sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

"Quadro surrealista para a sala: Perfeito."

"The Surrealists sought to channel the unconscious as a means to unlock the power of the imagination. Disdaining rationalism and literary realism, and powerfully influenced by psychoanalysis, the Surrealists believed the rational mind repressed the power of the imagination, weighing it down with taboos. Influenced also by Karl Marx they hoped that the psyche had the power to reveal the contradictions in the everyday world and spur on revolution. Their emphasis on the power of personal imagination puts them in the tradition of Romanticism, but unlike their forebears, they believed that revelations could be found on the street and in everyday life. The Surrealist impulse to tap the unconscious mind, and their interests in myth and primitivism, went on to shape many later movements, and the style remains influential to this today."
 
 
Que em 2018 a frase que faz título se ouça num reclame de rádio da Volvo significa que o surrealismo não serviu para um caralho e que estamos a viver uma nova barbárie.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Sobre o crowdfunding e outras merdas.

Olá.
Começo pelo crowdfunding. Tem provavelmente mais de cem anos a boa prática de os sindicatos criarem os chamados "strike funds" para que, durante a greve, o trabalhador não morra à fome e tenha p pão, água, luz, tecto, ao receber uma "strike pay". Que os heróicos sindicatos portugueses, quase nunca preocupados realmente com os seus representados, nunca tenham pensado nisto, enfim, a inteligência, sabemos, é bem escasso. Mas que medrou nos tais cinco enfermeiros que. Dizer que são os hospitais privados a contribuir é merda da grossa. Sobre o crowdfunding estamos conversados: boa malha.
Agora a  greve. É legal e ataca onde dói mais: nos, podemos chamar-lhes, "k's" dos hospitais, a sua produtividade cirúrgica. Nos cinco hospitais em questão os números de 2018 já foram. A sangria financeira é dupla: actual e futura, pois as cirurgias acontecerão. Quando, onde...
Cruel? Todas as cirurgias adiadas serão não urgentes. Mas há graus de não urgência. A espera implica sobretudo dor e risco. Sobre a dor, o sofrimento, tenho dito. Sobre o risco: ninguém pode garantir que aqui e ali o timing de uma promoção de uma cirurgia de não urgente a urgente falhe por tardio. Eu sei, a falha seria médica, porque o qualificativo, de urgente e não urgente, também o é. Mas não queria que fôssemos por aí. Qualquer greve no sector da saúde implica um risco e impõe um ónus de sofrimento na pessoa doente. E esta não é a primeira greve no sector da saúde. Para dar um exemplo, os meus doentes hipocoagulados com varfarina, se há uma greve nas colheitas não são controlados, logo o nível de hipocoagulação perde-se e podem acontecer embolias cerebrais, hemorragias... garantem-me que nunca aconteceram? Ou que aquele doente a que não se mediram as tensões no dia "x" porque houve uma greve não terá pago por isso?
Imaginemos que no sector da saúde se proibem as greves. Isso implicaria um estatuto compensatório similar ao dos militares, por exemplo, com salvaguardas várias. E carreiras, por exemplo.
Eu não teria coragem para fazer ESTA greve, confesso. Mas eu sou médico. Tenho prestígio, tenho uma carreira. As minhas noites, que infelizmente preciso de fazer muitas para ganhar bem, são razoavelmente bem pagas. Se eu ganhasse o que um enfermeiro do quadro do meu hospital ganha, o mesmo há vinte, trinta anos, apesar das noites, sem progressão, sem carreira, sem qualquer tipo de reconhecimento, obrigado a trabalhar noutro lugar mais vinte, trinta horas para chegar ao fim do mês sem dever, bem, não sei o que faria.

domingo, 9 de dezembro de 2018

O teu mais velho.

O prédio onde habito fica na urbanização do Foco. Antigamente os grandes condomínios chamavam-se urbanizações e não eram fechados, antes ofereciam às gentes do exterior um jardim central que hoje ainda é um dos espaços públicos mais bonitos da cidade do Porto. Entro para a garagem pelo topo sul onde há uma barreira que ora sobe ora desce. O meu apartamento fica no topo norte. Faço quase meio quilómetro subterrâneo para chegar ao lugar que, alugado, é meu.
Junto à dita barreira está sempre alguém, chamemos-lhe segurança. Que não é de empresa nenhuma mas sim um empregado do condomínio. Conheço-os, cumprimento-os. São dois irmãos, completamente diferentes um do outro. E depois há um terceiro que me parece não jogar com todo o baralho de cartas. Há ainda outro que só faz noites, que é mais moreno.
Contrataram agora um rapaz novo. Digo rapaz porque não terá trinta anos. As funções ali na barreira são escassas. A minha urbanização abunda em idosos.  Os problemas com as entradas, as saídas, os comandos, etc serão frequentes. Às vezes alguém carrega, alguém descarrega. E é só. O rapaz, branco de cara, cabelo um pouco encaracolado, barba feita, por ali está, sério, fumando um e outro cigarro. Nunca o vi sorrir. Cumprimenta-me desde o primeiro dia, vendo em mim talvez um aliado, ou um igual. Que vida mais triste. Sei que terá uma paga fixa ao fim de cada mês, e isso à superfície de toda a terra ou indo por todas as ruas desta cidade, nem toda a gente tem. Mas porque isto não é só, por pouco que seja, dinheiro, que vida triste!
O rapaz costuma pôr um pé sobre um pino que há ali, apoia o cotovelo na perna e fica assim a olhar. Parece interrogar a esfinge. Ou então senta-se na beira de um murete que fica ao lado e apenas olha, também. Nunca o vi falar com ninguém de fora, nunca notei que o procurassem nem lhe notei pressa para sair, ir embora, partir. Uma vez dirigiu-me a palavra e a sua voz era estranha, fendida, como se por falta de uso.
 
No olhar lembra-me o teu mais velho.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Jane Austen - Sense and Sensibility ("diffident / driving a barouche")

"Edward Ferrars was not recommended to their good opinion by any peculiar graces of person or address. He was not handsome, and his manners required intimacy to make them pleasing. He was too diffident to do justice to himself; but when his natural shyness was overcome, his behaviour gave every indication of an open, affectionate heart. His understanding was good, and his education had given it solid improvement. But he was neither fitted by abilities nor disposition to answer the wishes of his mother and sister, who longed to see him distinguished—as—they hardly knew what. They wanted him to make a fine figure in the world in some manner or other. His mother wished to interest him in political concerns, to get him into parliament, or to see him connected with some of the great men of the day. Mrs. John Dashwood wished it likewise; but in the mean while, till one of these superior blessings could be attained, it would have quieted her ambition to see him driving a barouche. But Edward had no turn for great men or barouches. All his wishes centered in domestic Comfort and the quiet of private life.
Fortunately he had a younger brother who was more promising."

domingo, 2 de dezembro de 2018

Os pontos altos e um aniversário.

Eu sei que tu reparaste porque tu és daqueles que reparam: o cinzento a dominar o dia, as nuvens, só nuvens sobre a paisagem, esta reduzida a quase não ter cor.
Num dia assim os pontos altos podem nem acontecer, podemos estar reduzidos a ficar sempre pelo meio das coisas. Onde os pontos altos não estão.
Mas a puta da vida, felizmente, tem a sua versão pessoal para cada um de nós. E tu e eu sabemos que ela é para rir. Como aquele miúdo ontem na televisão a dizer que "assédio" é quando "alguém diz alguma coisa estranha e nós não sabemos o que é e perguntamos: A sédio?"
E felizmente fazes tu anos hoje, Nelson, e isso e umas poucas coisas mais servem para salvar este dia cinzento, haver pontos altos e estarmos todos de parabéns!