terça-feira, 24 de março de 2015

Para Memória Futura.

PARA MEMÓRIA FUTURA.

Gosto dos que vivem
Sem intervalos,
Que não negoceiam,
Dos que levam o
Que é recusado à
Parede e perdendo
Ainda apostam e na
Queda ganham,
Gosto.

Gosto dos que pela
Vida não se vendem,
Uniformes, levantados,
Como farol que
Repete e não se engana,
Gosto. Dos que não
Só esperam mas ficam ou vão
E mal ou bem decidem,
O mundo é mais espesso e
Quente porque persistem
E estão, Gosto. Dos que
Mesmo arruinados mais
Altos são, porque têm
No coração como que
Dez andares e cada um deles
É a memõria completa do
Que ainda está por
Contar, gosto.

Firmes, exactos,
Completos. Sem buracos,
Sem omissões. Secretos.
Enormes.

Gosto. Admiro.
Prefiro.

terça-feira, 17 de março de 2015

Mafamude.

Domingo que passou, pelo fim da manhã, fui ao cemitério de Mafamude, mais concretamente a uma das capelas mortuárias, prestar as minhas últimas homenagens a alguém. A morte senta-nos. A morte faz silêncio. E assim estávamos. Um senhor de idade apareceu pela porta, não dizendo nada. O filho do falecido pretendeu orientar a sua, talvez, desorientação: “aqui ao lado também está…”. Continuou sem nada dizer e, lentamente, saiu. Saímos nós meia hora depois, e o senhor idoso continuava por ali, curiosamente ao lado do meu carro. E falava. E falou. Que o meu carro estava bem vigiado, por ele. Que se a policia viesse nos avisava. Que naquele dia ainda não tinha comido nada. Que – eu disse-lhe que íamos tomar um café ali em frente - se preciso nos iria avisar. E que uma sopa seria bem vinda. Fomos tomar o café, rápido. A morte apressa as coisas. À porta do café o senhor idoso estava à nossa espera. O dinheiro que eu lhe dei não pagaria uma sopa, por exemplo, na Alemanha.

segunda-feira, 2 de março de 2015

A reentrada de uns braços.

"E se eu esticar tanto, tanto os braços...", o que pode acontecer?

Ouvi esta frase três dias seguidos. Pensei logo: eles podem partir, separando-se da nave-mãe, o corpo, eu, vão-se embora, devagar, como pequenos submarinos em lenta propulsão, ou naves não tripuladas que trinta anos depois chegam a algum lado mas, para mim, o gajo de trinta anos antes, que adianta? Eram meus, os braços, e foram-se embora. E agora? Como abraçar?

Claro que esta coisa de perder os braços podia ser melhor trabalhada,  podia usá-los como boomerangues, ora um ora outro, com objectivos precisos e não demasiado longínquos para não acontecer aquela merda dos trinta anos, ora um ora outro, à volta fazer-lhes perguntas, trabalhar os dados, muito complicado seria planear a parte mais difícil de todas, a REENTRADA no corpo de que um dia partiram. 

Hummmm...

Ontem o Cavendish ganhou a Kuurne, o Sporting levou três do Porto, e choveu uma chuva paneleira, chata. Ah, e foi o teatro.
Em Ovar a neta fez cócegas ao avô, jogou às cartas com a avó, protestou pela imbecilidade do Got Talent, e com razão. Quis mostrar-lhe um texto que vinha no Expresso sobre Marilyn Monroe e o seu início, muito bem escrito, mas os jornais são sempre tantos naquela mesa... 


Na volta vim a ouvir as músicas da letra S, e a minha filha comentou-me como aquela canção redonda do Stevie Wonder lhe fazia lembrar o filme Silver Linings etc, "Don't You Worry'bout A Thing", era a canção e é. Tomávamos nesse momento "aquele caminho" que é como quem decide andar à roda para sempre porque se está ali tão bem. Porém, tu e eu sabemos que "para sempre" quer apenas dizer um bocado mais de tempo do que o habitual.