domingo, 18 de junho de 2017

Pedrógão era Grande.

Lembro-me da IC-8 junto a Pedrógão. Fi-la para lá e para cá, quando fui levar e buscar a minha filha ao Andanças. A concessão da via chama-se sintomaticamente "Pinhal  Interior" e, na verdade, ali não há mais nada, com a diferença que algum pinhal já é hoje eucaliptal. O relevo é nervosito, o Zêzere domina o terreno, impõe declives. A transição entre as Beiras Litoral e Baixa é quente, muito quente, a terra, lembro-me de xisto, vê-se logo ali, a desertificação uma possibilidade equacionada. Água? Alguma, represada. As árvores vão até ao rés da estrada, das casas, dos rios. Não se vê uma leira, um descampado, um respirar. Ontem numa reunião de família falou-se nas novas instalações da Navigator que vão abrir em Cacia. Sim, Portugal é uma potência no que ao papel diz respeito. Não iam querer que ele fosse todo reciclado, certo? A monocultura do pinhal e do eucaliptal tem destas coisas, ás vezes arde, e com pessoas lá dentro.

domingo, 11 de junho de 2017

Ver Ovar pelas costas.

Como às vezes me custa percorrer as ruas de Ovar! Terra de pequena gente, sem heróis do mar nem génios da escrita, vale por um todo que está muito para além do azulejo. Ovar cresceu lentamente, desde o possível senhor godo que a inventou - os godos têm efectivamente as costas largas - até hoje. Ovar vive de um tripé que é o mar, a ria e a terra, o Furadouro, a Ribeira e S.João, estando a Vila no meio para comerciar tudo. A Vila que terá vivido os seus tempos áureos quando o seu mercado era pela centro afora, cada praça ou largo com a sua especialização. Muitos ainda sabem onde é (era) a Praça das Galinhas. Os anos da (má) construção vieram porém destruir a harmonia quase toda. Os Campos, o Calvários, as Ribas, a Rua da Fonte, a Rua dos Lavradores, não há um pedaço de Ovar onde não tenha crescido um mamarracho. Ou dois ou três, que o medo à solidão também acontece ao que é muito feio.

Recentemente criou-se o Parque da Cidade. Tarde veio e um pouco desirmanado - percebe-se que o arquitecto Sidónio Pardal terá vindo a Ovar só para tirar as medidas e não para pensar como podia fazer do parque algo DE Ovar. Daí este Parque da Cidade ser uma fotocópia em ponto muito reduzido do que há no Porto, sem qualquer variação. Bom, ainda bem que se fez, pronto!. No parque, para poente, vêem-se as traseiras das casas da Rua da Fonte, pequenas, simples, assimétricas. 

De Ovar gosta-se mais se vista pelas costas... 

domingo, 4 de junho de 2017

Os livros da primária e o meu tio.

Não sei onde hoje se aprende a ser bom. Muito ouvi criticar os meus livros da primária. Porque Lourenço Marques e a mulher que bem em casa estava, etc etc. Lembro-me da história de Filémon e Baucis. Morrendo abraçados sob a forma de um carvalho e uma tília, porque não queriam sobreviver um ao outro. Quanto aprendi naqueles livros. O meu tio Guilherme era um homem bom. Morreu ontem. Nunca lhe ouvi uma voz mais alta. Fugia de casa pela antena de radioamador, uma brincadeira. E sorria, coisa tão rara nos Gamas. Não me atrevo a dizer que uso o seu nome, embora seja assim. Sou Manuel Guilherme e Gama. Aqui onde escrevo, em Ovar, sou Manuel. Por recondicionamento o meu pai, Manuel também, chama-me hoje Guilherme. Assim esta noite. O meu tio Guilherme permitia-me a esperança de haver um Gama com bom coração, que eu nele adivinhava bem mais que nos restantes irmãos. Do meu ainda tenho dúvidas. No que diz respeito ao meu nome obrigado pelo empréstimo, hoje sei - explicaram-me - que era o certo e é. Se existisse o Zeus da história o meu tio já teria morrido há uns meses e estaria agora numa qualquer encosta, na forma de uma árvore e abraçado a outra árvore. Mas em Ovar não há encostas e Zeus não existe. Viver é então um trabalho lento e cujo fim se esgota na própria vida. Amemos então. E seja.