segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Amadeo dizia a verdade.

A chalupa

Amadeo de Souza Cardoso disse, entrevistado: "Sou impressionista, cubista, futurista, abstraccionista? De tudo um pouco." A exposição que reside até 16/12 no MN Soares dos Reis no Porto recomenda-se e em abundância. Atravessa-se as cores escuras das primeiras salas da exposição permanente, os tons suaves dos primeiros realistas, Silva Porto, etc., e a sala das esculturas do patrono, Soares dos Reis. E preparem-se. A pintura acima, "A chalupa". Futurismo, certo? A pintura do meio, "Máscara de Olhos Verdes". Fauvismo, não? Amadeo foi muito mais do que a última descoberta da explosão cubista da Escola de Paris. E a pintura final? Lembra Mário Eloy, o pintor português louco, décadas depois, o que mais próximo nós tivemos do... Expressionismo! Como se chama o quadro? "O Jovem Louco".

Green Eye Mask - Amadeo de Souza-Cardoso

Resultado de imagem para loucos amadeo souza cardoso

O Exame, de Cristian Mungiu (with spoilers).

Porque decido ver um filme? Porque fui ver o filme “O Exame” de Cristian Mungiu (vidé entrevista)? Por um equívoco de metalinguagem. Nem mais. Giro. Correu bem.

É de cem minutos a demora média de um filme. É muito tempo. É um piscar de olhos. 

O PIB per capita da Roménia é metade do de Portugal. Tenho talvez metade da capacidade de esforço que tinha há vinte e cinco anos. Fiz recruta há, isso, exactamente 25 anos. Sofri o velho teste de Cooper à entrada e à saída. Impressionante o que um mês fez pela minha capacidade física, já então no limiar da deficiência. Hoje… O romeno é uma língua engraçada, soa a italiano cortado com checo, como se fosse uma droga de rua. Soa bem mesmo assim, como as drogas de rua que batem bem mesmo assim, cortadas. Portugal vive em queixa. Imaginem agora metade do nível de vida que temos, metade ou um pouco menos.

E, porém, o nível de vida não tem nada a ver com a vida das pessoas, suas curvas e acidentes. As linhas que prendem e seguram, grossas ou finas. Sempre há  linha que é mais fina, mal entrançada ou enganosa na força. Pensamos que apenas parte delas são importantes, que há aquela e aquela amarra que podemos deixar cair e porém olhamos para baixo e o abismo logo aparece, logo ali. Assim o filme, que é o filme sobretudo de um pai, um cirurgião predominamente honesto numa Roménia predominantemente mini/médio-corrupta, que quer lançar a filha, rapariga de boas notas para fora dde tudo aquilo, para Cambridge, para fugir ao PIB per capita inferior a metade do português. Um romeno que sobreviveu a toda a Roménia – tem idade para ainda ter conhecido Ceausescu, e depois a transição, e depois todos os desastres da história política romena recente… - mas que quer, em suma, que a filha deixe de ser romena. Um doente meu pagou o curso de medicina a um sobrinho na Roménia – correu bem, divertiu-se imenso, foi bem recebido mas as palavras-chave são “já voltou”. Ninguém quer aquilo?

O filme tem duas cenas que ditam a sua qualidade, que me parece bastante. Numa a polícia romena, num alto arborizado e servido por um teleférico, procura alguém. Vemos meia dúzia de polícias, parados, com binóculos, olhando para um lado, para o outro, parados. Procuram sem procurar. Que se só para que conste. O chefe de polícia, amigo de infância do cirurgião, conversa com este sobre o que são os "factos da vida" na Roménia. E depois diz: “Bela vista, esta!”. Responde o cirurgião: “Quando éramos crianças a vista para o outro lado era a melhor. Mas as árvores cresceram!” Sim, como ver? Como decidir? As árvores cresceram. Pouco depois o cirurgião, que degrau a degrau vi perdendo mulher, amante, filha, honestidade, carro, numa paragem de autocarro julga ver o maltratador da sua filha. Sai e procura-o, no meio da noite, por entre estranhas casotas de madeira, zonas abandonadas. Mas nada lhe acontece. Nada. Espera-se um ataque que não acontece. Chega a casa da amante e dorme no sofá. "Onde" em sua casa dormia antes, no sofá.

Assim é sempre, as verdadeiras e definitivas crises são raras, vislumbramos o abismo, o ataque, a degola. E não. O tempo passa e sempre acontece menos do que parecia. Mas passa o tempo, ora se passa. Cem minutos, e o fim de um período lectivo. Pai a querer o melhor para a filha. Filha que duvida. O que um filho não vê não é visto - regra número um.

O exame final acontece, no Norte costumamos dizer que “quem não chora não mama”. Uma vez vigiei uns testes, uma aluna começou a soluçar, não entregava o teste, já passava a hora. Esperei um pouco. Outra aluna veio ter comigo. “Quero o meu teste de volta. É que se não recolhe o dela...”. A Roménia não é Portugal, na minha consulta muitos doentes contam-me de familiares mais novos que emigraram, sem grande drama anexo, que estão bem, que talvez não voltem. Mas eu não sou cirurgião. Ninguém é o outro ninguém. A dificuldade está no alguém que tentamos ser e, no entanto, o caminho para lá não é fácil de ver, crescidas as árvores - lá e cá.



sábado, 26 de novembro de 2016

Alto Douro, fim de Novembro.

As boas coisas, as boas terras, merecem ser vistas não só quando mandam os cartazes e os guias mas também nos outros dias. A aposta não será assim tão arriscada porque, se as coisas são boas e se as terras também, a recompensa é mais do que provável. Assim o Alto Douro Vinhateiro.

Hoje, passado o Marão, que me ofereceu as suas primeiras nevadas - e que bom fazer a IP4 agora com menos trânsito do que antes - tinha pensado ir espreitar o Montemuro por trás, que nevado também deveria estar. Ao descer a A24 pouco antes da Régua vi à minha frente as Meadas completamente fechadas com nuvens e percebi que iria gastar muito gasóleo para nada. Sendo assim, não havia como olhar à minha volta e sair da auto-estrada, onde parar não se pode, e fazer um pouco da N2. Novembro a acabar, as cores são de um Outono final. A vindima aconteceu ainda não há muito, a apanha da azeitona é por estes tempos. A terra deu tudo o que tinha para dar. Toda a chuva é bem vinda. As cores acobreadas das folhas da videira contrastam com o verde perene da oliveira, com o castanho escuro do terreno. Onde as há as cerejeiras também amarelaram. Os tons são de fim de festa, soa o aviso "vamos recolher", vem aí o Sr. Inverno, e eu bem que o sei porque a neve, já a vi.


ABE, pá, da-se!!!!

Deparei-me com um guia simpático, gratuito, chamado "Inbicta", produzido pela ABE, Marketing & Comunicação. Pousado estava em Serralves para disfrute, por ex., meu, e incluia referências aos restaurantes, sítios para visitar e lojas de maior interesse nas três zonas do Porto com mais "footfall". Nem mais. Longe de ser exaustivo mas bem feito, trata-se de um daqueles guias alt-mainstream que toda a Cidade Europeia tem, tal, hoje em dia, o Porto.

Dediquei-me, porque sem mais o que fazer, a contar das 22 lojas mencionadas, quantas tinham nome (em) português. Contei 4. Considerei a Haity e a Eureka matchs nulos. Explicito que as zonas de maior "footfall" eram Clérigos, Santa Catarina e Boavista.

Portanto, as 4 portuguesas: Luís Buchinho, Anselmo 1910, Porto Meia e Fátima Mendes.

As apátridas: Fashion Clinic x 2, Max&Co, Fly London, La Petite Coquette, Porto In, Paez, Clérigos In, Daily Day, Dumonde Chocolat, Violet & Ginger, The Feeting Room, FreshJealous, Skunkfunk, Pollux, Xtreme.

Da-se!!!!

PS: a ABE tem escritórios em Vale de Cambra, S.João da Madeira e Luanda, por esta ordem.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Insisto, é o Silo!

Só eu para falhar o quase único dia em que o Nuno Malheiro Sarmento não podia estar presente no Silo do Norte Shopping, a galeria de arte que eu mais aprecio e frequento no Grande Porto, estrategicamente localizada no Norteshopping. Mas estavam lá as obras, ergo...

O Silo, concebido pelo Eduardo Souto Moura, está feito de uma forma que permite criar uma enorme diferença de ambiente entre o piso superior, luminoso, e o piso inferior, mais nocturno. Claro que o tijolo que domina o espaço modera todo e qualquer excesso de luz. E, no entanto, mas, porém...

Nunca o Silo tinha arriscado, que eu tenha tomado conhecimento, uma exposição colectiva desta dimensão. São trinta, os artistas, trinta. Trinta caminhos, trinta hipóteses de trabalho. É tirar apontamentos. 

Poderei tomar a liberdade de apelidar o meu amigo Nuno de galerista? Não vai ficar chateado? Pois assim não sendo, aqui deixo escrito que o galerista dispôs as obras com suprema inteligência, com um crescendo nas técnicas e nos volumes no piso superior da direita para a esquerda, e guardando algumas opções mais atípicas para o piso inferior. Não vou destacar nomes, destaco a diversidade das propostas, a curiosidade que quase todas as obras me suscitaram. Ah, e, aqui e ali, a preços muito acessíveis, caro galerista!

Pois é, visitemos então!


terça-feira, 22 de novembro de 2016

Quatre-vingt-dix.

Os franceses é que a sabem toda, com aquela coisa do quatre-vingt-dix, como se os oitenta fossem uma espécie de limiar e a partir daí os anos a haver um sobejo, quatre-vingt-un, quatre-vingt-deux...
 
Noventa anos é mesmo muito tempo. E quando ontem me perguntaram se havia algum dvd ou cd que tu, dentro dos teus gostos que assumiram que eu conhecia, tu gostarias de receber, respondi a verdade, que não sabia, e depois menti: disse que não me lembrava de alguma vez ter tido conhecimento de tu com a minha mãe terem alguma vez ido juntos ao cinema. Efectivamente vocês foram uma noite ao cinema, uns tios meus ficaram a tomar conta de mim, a experiência não correu bem, eu expliquei-vos isso na volta. Hoje que penso, como diz a tua neta, nasceste antes do Sunrise do Murnau (27) e do Maria do Mar, do Leitão de Barros (1930). Nasceste meses depois do Vinte e Oito de Maio, e o teu primeiro Presidente da República foi o Marechal Gomes da Costa, que hoje por hoje dá nome a tantas avenidas.
 
Da tua infância nada sei também. Um destes recentes dias - recentes querendo dizer nos últimos anos - em conversa com o teu irmão Mário, este contou-me pequenas peripécias da sua infância, da tua também, portanto. Nesses pouco minutos pude espreitar pela primeira vez o nunca contado, como foi Ovar nos anos trinta, nos anos quarenta, como foram as coisas que eu nunca te perguntei e por isso tu nunca me contaste.
 
Uma história apenas contas uma e outra vez, a do namoros dos teus pais, meus avós, de talho para talho, porque os mesmos onde trabalhavam ficavam na mesma rua. Vamos assumir que se trata de uma história com um final feliz, mais propriamente sete, pois foram sete os filhos que vingaram. E porque vingam os filhos? Porque a má sorte é assumida ao nascer, o chegar a adulto um calhar, uma coincidência, um bafejo da sorte. Dos filhos só tu e o meu tio Guilherme não fizeram do cortar carne profissão, parcial ou completa. Ser talhante, cortar a carne que outros vão comer, é uma profissão peculiar. Começa pelos cheiros. Aos quais me habituei de pequeno. O cheiro da carne crua, nomeadamente da de vaca, é-me agradável. Depois o toque. Pegar nela, escolher o melhor lado para cortar, adivinhar as aponevroses, o fio da carne, de forma a que saiam bons nacos para cozer, para assar, bifes. E antes olhaste e disseste de onde era a carne, a peça pendurada de um gancho na tua imaginação. Chambão, chã-de-dentro, a pá. A rabada, que me ficava na boca ao trincar e eu não gostava dela. Nos supermercados começaram a cortar a carne de uma forma diferente - disseste-me. E eu a pensar, solidário. "que pena!". Quando, uma vez por semestre, compro carne num talho e a cozinho, preparo-me, lavo as mãos, escolho a melhor faca e pego na carne, dou-lhe voltas e voltas, corto e volto a cortar. Como se soubesse.
 
Penso agora que a minha filha pouco ou nada sabe também da minha infância. Talvez a minha seja a tua vergonha, porque a minha infância foi confusa, pequena, escondida. Mas mais um vez engano-me. A tua vergonha não será, certamente, a minha. Para começar, quarenta anos de distância nos separam. Depois seis irmãos. Sei hoje, levei cinquenta e dois anos para o aprender, que coisas minhas há que são tuas, outras da minha mãe, outras minha tão somente. Ninguém copia ninguém. Peça a peça, fui-me reavendo, recentrando. Assim a minha filha que, esquecido o disfarce da cara, nada a mim deve.
 
Numa coisa porém te copio: os cuidados que pela manhã tinhas comigo nos tempos de apanhar o comboio para a faculdade, o acordares-me, o certificares-te que eu acordei, o aqueceres-me o pequeno almoço. Assim mais ou menos faço hoje, quando o turno é meu. Lembro-me porém quando, quase preocupado, me avisavas de como o café pode ser forte, melhor o descafeinado, ainda não te tinhas apercebido como o Porto me tinha feito crescer tão rápido e tão para fora.
 
Não conheço quem, com valia, de ti tenha má opinião. Essa unanimidade exterior à casa confundiu-me em tempos. Hoje sei que é afinal muito cansativo fazer o correcto todos os dias nesta vida sem prémio. Sem prémio, repito. Todos os dias. Mas prémio haverá às vezes, como agora, noventa anos passados, no simples que tens os teus dias. Merecidos dias simples e claros.
 
Falo, ou escrevo, demais. Estendo-me as mais das vezes ao comprido. Hoje também. Uma última coisa há que queria reaprender contigo: a, só, palavra justa. Ou, na sua ausência, o silêncio.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Balanço rápido de um C.


Sobrevalorizamos as diferenças percentuais.

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Uma não inferioridade habitualmente não chega, pelo que estou lembrado.

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Um intervalo de não inferioridade desenha-se entre as minhas noites e as tuas manhãs.

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O subgrupo que mais me interessa é o das mãos.

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Elegíveis? Ilegíveis?

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Craig Anderson, you are so wrong!

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Que problema havia com a saia dela? As ancas subjacentes? Ou o diálogo entre ambas?

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Não, ninguém troca experiências.

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Houve quem fosse mesmo embora. Uns poucos.

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Preso, transportam-te na boca, fraco animal domado. Á porta te deixaram desta sala - "Vai, mas

com cuidadinho!" Entras, humilhas. No regresso és agraciado com um abocanhar vagamente

meigo, os dentes buscando repetir por piedade ou desdém as mesmas feridas que eles na tua

carne mole provocaram na vez anterior

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Mas, já agora, palmas que se ouçam!

domingo, 20 de novembro de 2016

Em dois dias.

Em dois dias o meu pai vai fazer noventa anos. Uma vez mais não sei o que oferecer-lhe. Ainda ontem jantei a seu lado. As suas limitações de corpo são bastantes, os pequenos passos, a incerteza na articulação da perna, acho que o direita, a intolerância ao mais pequeno esforço, ambos os pulmões armadilhados pelo enfisema. "Como estás?" - "Estou bem." Despertam-lhe atenção poucas coisas, pergunta-me semanalmente por umas mochilas que por ali - pela casa dele e que já foi duas vezes minha - deixei, possivelmente uma meia dúzia daquelas pastas azuis da Bayer que eram antes frequentes nos congressos, eu respondo-lhe que as pode pôr no lixo, ele em silêncio discorda, por isso volta à carga na semana a seguir: "Tens aí umas mochilas...". 

Tinho ido assegurar-se de que a Melodia jantara. O regime alimentar de uma cadela domina as actualidades naquela casa. Sentou-se a meu lado, ofegante, a expiração prolongada. "Mas comeu! E comeu a batata!" A cadela adquiriu o hábito - o vício - de, depois de jantar, lhes pedir uma batata crua. Que, pelo veterinário, para nada serve porque os cães não absorvem amidos. Discordo do veterinário, amigo que sou  da mesma cadela, sei eu bem que muitas coisas como e que para nada de bom me servirão. Que faço coisas - este escrever para não ir mais longe - que a utilidade é nada. Mas faço, como, comemos. Assim o meu pai, adivinho, a raiar a hipóxia, satisfeito pelo jantar acontecido e terminado, o dos quatro convivas à mesa, pai, mãe, filho e neta, e de uma cadela um longínquo piso mais abaixo. 

Noventa anos é mesmo muito tempo. Talvez como presente agradecer-lhe de viva voz estes noventa anos. Sei eu bem que esta benesse que terça-feira vou receber não acontece a todos, nem a todas. 

Vamos ao que interessa, Espanha.

Sou republicano em Portugal e seria republicano se em Espanha. O regime monárquico parece-me um anacronismo. Et pourtant...

1. Existem vários regimes monárquicos na Europa. De cor aqui vai: Bélgica, Países Baixos, Dinamarca, Noruega, Suécia, Luxemburgo, Espanha, Reino Unido. À vista desarmada eu diria que ser uma monarquia quase parece assegurar prosperidade, pois são monarquias muitos dos países mais ricos da Europa, do Mundo...

2. O ser um país monarquia ou república nasce sobretudo da história que a esse país aconteceu. A monarquia pereceu em Itália com a 2ª Grande Guerra e o alinhamento da mesma com Mussolini. Pereceu na Alemanha com a derrota na 1ª Grande Guerra. No Reino Unido a monarquia é algo intrínseco à ideia nacional e internacional do dito. De alguma forma é a monarquia que "une o reino". E no entanto permitiu por exemplo um referendo Escocês. Coloca-se a mesma questão com a Bélgica. De qualquer forma a intervenção dos monarcas europeus na vida política é simbólica e/ou nula. Reafirmo a palavra "simbólica" porque de símbolos vivem os países, estas grandes comunidades que são. E nenhuma das monarquias europeias - com a excepção da norueguesa - foi plebiscitada. Assim aconteceram, assim ficaram.

3. Espanha é um caso especial. Especial pela sua história. Quando se discute Espanha parece ainda que a sua história tem apenas 80-90 anos, como se começando apenas em 36. Onde uma Espanha republicana começou  a ser derrotada por um futuro ditador, um general baixo e galego que dava pelo nome de. Já agora, a abdicação de Afonso XIII em 1931 nasceu de umas eleições municipais perdidas para os republicanos, não de um referendo (embora, na prática, as mesmas eleições fossem entendidas como tal). Espanha viveu uma transição da ditadura para a democracia muito curiosa, com a imposição de monarquia pelo ditador que saía, mas onde - incontestavelmente - o rei imposto por Franco foi fundamental para que a democracia se impusesse de uma forma incruenta. Embora Espanha seja a única monarquia europeia que já foi república e que o deixou de ser sem haver consulta popular, a verdade é que a transição aconteceu com a monarquia como um dado adquirido, sendo a mesma aceite tacitamente por Felipe González e Santiago Carrillo. Uma transição que permitiu que a direita reciclada se organizasse sob a AP de um triste ex-ministro de Franco, Manuel Fraga (realmente os galegos e Espanha... por diós!).  Assim como o 25 de Abri já foi há 40 anos também a transição espanhola. E os panos quentes daqueles tempos estão esquecidos. O cuidado que houve para esquecer as velhas noções de vencedores e vencidos. Et pourtant...

4. A guerra civil espanhola foi uma guerra nada romântica - apesar de toda a poesia, de todos os romances escritos e dos filmes realizados. Aprendi ontem que Espanha é o segundo país do mundo com mais desaparecidos, a seguir ao Camboja. As Guerras dos Balcãs duraram com interrupções dez anos e provocaram 140000 mortos. A Guerra Civil Espanhola em três anos matou MEIO MILHÃO. Esta ferida é algo mais do que uma ferida apenas. E ainda não curou. A transição evitou um reacender dos conflitos, mas interessa saber se apenas os adiou em vez de os resolver. O que correu mal com Espanha?

5. O sucesso da transição espanhola assentou também em três partidos - a UCD de Suarez, o PSOE de Gonzalez e o PCE de Carrillo - e num acontecimento específico, a regionalização com a criação das autonomias, que em grande parte resolveu o problemas das nacionalidades históricas. Vejamos o que aconteceu a cada um destes factores. A UCD morreu com o apagar-se de Suarez. Foi absorvida pela AP/PP, na realidade um partido reciclado a partir de ex-franquistas e que depois adquiriu um líder, Aznar, com uma dialéctica nada conciliadora mas sim herdeira de tempos antigos. O PSOE chegou ao poder com Gonzalez, um feito histórico. Mas o poder não lhe fez bem. E a corrupção e a guerra suja contra o terrorismo passou factura a um partido que ficou definitivamente órfão dos tempos em que chamar-se "socialista" e "obrero" ainda tinha alguma lógica. O PCE foi mirrando tranquilamente, vítima da sua irrelevância eleitoral progressiva. Apagou o nome "comunista" da lista eleitoral - o que para nada serviu. Manteve-se como uma espécie de "segundo partido" onde o eleitorado votaria se. E as autonomias. Para começar o sistema eleitoral espanhol cometeu o erro de favorecer os partidos regionalistas, fazendo deles forças pivô no fazer e desfazer de governos. Logo o PNV e o CDC ganharam uma relevância nacional desproporcionada e começaram o seu jogo clássico de negociar autonomia e/ou dinheiro vs votos no congresso. Partidos de centro-direita por vocação e gestores de interesses por opção de classe, rapidamente caíram na corrupção - veja-se o Pujolismo. E levamos quarenta anos nisto. Por outro lado as autonomias criaram o cancro dos "barões" partidários, tanto no PSOE como no PP. A corrupção imobiliária começou a tomar conta de autonomias completas - em ambos os partidos. Milhões de pesetas e depois de euros compraram as consciências quase todas, as mais pesadas e as mais diáfanas.

6. A personalidade e prática cripto-franquista de Aznar, a traição terrível de Gonzalez a todo um povo que nele acreditou, o crescendo das chantagens autonómicas com a deriva independentista do PSC, tudo isto rematado com a abulia de Zapatero, permitiu que uma Espanha em crise económica, financeira e social se encontrasse dividida, partida em duas, como não tinha acontecido em quarenta anos. E agora?

7. Agora, repito, a questão monárquica parece-me ser aquela que menos interessa resolver. Mas as prioridades decidem-na os espanhóis, o que eu não sou. Independentemente de eu achar que, neste momento, um referendo manteria a monarquia "á frente" de Espanha. Mas não nos enganemos, à frente de Espanha está um galego (uma vez mais, é mania!) esquizofrénico chamado Rajoy, e por vontade popular - ou não seja o parlamento a representação do povo... - a governar tão legitimamente como, por ex., António Costa em Portugal!

8. O problema da democracia é que, querendo, todos podem votar... incluso los malos de la película! USA! USA! USA!...

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Aquilo que eu nunca fui.

"Dr. Manuel Gama?" - a voz traía alguma incerteza na expressão: quem assim me interpelava por telefone sabia que este não era o meu nome "clínico" mas, afinal de contas, o ralhete implicava distância e a colega em questão, bem mais nova e, só por engano - acredito, doutorada, iria naufragar  na sua intenção no nome que procurava de todo evitar, aquele pelo qual toda a gente que me interessa no meu hospital me conhece. Resultou que o ralhete não era para mim, que o equívoco provocou um murmurado - nem sei bem se o ouvi - pedido de desculpas. Manuel Gama é o nome do meu pai. É possível que, com o correr do Tempo, esse terrível aliado, venha também, aqui e ali, a ser o meu. Para treinar, tenho um amigo, um amigo só, que, novo nas minhas redondezas, chama-me de Manel. Soa-me bem, até. Dr. Manuel Gama nunca fui, nunca serei. Passe bem, minha cara Doutora. E vá dar aulas noutro telefone.

Este nome que é o meu.

"Guilherme!" - chamou-me. Fnac. Há quanto tempo não ouvia o meu nome tão bem dito. Andava eu por ali perdido, procurando com que me entreter, acabei por estacionar em DVD's low cost, "To Have and To Have Not", "Tabu", "I Was A Male War Bride". Gosto tanto de Cary Grant. "Guilherme!". Era uma despedida que estava por fazer e se fez. Sem palavras, claro. Apertou-se-me o coração perante um tão maior que o meu. Pensei logo naquele momento em oferecer-lhe o primeiro volume da poesia do Ruy Cinatti, um poeta tão seu! Mas o volume é tão pesado e desajeitado, tão mal pensado pela Assírio & Alvim!. Sim, confirma-se. O meu amigo Padre Nuno foi-se embora.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"Sabes, não me ganhas."

"Sabes, não me ganhas. A tua e a minha solidão são equivalentes, a vontade de comer do mundo as partes que sabemos boas - e tu e eu sabemos tanta coisa, um problema, eu sei - também, pois, mas eu consigo protelar por mais tempo os tempos infindos da grande paragem que pode propiciar a queda da muralha, o desarmar das defesas, o desfalcar dos andares últimos onde tu ou eu, tu e eu, temos snipers atentos, insensíveis, a mira atenta e desprovida até da crueldade, tão eficazes. Eu, minha cara amiga, tenho os meus livros."
LM 

sábado, 12 de novembro de 2016

Que foi feito do Eduardo?

Verifiquei há pouco que a minha querida ADO - no futebol sénior - está neste momento na 2ª divisão B do Campeonato Distrital da A.F.de Aveiro, campeonato liderado pelo S.Vicente de Pereira. S.Vicente de Pereira é uma pequena freguesia, a mais pequena e menos povoada do concelho de Ovar. Nem sabia que tinha equipa de futebol. S.Vicente tem de importante algumas "casas de brasileiro". Nem sabia minto, de S.Vicente era o Eduardo Santos Silva, o melhor jogador de futebol do Liceu, Semedo incluído. Que acho que jogou na equipa de juniores do S.Vicente. Tinha uma finta imbatível. Que foi feito de ti, Eduardo?

Serralves - Michael Krebber.

Não, não, ao contrário do habitual não vou fazer de conta que entendo Michael Krebber, de quem eu nunca tinha ouvido falar até esta exposição. Alemão (fixe), o seu quid parece ser o que fazer quando tudo já foi pintado? Em todas as artes esta é/será A pergunta. O abaixo foi o que eu vi (e gostei).
 
 

"É preciso ver!" (nem sempre, besta!)

A Blandina telefonou-me na quinta-feira, não queria vir à minha consulta, não queira, era a última, seguida em várias subespecialidades que orientavam adequadamente os seus problemas médicos, supérfluo, parecia-me, o tempo que perdia comigo duas a três sextas-feiras por ano. Mais nova do que eu, cega por retinopatia diabética, a fazer hemodiálise. Não queria vir porque não queria chorar, disse. Conheci-a ainda a ver - pouco, é certo - e bem antes da diálise. O seu nome lembrava-me porventura aquele personagem de  Victor Hugo de um determinado livro. E talvez não, as suas consultas sempre um riso. Talvez por isso o faltar. Que não veio. 


Outra doente também me disse que pensara em não vir, a visão também muito pior, aqui uma conjugação de desgraças oftalmológicas cujo reconhecimento me ultrapassa. Haverá no horizonte um transplante que mitiga não resolve, haverá, disso eu nada sei. Disse-me que, porém, ainda via a bata branca e eu, por uma vez, coisa em mim tão rara, senti-me contente por a ter vestida.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Rubbing versus peeing ou... A minha quinta é melhor do que a tua sexta, Sexta-Feira...

"One of the most interesting patterns visible in my results was the type of fox territorial response depending on the protein content of the coyote urine. As seen in my conclusion, the foxes exhibit rubbing behavior more often when exposed to coyote urine with healthy protein content. They exhibit urinating behavior more often when exposed to coyote urine with proteinuria. By urinating more often on the urine with proteinuria than the urine with healthy protein content, the fox may be indicating that it is less likely to defend its territory from a healthy coyote than from an unhealthy one. By urinating, the fox is clearly claiming the territory for itself, and thereby risks facing a territorial challenge from the coyote. A fox would stand a much greater chance in a territorial brawl against an unhealthy coyote than against a healthy coyote, and thus may have felt more comfortable claiming its territory by urine.
The fox more often exhibited rubbing behavior on the coyote urine with healthy protein content. The fox might have been more comfortable rubbing atop healthy coyote urine because by rubbing it is emitting a scent through its glands rather than its urine. Scents emitted through glands are generally weaker than scents emitted through urination. For example, the scent emitted through the fox’s toe glands only lasts about 20 minutes, while the scent emitted through a canid’s urine may last up to two days. If the fox was uncomfortable about challenging a healthy coyote, it might defer to rubbing. The rubbing likely diminishes the scent of the coyote urine and adds a short-lasting fox marking. In this way, the fox would not necessarily be challenging the coyote but would still decrease the coyote’s scent marking, thereby claiming the territory without risking a fight with a coyote.
If these presumptions are correct, my research would suggest that foxes can distinguish a healthy coyote from an unhealthy one by the scent of the coyote’s urine, and that the foxes vary their territorial response depending on the health of the rival individual coyote."
 
Tendo em atenção alguns padrões comportamentais no meu local de trabalho vou fazer uma urina de 24 horas.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Philosophy of 93.

Anos há que são filmes. 1993 foi também um disco: "Philosophy"  dos Coldcut. Dois DJ's ingleses pioneiros do breakbeat etc. e tal que criaram a editora Ninja Tune e que fizeram parte do colectivo DJ Food. Este disco passou desapercebido de proaticamente todos. Presumo que foi dos primeiros que o Ricardo Saló me apresentou no Expresso in illo tempore. O meu muito obrigado. Foi por aqui que eu me zanguei com o rock e as guitarras por mais de uma década. E não estou arrependido. Enfim, how cool can you get?






domingo, 6 de novembro de 2016

Berlim dia cinco.

O dia cinco amanheceu com uma certeza: Berlim precisava de bem mais dias para se dar bem a conhecer. 

Saímos na Alexander Platz e fomos conhecer a antiga Torre da Televisão da RDA, hoje ícone da Berlim reunificada.Com alguma ironia aparecem referidos os elevadores da torre como "estreitos". Mas são rápidos. Bom, a vista é espectacular. As fotografias explicam. O déficit de conhecimento da parte mais oriental da cidade ficou-me claro. 
Almoçámos na esplanada dum Vapiano. E, para fechar o dia, ou melhor, a tarde, porque havia um avião para apanhar, fomos até ao ocidente e à Fundação Helmut Newton onde corria a exposição retrospectiva de Alice Springs, a esposa. 

O passe comprado dava até ao aeroporto Schönefeld, na realidade um conjunto de armazéns (o antigo aeroporto de Berlim Leste) optimizado para a miríade de voos low cost que frequentam a cidade capital da Alemanha. Tem piada o "lounge" ser ao ar livre: e quando chove?