segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Matheus Nunes e Rúben Amorim.

O terceiro ano para qualquer treinador no Sporting é sempre muito complicado. Isto quando chega ao número três. Está a ser assim com Ruben Amorim. 
O Sporting foi campeão com Tiago Tomás ou Paulinho a avançados. Mas muitas vezes jogou sem avançado fixo, assim tipo o City antes de Haaland, se me permitem a abstrusa comparação. E marcava até mais golosnesse desenho. Em 2020 estava o Pote em estado de graça, em 21 Sarabia. E foi assim que ganhou 3-0 ao Rio Ave há 15 dias. Só que aí ainda jogava com Matheus Nunes. Uma equipa que parecera aburguesada frente ao Braga estava outra vez mandona.

Um sistema como o do Sporting pede um jogador que lhe acrescente espaço e profundidade, e que se chamava Matheus Nunes. Que ao mesmo tempo, com Palhinha, dava uma "precoce" couraça defensiva muito importante. Tudo isto se perdeu (vendeu). O momento da venda de Matheus e como ela aconteceu afectou psicologicamente o grupo. E "apequenou" Rúben Amorim. A estrelinha de Ruben Amorim parece perdida.

Na prática só perdemos verdadeiramente três pontos. Como o Porto com o Rio Ave. Mas o que aconteceu com Matheus Nunes, aparentemente culpa de Varandas, esburacou o chão de um balneário e obriga Rúben Amorim outra vez a refazer e a improvisar. Como um momento destrói dois anos de trabalho. 

Nunca Varandas me pareceu ser "o homem", por muito que detestasse Bruno de Carvalho. O futebol na realidade é só dinheiro. Um bom dirigente faz-nos acreditar que não é assim.
 

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Binário: Blake & Feist.


 Vou arriscar um raciocínio completamente binário e, nestes tempos em que uma canção como a dos Aztec Camera "How Men Are" seria completamente ostracizada, vou comparar a versão original de Feist de "The Limit To Your Love" com a de James Blake. 

James Blake só se queixa, coitado!

Feist faz uma lenta e suave censura e, no fim, declara-se completamente.



sábado, 13 de agosto de 2022

Ainda a Ucrânia: Lviv e Kharkiv.

 Uma forma de medir as disparidades culturais existentes na Ucrânia pode ser falar de duas cidades cuja história de cada uma entra de forma tão diferente no construir da Ucrânia actual. 

Uma é Lviv, a capital da Galícia, a região histórica mais ocidental da Ucrânia, e que menos tempo esteve sob domínio russo ( só de 1946 até 1991), e Kharkiv, a segunda cidade do país, capital da RSS da Ucrânia entre 1919 e 1934 e cujo centro está a 40 km da fronteira russa. A distância entre as duas cidades é de 900 km.


Lviv foi fundada em 1256 pelo então rei da Galícia em homenagem ao seu filho Lev. A Galícia era então um pequeno reino semi-independente. No século seguinte foi conquistada pela Polónia e sob o domínio polaco cresceu, tornando-se Lviv numa das cidades mais importantes do reino. O seu nome polaco era Lwow, se a quiséssemos denominar em latim Leopolis. Um incêndio no século XVI deu-lhe um carácter renascença pela reconstrução. Em 1772 a Polónia foi partilhada entre os grandes poderes europeus da época e Lwow passou a pertencer ao Império Austro-Húngaro. Lwow passou a chamar-se Lemberg. A velha cidade tinha uma elite polaca e uma população de base ruténia (o nome dado aos ucranianos ocidentais), com uma forte comunidade judaica. Havia uma universidade ( a primeira universidade ucraniana) desde o séc XVII cuja escolaridade era dada em polaco e em latim. A cidade sofreu uma forte germanização e ganhou a sua estampa actual, muito "Europa Central". A Universidade sofreu muito com a competição de Cracóvia e foi completamente germanizada. No séc XIX a Galícia também viveu a seu despertar nacionalista. Em 1848  a cidade sofreu um levantamento revolucionário e foi cercada pelo exército austríaco mas anos depois a Galícia ganhou uma forte autonomia, e a Universidade e a vida pública ganharam contornos polacos e, embora menos, ruteno-ucranianos. Até ao início da 1ª Grande Guerra a cidade viveu um tempo de grande prosperidade e, ao mesmo tempo, um tempo de grande fervor nacionalista de três nacionalidades, a polaca, a ucraniana e a judaica. 

Para o fim da 1ª Grande Guerra a autoridade austríaca colapsou. Os ucranianos aproveitaram e declararam a independência da República Ucraniana do Oeste, com sede em Lwow/Lviv. A maioria da população da Galícia era ucraniana, mas a maior parte população da cidade em questão era polaca. Os polacos de Lwow/Lviv resistiram e foram ajudados pelo exército Polaco que conquistou Lwow e na prática destruiu a soberania ucraniana nascente. Os ucranianos foram duramente reprimidos criando um cisma entre as duas nacionalidades. Posteriormente a cidade foi defendida com sucesso do Exército Vermelho e conseguiu efectivamente permanecer polaca. Lwow/Lviv mantinha uma população predominantemente polaca no meio de um campo ucraniano. Havia uma forte minoria judaica, que tinha sobrevivido a algumas perseguições peri-guerra. O governo polaco favoreceu grandemente Lwow, então a terceira maior cidade do país, reforçando o seu carácter "polaco". A 2ª Grande Guerra iria alterar definitivamente tudo isto. A cidade multi-étnica do séc. XIX ia ser destruída.


Na sequência do Pacto Molotov-Ribentropp a Polónia foi dividida entre a Alemanha Nazi e a União Soviética. O cerco de Lviv foi começado pelos Nazis e terminado pelos Soviéticos. A ocupação soviética foi tudo menos pacífica. Mas em 1941 aconteceu a invasão alemã. A resistência ucraniana aliou-se temporariamente aos nazis mas as suas tentativas de independência foram prontamente silenciadas. Lviv tinha uma população de 200000 judeus, muitos deles já refugiados de guerra, em 1941. Três anos depois restavam umas centenas. A colaboração dos nacionalistas ucranianos de Stepan Bandera no genocídio dos judeus parece incontestável, embora tenha acontecido possivelmente apenas como forma de convencer os alemães a aceitarem uma Ucrânia (fascista...) independente. Não funcionou, Bandera foi preso, milhares e milhares de ucranianos foram levados para a Alemanha para serem usados com trabalho escravo. Em 1944 os soviéticos conquistaram a Galícia e Lviv. No fim da 2ª Grande Guerra a Ucrânia reconstruiu-se como República Socialista Soviética e parte da União das RSS's. A URSS permitiu que a Ucrânia fosse um país fundador das Nações Unidas, sempre era mais um voto na Assembleia Geral. O fim da Guerra e o redesenhar das fronteiras a leste levou a que a população polaca de Lviv (mais de metade do seu total) fosse deportada para a Polónia. Lviv saiu da Guerra com menos de metade da sua população de partida - os polacos deportados, os judeus deportados e mortos. Simon Wiesenthal, o famoso judeu caçador de nazis, foi dos poucos judeus de Lviv que sobreviveu a estes anos.

Lviv era agora finalmente soviética. E assim se manteve até 1991. A sua população tinha diminuido para menos de metade por comparação ao tempo de antes da 2ª Guerra Mundial. Era agora constituida quase só por ucranianos, os sobreviventes da cidade e gente dos arredores e de outras partes da Ucrânia, bem como uma pequena minoria de russos. Algum desenvolvimento industrial chamou esta gente. Felizmente a Guerra tinha sido misericordiosa com o centro histórico da cidade e, portanto, Lviv podia orgulhar-se de um postal urbano "Mitteleuropa" que era bem diferente, por ex., da cidade de Kyiv. 

Com a Perestroika é em Lviv e na zona ocidental da Ucrânia que os movimentos pro-democracia e pro-independentistas aparecem primeiro e com mais força. Nas 1ªs eleições minimamente livres, as de 1990, o "Bloco Democrático" só ganha das províncias correspondentes à Galícia. Ao longo dos anos Lviv votou sempre ao lado dos independentistas e das forças mais anti-russas. E radicalizou-se. Nas eleições de 2012 uma parte importante da Galícia votou pelo partido de extrema-direita Svoboda. O extremismo de Lviv nem sempre seria pacífico. E Lviv foi a única província onde Zelensky não ganhou, nem na 2ª volta.


Ah, e a Galícia é a única região da Ucrânia predominantemente católica.

=/=

A cidade de Kharkiv foi fundada em 1655, junto ao rio Kharkiv, como um pequeno forte cossaco, agregando combatentes e agricultores refugiados das perseguições polacas a ocidente. Este pequeno forte, pertenceu desde o início ao Hetmanato Cossaco, o primeiro "estado ucraniano", aqui sob protecção cada vez mais "absoluta" dos czares da Rússia. Esta região ganhou então o nome de "Sloboda Ukraine", sendo "sloboda" um termo eslavo antigo para "liberdade", pois estes assentamentos cossacos tinham quer um anseio de autonomia quer, como prémio pelo seu papel em defender fronteiras e povoar terras daninhas, isenção de algumas taxas. O termo "Sloboda Ukraine" subsiste até hoje para denominar a região de Kharkiv, podendo inclusivé englobar alguma da hoje Rússia vizinha. Lembro que a palavra "Ucrânia" era de uso recente, e é portanto por aqui dos primeiros sítios onde aparece "oficialmente". 

Kharkiv foi crescendo em importância e dimensão. À medida que a autonomia destas terras ia sendo perdida por decisão dos czares, Kharkiv ia no entanto tornando-se num centro industrial, comercial e intelectual. A sua proximidade do Donbas fornecia a matéria-prima. Em Kharkiv nasceu em 1805 a primeira universidade ucraniana sob administração russa, antes de Kyiv. Começaram a publicar-se jornais, livros em ucraniano. Kharkiv era um centro da afirmação da cultura ucraniana no século XIX, apesar de ficar "a leste".

No final do século XIX a população de Kharkiv era porém predominantemente russa (como era polaca a de Lviv). No entanto, na alvorada da 1ª Grande Guerra, os ucranianos tinham equilibrado a demografia da cidade. Havia também uma percentagem importante de judeus, como em qualquer cidade ucraniana. Em 1917 aconteceu a Revolução Russa, com a primeira tranche em Fevereiro. A afirmação da República Popular da Ucrânia aconteceu em Kyiv, logo a seguir. Esta proclamação foi anterior a Outubro, e não liderada por Bolsheviks, que se declararam inimigos da mesma. Até 1920 a Ucrânia viveu tempos conturbados. Kharkiv foi conquistada sucessivamente pelos Soviéticos, depois pelos Alemães, outra vez pelos Soviéticos, depois pelos Russos Brancos, finalmente em definitivo pelos Soviéticos em Dezembro de 1919. Kharkiv, ao não ter feito tanto parte do sonho autonomista Ucraniano, foi recompensada com a capitalidade da República Socialista da Ucrânia, que manteve até 1934. Foi neste período de relativa prosperidade que no centro de Kharkiv foi construido o edifício Derzhprom, terminado em 1928, então o segundo edifício mais alto da Europa e uma afirmação do Construtivismo, a arquitectura revolucionária da primeira fase Soviética. 


Os anos 20 assistiram também a uma coisa chamada "Ucranização" (se esta palavra existe), na sequência de um decreto emanado no início da década curiosamente por Stalin, ordenando a utilização da língua nativa nas Repúblicas Soviéticas "não-russas". A ideia era seduzir as massas locais. Na Ucrânia as minorias/maiorias russas urbanas não aceitaram de bom-grado estas medidas, e a parte da população ucraniana que usava já o russo no dia-a-dia ficou um pouco "perdida".  A "Ucranização" teve um sucesso apenas moderado, embora tivesse permitido a afirmação de alguma nova elite local. 

Os anos 30 acabaram por completo com isso, por duas razões. O princípio dos anos 30 assistiu às famosas "fomes soviéticas", que tiveram especial expressão na Ucrânia ao ser o "celeiro da União". Stalin precisava dos cereais para exportar para o Ocidente e assim adquirir moeda, e decidiu a colectivização completa das terras. Morreram milhões e milhões e milhões de ucranianos. Pelo menos um quinto da população total. Está em debate se isto constituiu especificamente um genocídio dirigido contra os ucranianos. Não se debate o ter existido canibalismo frequente entre as populações, tal a fome. Os sovietes penduravam um cartaz pelas ruas que dizia "É errado comer um filho." A fome atingiu outras partes da União, o Cazaquistão, o Don, mas teve especial expressão na Ucrânia. Kharkiv esteve no epicentro da tormenta. Stalin convenceu-se que a "Ucranização" tinha causado esta resistência à colectivização. Muitos dos que não morreram à fome foram executados. Muita da elite ucraniana foi purgada, enviada para a Sibéria ou executada. Os anos 30 foram negros para a Ucrânia. Lviv sofreu menos, não sendo capital, não sendo grande produtora de cereais.  



E assim chegou Kharkiv à 2ª Guerra Mundial. Kharkiv foi a mais importante cidade soviética a ser conquistada pelos Alemães, dado a sua população ainda ser superior à de Kyiv. A população judia foi deportada ou exterminada. Quando libertada em 1943 a população de Kharkiv tinha sido reduzida a um quarto da população anterior à guerra. 

Kharkiv sobreviveu e voltou a crescer após a guerra. A sua localização privilegiada, perto do Donbas e na fronteira com a Rússia, falou mais alto. Os Soviéticos quiseram construir uma cidade nova, sem sinais do mundo "antigo". A enorme praça central onde se localizava o Derzhprom, foi renomeada "Praça da Liberdade", "Ploshcha Svobody". A Ucrânia Sloboda tinha a sua Praça Monumental, com um monumento a Lenin num dos cantos.


Kharkiv aderiu sem problemas à independência da Ucrânia. No referendo de independência a população votou esmagadoramente a favor. Não há referências a Kharkiv na Revolução Laranja. Kharkiv porém votou sempre consistentemente a favor dos partidos "pro-russos". Em 2014, na Praça da Liberdade, aconteceram pequenas manifestações a favor e contra Yanukovich. Quando a Guerra no Donbas começou, uma pequena força armada tomou a Câmara Municipal de Kharkiv durante dois dias mas as forças ucranianas logo resolveram a situação. Alguma agitação isolada foi acontecendo em 2014 e 2015. O monumento a Lenin foi destruido. Depois tudo acalmou. Nas últimas eleições Kharkiv votou por Zelensky.


Kharkiv foi um dos grandes alvos da invasão russa da Ucrânia, e ainda continua a ser. Quer na Revolução Laranja quer na Revolução Maidan, as forças pro-russas sempre apontaram Kharkiv como a  possível capital de uma "Ucrânia Russa", recriando o desenho do século XVIII da "Nova Rússia".  Tudo isto embora em nenhum momento Kharkiv parecesse procurar esse protagonismo. Protagonismo que ganhou agora ao resistir tão heroica e obstinadamente aos russos. Dada a proximidade da fronteira russa, espanta mais a não conquista de Kharkiv do que a não conquista de Kyiv. Embora a que preço.


Lviv é o principal entreposto das populações ucranianas que fogem da guerra, estando perto das fronteiras da União Europeia. Aqui e ali também tem sido bombardeada.




  

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Mais Ucrânia?

 Sim. Como não?


Durante dias a fio coloquei no Facebook música variada que a situação da Ucrânia me pedia. Música não necessariamente alegre, menos ainda festiva.

Agora que nos estamos a cansar, agora que aparecem as dúvidas, agora que decidimos pelos outros ao pensar e dizer "não seria melhor se", agora que Viktor Orban ainda existe e é ouvido dos dois lados do Atlântico, eu vou voltar a colocar música no Facebook pela Ucrânia. Música festiva. Música alegre.

Como não?