptista perdeu também muito tempo. A etapa 18 englobava o Galibier, o Iseran e mais, mas só um furo de Bahamontes nos km finais permitiu um ataque de alguns. com vitória de Baldini em St Vincent. Segundos ganhos por Gaul, Anglade mas não Anquetil. Bobet desistiu nesta etapa. Dois belgas, que eram 2º e 3º, Hoevenaers e Pauwels, perderam algum tempo. Antonino Baptista aguentava-se nos últimos lugares, a duras penas. A última etapa alpina terminava em Annecy e passava no Grd San Bernardo e no Forclaz (2 vezes). Um curto pelotão formou-se logo no Grd S Bernardo que assim se manteve até à última subida. Antes o suiço Rolf Graf isolara-se - e ganhou a etapa. Na última subida voltou a atacar Bahamontes, respondeu Gaul. Ao fim do dia Antonino Baptista cortou a meta fora do tempo de controlo. Os Alpes tinham sido demasiado pesados para os dois portugueses. 

A etapa 20 não teve história. Ganhou Brian Robinson com 20' de avanço sobre o pelotão. A etapa 21 foi um contrarrelógio de 69 km. Bahamontes partiu para o mesmo com 5'40'' de avanço sobre Henri Anglade e 10'14'' sobre Jacques Anquetil. Ganhou a etapa Roger Riviére, com mais de 1 minuto de avanço sobre Anquetil. Bahamontes só perdeu cinco minutos para Anquetil e dois minutos para Anglade. Gaul não se esforçou e perdeu muito tempo. Bahamontes tinha 4'01'' de avanço sobre Anglade, 5'05'' sobre Anquetil e 5'17'' sobre Rivi'ere. Anglade podia queixar-se da falta de apoio do resto da equipa francesa, mas o Tour pertencia a Bahamontes sem espinhas. 

A última etapa foi uma barbaridade de 331 km até Paris, mas terminou em pelotão. Bahamontes era o vencedor. O público francês aplaudiu o vencedor, o segundo Henri Anglade também foi aplaudido. Anquetil e Riviére não. Bahamontes vencera na montanha e também no plano, ao defender-se nele melhor do que o habitual. 



quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O Tour de 58.


O Tour de 58 começou com um cheirinho a novo. A prova de 57 tinha sido categoricamente ganha por um rapaz francês de 23 anos, Jacques Anquetil. Que envergava o dorsal um, agora um ano mais velho. Mas na mesma equipa aparecia Louison Bobet. Dez anos mais velho, vencedor do Tour por três vezes, de 53 a 55. Louison Bobet levava uma época pouco brilhante. Voltara a tentar ganhar, como em 57, o Giro de Itália, outra vez sem êxito. Mas também Anquetil só tinha aparecido a ganhar os 4 Dias de Dunkerque, aproveitando que a prova tinha um contra-relógio. O Tour era o Tour. Iria a selecção francesa ter dois patrões? E as outras selecções? A equipa belga tinha gente com qualidade até dizer chega. Marcel Janssens, Joseph Planckaert, Jan Adriaensens, Jean Brankart. Destes só Brankart já tinha mostrado serviço: fôra 2º no Giro, à frente de Bobet, e 2º nos 4 Dias de Dunkerque, atrás de Anquetil. Os italianos apostavam todas as fichas no trepador Nencini. A sua última sensação, Ercole Baldini, vencedor categórico do Giro, não quisera vir ao Tour. Os espanhóis traziam só Bahamontes, deixando Loroño em casa. Na Vuelta, ganha por um francês, Stablinsky óptimo rolador que tinha comido as dificuldades espanholas de cebolada, o melhor espanhol tinha sido Fernando Manzaneque, um jovem, que também vinha ao Tour. O Luxemburgo de Charly Gaul era desta vez emparelhado com os holandeses, estes sem estrelas. Uma equipa regional francesa destacava-se, a Centre-Midi: com Geminiani, Anglade, Rolland, Dotto e Rohrbach. E os portugueses? Alves Barbosa, que tinha feito uma Vuelta razoável, vinha acompanhado por Antonino Baptista, corredor também do Sangalhos, e que dos restantes portugueses que se tinham deslocado à Vuelta, talvez tivesse sido o outro a dar alguns apontamentos interessantes. Estavam integrados numa equipa dita "Internacional" que era chefiada pelo austríaco Adolf Christian, um surpreendente terceiro no ano anterior. Começemos então.

O desenho do Tour de 58 deixava a montanha por acontecer até à etapa 13 (num total que era de 24). E oferecia a Anquetil três contra-relógios, embora um deles fosse uma crono-escalada Mont Ventoux acima. Anquetil era considerado internacionalmente o melhor contra-relogista do mundo, le "Monsieur Crono". Portanto os trepadores teriam muito que sofrer nesta primeira metade do Tour.

A primeira etapa saiu de Bruxelas em direcção a Ghent. Pelo terceiro ano consecutivo foi ganha pelo francês Darrigade. Não houve nenhum favorito com perdas de tempo importantes. Alves Barbosa tentou entrar na fuga e não conseguiu. Na 2ª etapa, que vai até Dunkerque, mais do mesmo. Os belgas atacam e na fuga fica Adriaensens, com um colega, Hoevenaers, a ganhar a amarela. Vantagem porém escassa Os portugueses voltam a chegar no pelotão. O espanhol Bahamontes, aparentemente doente, perde mais de nove minutos. O francês Anglade perde ainda mais. Jean Forestier, o 4º lugar do ano passado, desiste. A 3ª etapa segue petrto da costa e é a 3ª etapa com menos de 200km! Nova fuga a ganhar, sem grandes figuras, um pelotão descansado chega 6' depois. O veterano holandês Wim Van Est ganha a amarela. Por alguma razão quase toda a equipa Internacional, com os dois portugueses, chega 45'' depois do pleotão. a 4ª etapa vai até Versailles e na fuga ganhante volta a estar infiltrado Adriaensens. Ele e Planckaert têm agora uns 4' de avanço sobre Anquetil, Gaul, Bobet. Sobre os portugueses nada a assinalar, mantiveram-se no quentinho do pelotão.A etapa 5 entrou na Bretanha e terminava em Caen. A pouco mais de metade do percurso atacou Bobet e seguiram-no Anquetil, Nencini, Planckaert e Geminiani. Não mais seriam apanhados. A dois minutos chegaram Gaul,  Adriaensens e Brankart. Bahamontes perdia mais oito minutos e os dois portugueses e mais um montão de gente chegaram 13 minutos depois. Bauvin ganhava a amarela mas por empréstimo, ele não era cabeça de cartaz. 

A etapa 6 seguia na Bretanha até St Brieuc. Em nova saga de ataques e contra-ataques saiu a ganhar na frente Geminiani, a par do francês Anglade e do austríaco Christian, estes a recuperar de atrasos pretéritos, Geminiani não. O holandês Voorting ganhara a amarela mas Geminiani era terceiro com 12 minutos de avanço sobre Anquetil. O srestantes favoritos estavam por ali perto de Anquetil com a excepção de Bahamontes que já estava a 28  minutos. Barbosa voltara a chegar com o pelotão principal, Antonino Baptista chegaou atrasado.Marcel Janssens foi obrigado a abandonar com o braço partido. A etapa 7 até Brest pouco contou, permitindo numa escapada que Bahamomntes recuperasse dois minutitos. A etapa 8 era o primeiro contra-relógio, 46km no circuito de Chateaulin que ainda hoje se corre. E a surpresa foi Anquetil não ganhar mas sim Charly Gaul, por 7 segundos. Gaul não era só um grande trepador, tinha também um bom contra-relógio, mas bater Anquetil... A seguir ficaram Planckaert e Brankart, Geminiani sexto, Bobet sétimo,  Adriaensens oitavo, Nencini nono. Bahamontes defendera-se bem. Num CR que durou mais de 1 hora, os primeiros 4 ficaram no mesmo minuto. E Gaul explicara ao que vinha. Por outro lado Anquetil ficara dois minutos à frente de Bobet, pelo que a liderança da França ficava a ser só uma... 

Na etapa 9, descendo pela costa até St Nazaire, finalmente Alves Barbosa apareceu e terminou 4º. incorporado na fuga do dia. Darrigade vencia a 2ª etapa e reclamava outra vez a amarela, um detalhe. Nova fuga na etapa 10 até Royan só serviu para gastar as forças dos franceses a defender a amarela de Darrigade. Barbosa era agora 31º. A etapa 11 terminou dem Bordéus e nos seus escassos 137 km nada de muito emocionante acoteceu.  A etapa 12 seguiu para Dax e também pouco contou. Os corredores sabiam que agora vinham aí os Pirinéus. E depos do contra-relógio de Chateaulin, o favorito de todos era Charly Gaul.

Antes dos Pirenéus vamos então rever os tempos: pondo como referência Anquetil, Geminiani tem 8'19'' de avanço, Bauvin 3'43'', Planckaert 3'06''. Adriaensens tem 1'07'' de atraso, Gaul 1'25'', Bobet 2'06'', Brankart 2'42'', Nencini 2'45''. Fora de combate para a geral estava Bahamontes, com um atraso de 18'05''. Na etapa para Pau ficava perlo caminho o Aubisque. Bahamontes faz uma demonstração de força, vernce no Aubisque e sobe assim a primeiro do Prémio da Montanha. A descida para Pau permite que quase todos se reagrupem. Barbosa chegou com o pelotão traseiro, Antonino Baptista foi último a chegar. A etapa 14 tinha o Peyresourde antes da descida clássica para Luchon. Geminiani era agora o líder da prova. Na etapa 14 Bahamontes voltou a atacar e desta vez, com uma descida para a meta mais curta, conseguiu chegar isolado e ser primeiro. Gaul, que também se tinha destacado dos demais, foi apanhado e no primeiro grupo a 2 minutos de Bahamontes chegaram Anquetil, Geminiani, Bobet, Bauvin, Brankart, Nencini. Adriaensens e Plackaert perderam dois minutos. Os dois portugueses chegaram no último grupo. Antonino Barbosa era agora o último da classificação geral. Pelas bonificações subia a líder um italiano completamente desconhecido, Vito Favero.

A etapa 15 vai até Toulouse. Nos 1ºs kms tem alguma montanha onde Bahamontes volta a ganhar a Gaul. Aguerra entre estes dois parte o pelotão em dois. Na primeira parte vão chegar a Toulouse todos os favoritos, na 2ª parte, 24' depois, o resto, incluindo Alves Barbosa. Não foi o caso de Antonino Baptista que chegou fora do controlo e terminou aqui a sua primeira aventura francesa. A etapa 16 terminou em Béziers e não teve história. A etapa 17 foi diferente: mais uma vez Bahamontes saltou do pelotão para ganhar pontos na montanha e depois, embalado e com a companhia de Jean Dotto, continuou em fuga. Foram depois e por sorte apanhados e ajudados por outros escapados que lhes permitiram obter mais de 4' de vantagem na meta. Bahamontes estava agora apenas a 11' de Anquetil. Seguia-se o Mont Ventoux.

A crono-escalada do Mont Ventoux teve dois protagonistas: Gaul e Bahamontes. Ganhou o primeiro, o segundo ficou apenas a 31'' numa subida que demorou mais de uma hora a fazer. Brankart perdeu 2'57. Anquetil 4'09, Bobet 4'54, Geminiani 5'01, Adriaensens 5'35, Nencini 7'24! Geminiani voltava a primeiro, Favero segundo mas Gaul já era terceiro.

Mas o Tour nestes tempos era uma corrida mais incerta do que hoje. Na etapa 19 de transição para os Alpes, alguns dos perdedores do Ventoux decidiram atacar: Nencini, Geminiani, Adriaensens, Anquetil. E Favero, o desconhecido Favero, e um espanhol interessante, Salvador Botella. Gaul e Bahamontes (que caiu) perderam 11 minutos, Bobet só perdeu 6 porque se isolou em posição intermédia. Bahamontes estava definitivamente arredado da Geral, a hipótese Charly Gaul tremia.A etapa 20 terminava em Briançon e tinha o temível Izoard pelo caminho. Bahamontes ganhou com uma longa escapada em solitário. Dos favoritos colocara Nencini a 2', Anquetil, Adriaensens, Geminiani e Favero a 4', Louison Bobet a set minutos. Geminiani era primeiro, Favero a 3'47, Anquetil a 7'52, todos os restantes estavam a mais de 12'. Alves Barbosa só sobrevivera a estas etapas. 

A etapa 21 tinha muita montanha e 219 km mas nenhum Izoard. De qualquer forma na segunda subida do dia Charly Gaul atacou... e ninguém mais o viu. A sua vantagem tornou-se rapidamente notória. Importante agora saber nesta cavalgada quem lutava para o 2º lugar. A Aix-les-Bains, o destino da etapa, chegou 2º e a 7'50 Jan Adriaensens. O terceiro foi o surpreendente italiano Vito Favero, a 10'09. Geminiani chegou a 14'35, Nencini e Bobet a 19'01, Anquetil, curiosamente acompanhado de Walkoviak, a 23'14, Bahamontes, a muito custo, a 29'55. Parecia que Gaul tinha permitido a Bahamontes no dia anterior selar o Prémio da Montanha para hoje atacar a Geral. E efectivamente Favero voltara a vestir de amarelo mas Gaul estava só a um minuto. Barbosa, que chegou ao fim da etapa com mais de uma hora de atraso, terá sido repescado. O esperançoso espanhol Salvador Botella desistira. Acontecera História no Tour de France.

A etapa 22 aconteceu entre Aix-les-Bais e Besançon. Não teria história não fosse os sinais de doença respiratória de Anquetil. Belgas e italianos forçaram o ritmo ao máximo e foi só com grande esforço que a equipa francesa trouxe Anquetil até ao pelotão. No final uma fuga meteu Nencini pelo meio e este subiu de 6º para 5º ultrapassando justamente Anquetil. Mas a vitória ia decidir-se entre Geminiani, Gaul e o tal italiano Favero.Alves Barbosa voltou a chegar muito atrasado, desta vez com um colega de equipa, o irlandês Seamus Eliott.

Para a etapa 23, um contra-relógio de 72 km, Anquetil não partiu. Ganhou Gaul, seguido de perto por Nencini, Adriaensens, Planckaert e Geminiani. Favero foi 7º, Bahamontes 17º e Bobet um surpreendente 28º.  Gaul era o novo camisola amarela, o prognóstico escrito à porta dos Pirenéus tinha-se confirmado mas de uma forma estranha, com uma vitória cósmica numa etapa de média montanha e com performances acima da média nos contra-relógios. 

Atrás de Gaul o italiano Favero e o francês Geminiani no pódio. De Favero não se voltaria a ouvir falar, qual Walkoviak. Depois Adriaensens e Nencini, e a seguir em distâncias já acima de 25' Planckaert, Bobet, Bahamontes, Bergaud, um francês, e o belga Hoevenaers. Alves Barbosa terminou 76º e antepenúltimo, um lugar abaixo de Roger Walkoviak, o vencedor de 56 quando Barbosa tinha sido décimo. 



   


terça-feira, 15 de novembro de 2022

O Tour de 1958. O Tour de 1959. O Tour de 1960.

Já escrevi que as presenças portuguesas nos Tours de 1958, 59 e 60 não foram nada de jeito. Mas valerá a pena espreitá-las só pela mera curiosidade de que aconteceram e, por outro lado, porque em cada Tour vale sempre a pena saber o que aconteceu:  é a História Maior do ciclismo a fazer-se. E, porque os registos são fáceis de consultar, já vos digo que nestes anos ganharam o Tour três ciclistas diferentes, e logo três trepadores de três nacionalidade diferentes. O Tour, depois de 1960, só voltaria a ter como vencedor um trepador em 1976. 


PS.: e que seria de mim sem a hemeroteca do jornal desportivo catalão Mundo Deportivo?

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Tour de France 1957 - a vez de Ribeiro da Silva.



O ciclismo protuguês continuou a afirmar-se fora de fronteiras em 1957. E desta vez através de um rapaz de 22 anos chamado José Manuel Ribeiro da Silva. Nascido em Lordelo-Paredes, surpreendera Alves Barbosa ao ganhar a Volta a Portugal em 55. Segundo em 56, participaram os dois na selecção portuguesa que foi à Vuelta a España em 57. Ribeiro da Silva foi quarto, num pelotão interessante onde constavam os italianos Fornara e Nencini, os franceses Gemoiniani, Bauvin e Walkoviak (o tal vencedor do Tour em 56) Possivelmente alguns só estariam a fazer rodagem e a preparar-se para o Giro ou o Tour. Mas mesmo assim. À frente de Riberio da Silva só ficaram Loroño, que esteve intocável e ganhou com oito minutos de avanço sobre Bahamontes e em terceiro Bernardo Ruiz, um veterano espanhol também de grande qualidade. Alves Barbosa aparecia em 17º, do resto da selecção portuguesa só tinha sobrevivido Agostinho Ferreira que terminou penúltimo.

Portanto, os dois, Ribeiro da Silva e Alves Barbosa. Apareciam no Tour de France englobados na famosa equipa Luxemburgo-Mista, outra vez tendo Charly Gaul como chefe de fila. 

E quem eram os favoritos do Tour nº 44? 

Vendo o que tinha sido a época de 57 até Junho, a nova estrela francesa Anquetil ganhara o Paris-Nice. As corridas de um dia foram apanhadas por especialistas das mesmas. A Vuelta como já vimos pertencera aos espanhóis, com Loroño melhor que Bahamontes. O Giro fora ganho pelo local Nencini, que negara a vitória a Louison Bobet - Bobet não corria o Tour, não fora seleccionado. Gaul fôra quarto em Itália, Geminiani quinto. A Volta à Suiça pertencera ao italiano Fornara, que também não vinha ao Tour. 

Ficava então a equipa de França com Walkoviak com o nº 1 mas siginificativamente Anquetil como nº 2. Bauvin e Jean Forestier logo a seguir. Dos espanhóis já falámos, vinham os dois rivais Loroño e Bahamontes. Gaul era a incógnita luxemburguesa. Os italianos traziam Nencini que vencera o Giro mas também os capazes Astrua, Padovan e Defilippis. Os belgas traziam à cabeça Adriaensens (Ockers falecera no fim de 56 num infeliz acidente de pista) mas também Close, Marcel Janssens e o jovem Joseph Planckaert. Os holandeses mantinham Wout Wagtmans como aposta para a CG. Na Suiça um nome novo, Rolf Graf. Nas equipas francesas regionais apareciam Dotto, Lauredi, Antonin Rolland e dois jovens, Marcel Rohrbach, que ganhara o Dauphiné, e Henry Anglade..

L'Équipe dava como favorito Bahamontes, visto o acontecido no ano anterior. Vários franceses apareciam como hipóteses logo atrás, entre eles Jacques Anquetil. A vitória no Paris-Nice mostrara que era algo mais do que um ás no Contra-Relógio. Tinha 23 anos. Ribeiro da SIlva 22.

As Grandes Voltas nos anos cinquenta eram muito mais incertas do que viriam a ser quinze, vinte anos depois, com o Tour de 56 a ser um caso extremo. Os roladores e as equipas masi fortes aproveitavam as etapas planas longas, sempre com mais de 200 km para fazerem cortes, provocar fugas, fazendo perder tempo aos trepadores e aos corredores das equipas piores. Por outro lado, as etapas de montanha raramente terminavam em alto. Era preciso saber descer ainda melhor do que subir. Um trepador que descesse mal ou que rolasse mal não tinha a vida fácil.

A 1ª etapa do Tour de 57, plana, entre Nantes e Granville, seguiu o desenho do ano anterior e, numa fuga voltou a ser o francês Darrigade a ser a primeira camisola amarela. Mas calma, os favoritos chegaram a terra minuto e meio depois, incluindo Ribeiro da Silva. Alves Barbosa perdeu algum tempo. A 2º etapa também aconteceu na Bretanha e decorreu sob um calor asfixiante. Nesta etapa desistiu Charly Gaul e meia equipa luxemburguesa. A intolerância de Gaul ao calor tornar-se-ia famosa. Isolado ganhou a etapa o francês René Privat, mas o mais importante era referir dos favoritos quem chegou nas primeiras linhas: Bahamontes, o italiano Astrua e os franceses Bauvin, Dotto e Forestier. Mas as diferenças, lembrando 56, eram escassas. Dos portugueses, Barbosa segurara-se razoavelmente, Ribeiro da Silva não, perdendo 27 minutos.

No dia a seguir um CR por equipas foi o aperitivo para uma etapa de roladores vespertina. Onde Anquetil ganhou a primeira etapa no Tour da sua vida. A equipa francesa voltou a atacar e criar uma fuga. A ideia era roubar tempo a Bahamontes antes dos Alpes. Não conseguiram. Mas puseram tempo em muita outra gente. Nos primeiros dez minutos da CG estavam Bahamontes, Astrua, Dotto, Nencini e Anquetil. E o vencedor do ano anterior, Walkoviak. Mas ninguém falava nele. Nem nos portugueses, Barbosa no lugar 46, Ribeiro da Silva no 58.

A etapa 4 terminava em Roubaix e continha muito pavé. O calor continuava a castigar. Venceu um jovem belga, Marcel Janssens, isolado, que daria que falar. O pelotão principal chegaria 11 minutos depois, com os dois portugueses. O francês Forestier  ganhara algum tempito mas a amarela era ainda de Privat. Janssens entrara para o top dez. Da equipa luxemburguesa tinham desistido todos os luxemburgueses. Restava um alemão, um inglês e... os dois portugueses. Barbosa andou um pouco escapado no início da etapa, sem mais.

A etapa 5 ia até Charleroi e voltava a seguir um caminho tipo "clássica", com pavé. Com menos calor mas chuva. Anquetil e Bauvin atacaram logo no início. Bauvin ganhou a etapa, Anquetil a amarela. Não houve pelotão organizado à chegada. Marcel Janssens perdeu apenas minuto e meio, Bahamontes doze. Os portugueses chegaram pouco depois. No top dez oito franceses. Em segundo Marcel Janssens,  a 1 minuto. As distâncias ainda não eram proibitivas. A etapa 6 terminou em Metz e pouco acrescentou. A etapa 7 terminou em Colmar e também decorreu com pouca animação. Loroño correu na fuga e recuperou 8 minutos, Anquetil emprestava a camisola amarela a uma terceira figura. Bahamontes o melhor espanhol, Astrua o melhor italiano. Barbosa 37º, Ribeiro da Silva 48º.

Finalmente na etapa 8 Alves Barbosa conseguiu entrar na fuga e terminar 8º e ganhar 17' ao pelotão. Com ele ganharam o mesmo tempo Loroño, Forestier, Forestier ganhava a amarela e 14' de avanço sobre Anquetil, Loroño entrava no top dez, ultrapassando o seu chefe-de-fila. Barbosa subia a 16º, Ribeiro da Silva, perdendo algum tempo era 50º, num pelotão que agora era só de 79 corredores. 

A etapa 9 acontecia como a última antes do dia de descanso e dos Alpes. Anquetil entra na fuga do dia aproveitando uma pequena subida, e acaba por vencer a sua segunda etapa. Dos belgas só Plackaert ia com ele, Janssens não, e também não o camisola amarela Forestier. Este ia para o dia de descanso apenas com 2.39 de avanço sobre Anquetil que se percebia ser o patrão da equipa. No top dez seis franceses. O veterano holandês Win Van Est estava a 11 minutos, os belgas Planckaert e Janssens a 12 e 15 minutos respectivamente, Loroño é 10º a 18 minutos. Bahamontes abandonou espalhafatosamente nesta etapa por dores num braço dizem uns, por birra ao ver-se ultrapassado por Loroño, dizem outros. Os dois melhores escaladores estavam fora.

A 10ª etapa terminava em Briançon e passava o Telegraph e o Galibier. Escaparam Janssens e Nencini, ganhando este a etapa. Anquetil subiu bem e voltou, portanto, ao esperado primeiro lugar. Loroño chegou logo a seguir a Anquetil mas 4 minutos passados... Ribeiro da Silva subiu mais ou menos, Alves Barbosa em marcha atrás... O primeiro adversário real de Anquetil era Marcel Janssens e era 4º a 11 minutos...

A etapa 11 para Cannes tinha no começo ainda alguma coisa de Pirenéus mas o mais importante foi o calor e a distância, 286 km. No final Nencini e Janssens atacaram Anquetil, que se defendeu com qualidade. Loroño e os portugueses foram apanhados desprevenidos no final e levaram  + 5 minutos de atraso. A etapa 12 terminava em Marselha e tinha a subida icónica do Mont Faron. Vitória isolado de Stablinsky, um francês de origem polaca e futuro ganhador da Vuelta e do Campeonato do Mundo. O grupo de Anquetil e onde vinha Ribeiro da Silva ganhava mais cinco minutos a Loroño. Alves Barbosa chegou dentro do controlo mas resvés...  As principais ameaças a Anquetil eram ainda Marcel Janssens a 11 minutos, Nencini a vinte! Ribeiro da Silva tinha subido para 31º. Barbosa descido para 40º.

Na etapa 13, plana, Loroño e Bauvin recuperaram numa fuga 10 minutos. Da equipa Luxemburgo-Mista restavam   os portugueses. Eram mesmo outros tempos. Na etapa 14 Ribeiro da Silva entrou na fuga e ganhou 16  minutos. Nesta fuga o único austríaco do pelotão, Adolf Chriatian, subiu ao 4º lugar. Ribeiro da Silva era agora 27º.

A etapa 15a decorreu até Barcelona sem grandes aventuras. Algo terá acontecido a Alves Barbosa, que fechou último, com 25' de atraso. De tarde aconteceu um Contra-Relógio nas encostas de Montjuich. Anquetil ganhou à frente de Forestier e Loroño. Alves Barbosa foi 14º, Ribeiro da Silva 23º. Ribeiro da Silva 28º, Alves Barbosa 50º.

A etapa de 16 foi de transição em direcção aos Pirenéus e pouco rendeu. Na chegada a Aix-les-Termes as diferenças mínimas. Na etapa 17 passou-se o col du Porrtillón e aqui sim Loroño deu luta e distanciou Anquetil. Mas na descida para St-Gaudens as forças equilibraram-se. Alves Barbosa chegou fora do controlo, Ribeiro da Silva ficava sózinho.

A etapa 18 era a etapa dita rainha, com o Tourmalet e o Aubisque. No dia a seguir à eliminação de Alves Barbosa, Ribeiro da Silva ia ter o seu dia de glória. Pouco depois da partida criou-se a fuga e Ribeiro da Silva entrou nela. Quando chegaram ao Tourmalet o português tomou a dianteira e não mais a largou, passando primeiro no alto do Tourmalet. Atrás dele Dotto, Loroño, Anglade, Nencini e Adriaensens- Todos tinham conseguido ganhar algum tempo a Anquetil. Ribeiro da Silva foi apanhado na descida e os grupos juntaram-se mas o Aubisque voltou a separar os melhores trepadores, e a descida até Pau nâo permitiu novo reagrupamento. Nencini venceu a etapa, Loroño, Dotto e Andriaensens tinham ganhou mais de dois minutos a Anquetil, idem Janssens que se tinha incorporado tardiamente ao grupo da frente. Ribeiro da Silva terminou a etapa no grupo de Anquetil e era agora 21º. No dia seguinte, como único sobrevivente da equipa do Luxemburgo, seria incorporado na equipa France-Sud-Oest. Ribeiro da Silva ganhou o Prémio da Combatividade nesta etapa.

A etapa 19 foi um passeio até Bordéus onde se permitiu que um italiano ganhasse a etapa com mais de 20 minutos de vantagem sobre o pelotão. A etapa 20 foi um CR de 66 km que deu a quarta vitória de etapa a Anquetil. Ribeiro da Silva não era um all-rounder como Alves Barbosa e desceu dois lugares para 24º (já tinha antes sido ultrapassado pelo tal italiano dos 20'...). A classificação ficara decidida em Pau. Anquetil tinha agora com o CR uma vantagem de 14'56'' sobre o belga Marcel Janssens, a seguir apareciam a surpresa austríaca Adolf Christian, o francês Jean Forestier e o espanhol Loroño.

Nsda de importante aconteceu nas duas etapas finais, ambas ganhas pelo velocista francês Darrigade. Ribeiro da Silva ainda perdeu mais um lugar para outro italiano que tinha participado na fuga da penúltima etapa. Anquetil era o novo herói francês. Ribeiro da Silva tinha tido o seu momento de glória. Morreria num acidente de viação a 9 de Abril de 1958. 

Graças à qualidade das prestações de Alves Barbosa em 56 e Ribeiro da Silva em 57, houve ciclistas portugueses convidados para os Tours de 58, 59 e 60.  Em 61 já não. As proezas não se tinham repetido. Em 62 o Tour passou a ser disputado por equipas comerciais como as restantes provas do calendário velocipédico. Teríamos de esperar por 69 para ter um português - Joaquim Agostinho - a correr o Tour.

domingo, 13 de novembro de 2022

Tour de France 1956 - a epopeia de Alves Barbosa


Praticamente desde o seu início a Volta à França tornou-se na prova mais importante do calendário velocipédico internacional. O ciclismo de estrada tem Campeonatos do Mundo, Europeus, etc., mas a multiplicidade das suas provas, de um dia, uma semana, três semanas, percursos planos, montanhosos, em paralelo, rugosos, com calor, com frio, com vento, fazem com que uma época tenha uma longa e sinuosa narrativa, composta por várias sub-histórias, com um pico em terras de França - le Tour - mas que permite no fim do ano, quando as chuvas e o frio fecham as estradas ao desporto, longas conversas sobre quem foi o melhor no ano, quem foi o patrão do pelotão. 

Em 1956 o calendário era já parecido ao de hoje. Havia duas provas de três semanas a dominar o calendário, com o Giro com uma importância então relativamente mais próxima ao Tour do que hoje. Havia também uma Vuelta a España, mas sem a tradição e o peso das outras duas e, o que era pior, acontecendo imediatamente antes no calendário ao Giro de Itália, Os espanhóis pagavam forte para conseguir algumas estrelas na sua prova, mas tinha então um percurso que, comparando, era bem mais fácil do que o Giro ou o Tour,

O ciclismo tinha no início do decénio vivido um período de grande domínio italiano. Coppi fora o primeiro ciclista a conseguir a dobradinha Giro-Tour, primeiro em 1949, depois em 1952. O seu grande adversãrio em 1949 tinha sido outro italiano, Bartali, vencedor do Tour em 1948. Em 1952 não houve adversário à altura. Coppi não voltou mais ao Tour. Uma estrela em ascenção em França. Louison Bobet, ganhou 53, 54 e 55. Em 1955 Bobet era o melhor ciclista do pelotão. Para além do Tour tinha ganho a Volta à Flandres na primavera e, antes do Tour, o Dauphiné, uma prova de uma semana ainda com pouca história mas que já se entendia como preparação para o Tour. 

O Tour tinha criado a sua especificidade nos anos trinta ao funcionar com equipas representando os diferentes países, enquanto o Giro sempre correra com equipas comerciais. Isso tinha qualidades e defeitos. Permitira um bom número de vitórias francesas nos anos trinta, com Leducq, Magne e Speicher. E agora permitira a Bobet o primeiro naipe de três vitórias seguidas, algo nunca antes acontecido.

Como seria em 1956? Louison Bobet tinha terminado o ano de 1955 no bloco operatório, drenando um abcesso nadegueiro complicadito, coisa que afligia frequentemente os ciclistas. Em 1956 voltou a correr tarde mas o suficiente para ganhar a Paris-Poubaix. Uma recidiva dos problemas nadegueiros fizeram-no parar. O Tour teria um novo vencedor.

A vitória no Giro fora enfaticamente conquistada por Charly Gaul, um eremita luxemburguês de 24 anos considerado o melhor escalador do pelotão internacional. Iria Charly Gaul repetir em França? Ele tinha sido terceiro em 55. As principais equipas, a francesa, a belga, a italiana, não tinham nenhum consagrado a dominar as apostas. Vivíamos tempos de transição. O belga Brankart tinha sido segundo em 55, Os franceses Rolland e Geminiani respectivamente quinto e sexto, o italiano Fornara tinha sido quarto com apenas 20 anos de idade. As casas de apostas estavam confusas.

A equipa de Charly Gaul chamava-se "Luxembourg-Mixte", pois o Luxemburgo não tinha ciclistas suficientes de qualidade para formar uma equipa. Completavam a equipa o pioneiro inglês Brian Robinson e... o português Alves Barbosa. Pela primeira vez um português corria o Tour! Não sei como Alves Barbosa chegou a esta equipa mas posso adivinhar: dois meses antes Alves Barbosa tinha acabado oitavo nos 4 Jours de Dunkerque, uma prova muito competitiva para roladores. Só Agostinho e Rui Costa fariam melhor. Como chegara ali? Mas chegara e prestara provas.

O pelotão do Tour em 1956 era predominantemente francês. Para além da selecção propriamente dita, a França fornecia mais cinco selecções regionais, algumas delas com algumas figuras de peso, como Jean Dotto, o vencedor da Vuelta. Já agora, a Espanha levava os rivais Bahamontes e Loroño, escaladores eméritos, e Miquel Poblet, classicómano que também sabia subir. 

A primeira etapa aconteceu entre Reims e Liége, 223km. Uma etapa remexida como uma clássica belga. Ganhou Darrigade, uma das figuras da equipa francesa e especialmente fadado para estas estradas. Ganhou o sprint numa fuga onde em sexto lugar chegou... Alves Barbosa! Na primeira etapa corrida no Tour por um português este conseguia um top dez! Quase todos os favoritos chegaram com o pelotão, sete minutos depois. Atrasados? Os italianos Fornara e Nencini, os espanhóis Bahamontes e Loroño.

A 2ª etapa foi mais do mesmo. Ganhou o belga De Bruyne, também escapado, e o pelotão chegou pouco depois, partido. Perderam algum tempo os franceses Geminiani e Dotto. Alves Barbosa perdeu mais de 12 minutos.e desceu de 6º para 60º. Terá caído? O ritmo e o esforço do dia anterior demasiados?

A 3ª etapa era entre Lille e Rouen. Chegaram à meta 9 escapados com mais de 15 minutos de avanço sobre o pelotão. o 8º neste grupo? Alves Barbosa! Uma fuga com sucesso que cubrira mais de 150 km dos 225 da etapa. Ninguém dos favoritos perdera tempo. Alves Barbosa voltara ao... 6º lugar da geral!

O 4º dia teve duas etapas, uma coisa que nestes tempos era frequente. De manhã um contra-relógio de 15 km em circuito. Ganhou Charly Gaul, que além de trepador exímio também rolava bem. A seguir classificados ficaram o belga Brankart, o espanhol Bahamontes e o belga campeão do mundo Ockers. Estes lugares funcionaram como um statement, para dizer quem eram os mais fortes. O melhor francês foi Raymond Elena, uma figura secundária, mas interessante sim logo a seguir estar Bauvin, um potencial líder. Dos italianos Fornara fora oitavo. Alves Barbosa num honroso 19º lugar. À tarde em 125km até Caen novo golpe de teatro, com nova fuga a ganhar 15 minutos ao pelotão mas com um grupo intermédio de notáveis a apenas perder uns dois minutos - neste grupo estavam Bauvin, Ockers, Fornara, Nencini, Wagtmans. Mas não Charly Gaul nem Bahamontes nem Brankart. Com esta confusão toda dos favoritos estava só Bauvin em 10º, Ockers em 11º. Alves Barbosa descera a 14º.

A 5ª etapa foi ganha outra vez pela fuga mas todos os mais recolheram-se no pelotão. Sem qualquer história este dia pode ter sido dos mais importantes deste Tour. Pelos minutos ganhos por secundárias figuras. A 6ª etapa foi também ganha pela fuga. Vivia-se uma paz podre. Ninguém mais perdia tempo. Mas não havia um patrão. Gaul perdera imenso tempo na etapa 4b, talvez demasiado. Idem Brankart.

A 7ª etapa foi ainda mais louca. Nos 244 km entre Lorient e Angers, trinta homens meteram 18 minutos ao pelotão. Na escapada seguiram seis italianos... mas não Fornara. Dos franceses cabeça de cartaz só Bauvin. Dos belgas vários nomes também mas Ockers não nem Brankart. Ninguém mandava, ou ninguém obedecia. Alves Barbosa recebera carta-branca da equipa - dizem - e entrara na fuga também. Charly Gaul não. Nem nenhum espanhol. Alves Barbosa era 14º a 18 minutos dum tal de Roger Walkowiak, um francês duma selecção regional. Todos os favoritos favoritos estavam bem para trás, muito para trás. Alguns nomes começavam a aparecer como candidatos: os franceses Bauvin e Lauredi, o holandês Wagtmans, o belga Adriaensens. 

Na 8ª etapa ganhou Poblet, uma pequena vingança dos espanhós. Voltou a ganhar uma fuga e nos escapados que ganharam tempo figuravam Adriaensens, Wagtmans, Bahamontes, Loroño. A 9ª etapa até Bordéus quase não teve história. A etapa 10, que levou o Tour até Bayonne e, portanto, às portas dos Pirenéus, teve novo grupo de escapados onde apareciam os mesmos nomes, Bauvin, Adriaensens... um novo camisola amarela, o holandês Gerrit Voorting. Barbosa chegara intermédio no dia - ? - e estava em 12º! Todos os favoritos à partida estavam a mais de quarenta minutos de distância naquele que até agora tinha sido o Tour mais rápido da história!

As etapas 11 e 12 foram as etapas pirenaicas. Na primeira passava-se o Aubisque, na segunda o Peyresourde. Gaul e Bahamontes mostraram os dentes, o francês Darrigade segurou-se à boleia dos demais e surpreendentemente voltava à camisola amarela na 11ª etapa. Barbosa perdeu muito tempo na 11ª etapa para Pau mas fez top dez na 12ª para Luchon. Em Luchon porém Darrigade estourou e havia um novo camisola amarela, o jovem belga Adriaensens. A menos de 5 minutos dois franceses de 2ª linha que pareciam ser as únicas ameaças reais: Lauredi e Bauvin. Barbosa era 12º a 20 minutos, 25 minutos à frente do seu chefe de fila, Charly Gaul. 

A etapa 13 terminava em Toulouse. Tinha bastante montanha na primeira metade da etapa mas tudo terminou em pelotão. Gaul lutava agora apenas pela camisola de Rei da Montanha. Na etapa 14 nova fuga com mais de uma dezena de minutos de vantagem. Wout Wagtmans, holandês que já fora 5º no Tour em 53, é agora segundo. Bahamontes incorporou-se na fuga e assim conseguiu ficar a apenas 27' da liderança! Faltavam os Alpes e o Puy de Dome. Ou as fugas em plano decidiriam a contenda? Na etapa a seguir o pelotão volta a a partir-se. Adriaensens tem um dia mau e Wagtmans herda a amarela. Bahamontes volta a estar no grupo da frente e sobe a 14º, a apenas... 27' de Wagtmans! Barbosa chegara com Bahamontes e mantém-se em 12º.

Depois do único dia de descanso, a primeira etapa alpina. Terminava em Gap. Em 1956 ainda não havia chegadas em alto, por questões logísticas e financeiras. A vantagem dos trepadores era portanto sempre um pouco atenuada. Mas Alves Barbosa neste dia foi valente. Colocou-se no grupo de escapados logo no início, e aguentou até ao fim, tendo sido terceiro na meta. No primeiro grupo chegava Bahamontes que a pulso tinha trepado sozinho até aos escapados. Os oito minutos para o pelotão resultaram em Barbosa subir de 12º a 10º, Bahamontes de 14º a 13º. As diferenças havidas antes eram muito grandes. Quem dos "vencedores" das fugas e que compunham o top dez do Tour resistisse melhor daqui para a frente ia ganhar a prova,

A etapa rainha era agora: Gap-Turim, com o Izoard e Sestriéres pelo meio. Bahamontes voltou a ser o destaque nos escaladores. A Turim, porém, chegarm juntos dezasseis homens, incluindo Bauvin, Wagtmans e Walkowiak, este um rolador francês anónimo de uma equipa regional que até já tinha estado de amarelo. Eram agora o top três. A etapa a seguir terminava em Grenoble e ainda continha muitos Alpes. Charly Gaul, para seu prórpio consolo, ganhou-a destacado, aproveitando um problema mecânico de Bahamontes. Dos três referidos atrás Walkoviak chegou primeiro, ao lado de Bahamontes (os espanhóis dizem que com a ajuda do público, claro). Barbosa tinha feito estas duas etapas de uma forma mais modesta, perdendo uns dez minutos por dia. Mas em balanço, tendo em atenção que a outros a coisa até tinha corrido pior, Barbosa em Grenoble ainda era 10º! Os três da frente ainda eram os mesmos, mas agora a amarela era de... Walkoviak! O que podia ainda acontecer até Paris? Walkoviak, o resistente, ia ganhar um Tour?

A etapa 19, até Saint-Etienne, voltou a ver uma batalha entre Bahamontes e Charly Gaul pelo prémio da montanha e com Bahamontes a querer recuperar mais tempo. Mas Walkoviak e Bauvin perderam pouco deste, as montanhas já não eram assim tão grandes nem as diferenças causadas. Bahamontes era agora quinto mas a onze minutos de Walkoviak. Alves Barbosa distraíra-se e descera para o 11º lugar. No dia a seguir um contra-relógio "decisivo" de 72 km. Walkoviak perdeu tempo mas não demasiado. Bauvin ficou a 1.25, um ressurgido Adriaensens a 3.07. Bahamontes subira a quarto lugar mas a mais de 10 minutos, ultrapassando Wagtmans. Um CR razoável devolvera Alves Barbosa ao seu décimo lugar. O seu capitão Gaul,  apesar das montanhas, só subira até 13º, a cinco minutos!

A penúltima etapa pouco mudou. Os favoritos chegaram num primeiro grupo de uns vinte, que Barbosa não falhou. Adriaensens sim, perdendo uns segundos. Para a última etapa franceses e belgas ainda prometiam luta. Que não aconteceu. A única escaramuça? O italiano Defilippis a tentar roubar o quarto posto a Bahamontes, sem sucesso. Dos favoritos Bahamontes era o que terminava à frente, em quarto lugar, mas "tarde demais"! Alves Barbosa, que era um corredor "completo", isto é, bom rolador, com boa ponta final, trepador interessante e contra-relogista razoável, tinha conseguido um feito histórico numa Volta à França sem patrão e onde os roladores tinham enganado as figuras. Walkoviak era um rei envergonhado que rapidamente voltaria ao esquecimento.

No Tour de 57 a história seria outra: ia aparecer um novo patrão e ele teria um nome, Anquetil!